Qual é o papel de Leopoldo López na crise que opõe Maduro e Guaidó na Venezuela
Sobre o telhado de um edifício alto, visível de uma das principais autopistas de Caracas, um enorme painel já desbotado estampa os dizeres "Leopoldo #LibertadYa".
No outdoor, a imagem de Leopoldo López, líder de oposição preso em 2014 e libertado hoje em mais um capítulo da crise política na Venezuela.
Ele deixou a prisão domiciliar para se juntar ao correligionário e autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, que anunciou a "fase final" do processo que colocaria "fim à usurpação de Maduro" e disse ter agora apoio dos militares venezuelanos.
López foi detido e passou três anos e cinco meses na cadeia militar de Ramo Verde e, desde julho de 2017, estava em prisão domiciliar, vigiado por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional - que o fotografavam diariamente como prova de que estava vivo, conta a família do político.
Ele foi condenado a quase 14 anos de prisão por instigação à violência em protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro que deixaram 43 mortos.
O político sempre defendeu sua inocência. O próprio promotor que o acusou, Franklin Nieves, denunciou anos depois ingerência política no processo e acusou o governo venezuelano de pressioná-lo para que utilizasse provas falsas para condenar o líder opositor, que tem 47 anos.
Organismos como a Anistia Internacional o consideravam um "preso político".
Vestígios de 2014
A postura de confronto adotada pelo partido Voluntad Popular (VP) desde a ascensão de Guaidó, que se autoproclamou presidente interino em janeiro, é uma expressão da estratégia ensaiada por López em 2014.
"O que Leopoldo fez? Tirou a máscara de Maduro em 2014. Hoje, 5 anos depois, as pessoas falam que a Venezuela é uma ditadura, o que foi denunciado por ele lá atrás, algo que até então muita gente duvidava", disse em fevereiro à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BCC, Lilian Tintori, esposa de López.
"É duro, difícil e cruel o que temos vivido, mas é por nosso país", afirmou na ocasião a mulher, que rodava o mundo defendendo a causa do companheiro.
Ela guarda a foto tirada há dois anos com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o vice Mike Pence e o senador republicano Marco Rubio como evidência de um dos passos dados pelo movimento para o apoio hoje irrestrito de Washington a Guaidó em sua disputa com Maduro.
O melhor amigo de López dentro do partido, Carlos Vecchio, trabalha há anos na capital americana em favor da oposição venezuelana.
Guaidó, ainda que mais moderado, é considerado discípulo de López, que, mesmo preso, continuava sendo líder entre os membros de um partido considerado radical e que agora comanda um tudo ou nada contra Maduro.
Eleito no começo deste ano como presidente da Assembleia Nacional, Guaidó se autodeclarou presidente em 23 de janeiro por considerar Maduro um "usurpador" do poder. Desde então, foi respaldado por quase 50 países - entre eles, o Brasil.
"Com o Voluntad Popular (à frente do Parlamento) seria diferente: mais combativo e menos passivo", ressaltou à BBC News Mundo Freddy Superlano, deputado e membro do partido.
Luis Florido, parlamentar que deixou o partido no início do ano por divergências com López, considera que a diferença entre a estratégia mal sucedida aplicada em 2014 e o plano atual de Guaidó é a combinação de "músculo com inteligência".
Estratégia
O deputado Superlano também avalia que houve erro de cálculo, ainda que a esposa de López defenda que o marido sabia desde o início do processo que ficaria preso por bastante tempo e que sua atuação surtiu o efeito que eles esperavam.
"Ninguém achou que duraria tanto tempo", pondera o parlamentar.
"Ele se viu só, abandonado e decepcionado", diz Superlano, que afirma que, quando López se entregou, seu objetivo era motivar um levante popular que exigisse sua libertação e a consequente queda do governo.
Isso não aconteceu. Cinco anos depois, Maduro continua no palácio de Miraflores.
"Ele não conseguiu concretizar sua ideia em 2014, mas hoje, com Juan Guaidó, vemos essa possibilidade (de queda do regime) mais próxima", acrescenta.
Guaidó não tem a oratória ou o carisma do colega, mas muitos viram um reflexo do líder preso no dia em que se autoproclamou presidente.
Na noite anterior, nem todos os partidos concordavam que aquele seria o melhor momento para se fazer um juramento de posse - por isso, ele surpreendeu muita gente com a manobra, anunciada no fim de uma grande marcha de protesto.
"O desenho da estratégia tem muito a ver com o Leopoldo", pontua o analista Luis Vicente León.
"As grandes decisões do partido passam por ele ou ao menos são discutidas com ele. É uma peça-chave em todo esse processo", completa.
Superlano concorda que López "teve alguma influência" no juramento de posse feito no meio da rua, mas rachaça a ideia de que Guaidó seria "um fantoche".
Florido, que é muito próximo de Guaidó, afirma que o líder tem autonomia, apesar da influência de López.
"Hoje, a liderança mais importante do Voluntad Popular é Juan Guaidó", afirmou em fevereiro.
O recém-libertado López também é articulador do chamado "Plan País", que a oposição quer usar em uma eventual transição.
Unidade
Tintori pondera que, ainda que o marido tenha fama de ser bastante autocentrado e uma figura que divide, desde a prisão domiciliar ele vinha ajudando a unificar a oposição.
"Está mais ponderado. Ainda é independente, mas valoriza a unidade", afirma Superlano, que o define como "mais denso" do que cinco anos atrás, mais sereno.
López, descendente longínquo do líder da independência Simón Bolívar e membro de uma família tradicional e de alta renda, foi por muito tempo visto como possível futuro presidente do país.
"Nada vai devolver esses cinco anos em que esteve preso, nem mesmo a Presidência da República", ressalta Florido.
"Ele vai estar onde as pessoas queiram que ele esteja", diz Tintori sobre o marido, quando questionada sobre se a Presidência seria um sonho depois que a liberdade fosse reconquistada.
Superlano diz acreditar que, se houvesse uma transição e, posteriormente, eleições, Guaidó comandaria o processo de mudança e, eventualmente, poderia abrir espaço para López.
Florido, que é bem mais próximo de Guaidó que da ala "libertária" do partido, ligada a López, acredita que, pelo menos neste momento, ninguém desafiaria o mandato do autoproclamado presidente.
"(López) tem condições de ser presidente, mas lhe faltam outros atributos, como trabalhar um pouco mais o tema da humildade", critica.
O líder recém-liberto vinha apoiando a estratégia da oposição comandada por seu partido.
Ainda que não haja desavenças entre ele e Guaidó, um eventual conflito não está descartado, já que López tem personalidade forte - fundou o VP depois de romper com o partido que abrigava outro líder popular, Henrique Capriles, por duas vezes candidato presidencial.
"Leopoldo quer controlar seu Frankenstein, mas o Frankenstein se tornou independente. É natural. E a partir daí é que podem começar os atritos", afirma o analista Luis Vicente León.
*Reportagem publicada originalmente em 18 de fevereiro de 2019 e atualizada em 30 de abril de 2019.