Instituições não podem fazer "revisionismo", diz oposição sobre golpe de 64
Seis partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL) divulgaram hoje um manifesto conjunto em que atacam a tentativa de "revisionismo histórico" sobre o golpe militar de 1964, que levou a 21 anos de ditadura no Brasil, e criticam o apoio do presidente ao regime.
Assinam o texto PT, PCdoB, PDT, PSB, PSOL e PCB. No documento, os partidos "manifestam sua perplexidade com a desfaçatez com que o presidente da República, Jair Bolsonaro, adota como chefe de Estado, ao arrepio da Constituição e da Lei, o discurso de louvação desse regime de exceção que marcou sua atuação como parlamentar e candidato. Repudiam a convocação pelo Presidente da República de atos de desagravo ao regime militar e aos piores algozes da democracia produzidos naquele período."
As legendas também afirmam não aceitar "que qualquer instituição da República promova o revisionismo histórico e negligencie a verdade dos fatos que a sociedade brasileira pacientemente veio construindo nos anos de democracia que se sucederam ao regime de exceção, cujo ápice se encontra no relatório da Comissão Nacional da Verdade que concluiu seus trabalhos em 2014."
Segundo os partidos de oposição, com o golpe militar, teve início um "regime autoritário que suprimiu liberdades e direitos civis e políticos, massacrou a oposição, perseguiu, sequestrou, torturou, matou e desapareceu com os corpos de militantes da resistência democrática."
A Comissão Nacional da Verdade foi formada em 2012 pelo governo federal para apurar violações de direitos humanos, como torturas e assassinatos, cometidas no Brasil durante a ditadura militar. O órgão encerrou suas atividades em 2014. Em seu relatório final, a comissão cita a existência de 434 mortos e desaparecidos políticos no período e a perseguição a centenas de militares. Houve a identificação de mais de 300 agentes do Estado envolvidos nas violações de direitos humanos.
Bolsonaro é notório defensor do regime militar. Esta semana, chegou a afirmar que não houve ditadura no período. Na segunda-feira, o porta-voz do governo, general Otávio Rêgo Barros, anunciou que o presidente tinha ordenado ao Ministério da Defesa as "comemorações devidas" do golpe militar, ocorrido em 31 de março de 1964.
Na quinta, o presidente disse que a intenção era de "rememorar", e não comemorar o golpe. "Não foi comemorar, foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro", afirmou.
Comemorações acabam na Justiça
Hoje, a desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), derrubou, após recurso da AGU (Advocacia-Geral da União), a decisão liminar (provisória) de primeiro grau que proibia o governo federal de comemorar o golpe militar de 1964.
Ontem, a juíza Ivani Silva, da Justiça Federal de Brasília, tinha acatado pedido da Defensoria Pública da União para que o governo federal não fizesse qualquer evento em comemoração ao golpe e à implantação de uma ditadura no Brasil.
Na quarta, o Ministério da Defesa divulgou uma ordem do dia (documento para ser lido nos quartéis) na qual a derrubada do governo de João Goulart (1961-1963) não é tratada como um golpe, nem o regime subsequente como ditadura.
"O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no país. As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo", diz a ordem do dia, assinada pelo ministro Fernando Azevedo e Silva.
Para a juíza, o texto desobedece o princípio da prevalência dos direitos humanos previstos na Constituição Federal de 1988.
Já a desembargadora Maria do Carmo Cardoso não viu violação aos direitos humanos, e disse que "houve manifestações similares nas unidades militares nos anos anteriores, sem nenhum reflexo negativo na coletividade."
Ainda segundo a desembargadora, a ordem do dia do Ministério da Defesa "não traz nenhuma conotação ou ideia que reforce os temores levantados pelos agravados, de violação à memória e à verdade, ao princípio da moralidade administrativa ou de afronta ao estado democrático de direito - o qual pressupõe a pluralidade de debates e de ideais."