Guerra no Sudão faz 2 anos em cenário cada vez mais complexo
Guerra no Sudão faz 2 anos em cenário cada vez mais complexo - Briga entre generais deflagrou conflito que já matou 150 mil pessoas e deixou 64% da população dependente de assistência humanitária. Apesar das dificuldades, sociedade civil segue como fonte de resistência e apoio.O Sudão, terceiro maior país da África, vem enfrentando há dois anos uma espiral negativa desde que um conflito entre os generais das Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido escalou para uma guerra.
De acordo com as Nações Unidas, o país do nordeste africano – rico em ouro, petróleo e terras férteis – mergulhou em uma das maiores crises humanitárias e de deslocamento forçado do mundo. Da população de 51 milhões, 64% agora dependem de assistência humanitária, e cerca de 12 milhões foram deslocadas.
Mulheres e meninas sudanesas foram particularmente afetadas pela crise, pois não apenas constituem a maioria dos deslocados, mas também sofrem com agressões sexuais generalizadas e estupros coletivos.
Estimar o número de mortos é difícil devido aos combates em andamento, mas dados mais recentes de organizações humanitárias internacionais saltaram de cerca de 40 mil para 150 mil mortos.
À medida que a guerra entra em seu terceiro ano nesta terça-feira (15/04), o país corre cada vez mais o risco de ser dividido entre duas administrações rivais.
Para Hager Ali, pesquisadora do think tank alemão Instituto para Estudos Globais e Regionais (Giga), isso limitaria ainda mais a esperança de um fim à violência. "Temos que olhar para um horizonte temporal de 20 anos ou mais. O Sudão não precisa apenas de um acordo de paz, pois os cismas entre o centro do país e a periferia, etnias, religiões e tribos se aprofundaram", disse ela à DW. "Problemas com o federalismo e o sistema político também vêm se formando há décadas e continuarão a sabotar a paz, se não forem resolvidos."
Por que a guerra começou?
Em outubro de 2021, um golpe militar liderado pelo general Abdel-Fattah Burhan, das Forças Armadas Sudanesas (SAF), e apoiado por seu vice e chefe dos paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF), general Mohamed Hamdan Dagalo, depôs o governo de transição do Sudão que tinha a tarefa de implementar uma rota para a democracia.
No entanto, após Burhan não conseguir criar um governo liderado por civis em estreita cooperação com um Conselho Supremo liderado por militares e por Dagalo, ambos os generais se desentenderam sobre a integração das paramilitares RSF às SAF em meados de abril de 2023.
"A guerra começou com um grande impasse na capital do Sudão, Cartum, onde os combates se transformaram em uma guerra de trincheiras urbanas que se espalhou por todo o país", disse Ali.
No início deste ano, as SAF recapturaram Cartum e agora controlam a maior parte do norte e leste do país, além da cidade central de Wad Madani, numa região agrícola amplamente destruída.
Dagalo e sua RSF, que emergiram da notória milícia Janjaweed, firmaram-se como uma força importante na região de Darfur, no oeste do Sudão.
Ambos os lados continuam a sitiar vários campos de refugiados na capital do estado de Darfur do Norte, El-Fasher, onde a fome e os bombardeios constantes estão matando civis, de acordo com relatos angustiantes de testemunhas oculares, organizações humanitárias internacionais e da ONU.
Por que a guerra ainda não acabou?
De acordo com o Comitê Internacional de Resgate, uma ONG global que responde às piores crises humanitárias do mundo, a dinâmica do conflito no Sudão se tornou mais complexa nos últimos 24 meses.
"O conflito está atraindo mais grupos, fazendo com que um acordo de paz precise atender a interesses diversos e, portanto, seja mais difícil negociar e sustentar", disse Alexandra Janecek, porta-voz da ONG.
Além disso, apoiadores regionais e internacionais "estão injetando armas no Sudão, o que está desestabilizando o país e a região", acrescentou.
As SAF contam com o apoio político e militar do Egito e do Catar. As RSF são supostamente apoiadas por entregas de armas dos Emirados Árabes Unidos através do vizinho Chade.
Os Emirados Árabes Unidos negaram as alegações, embora evidências sobre armas produzidas pelos Emirados Árabes Unidos pareçam indicar o contrário.
Sociedade civil é tábua de salvação
Cerca de 9 milhões de sudaneses fugiram para outras regiões do país, e mais de 3,3 milhões partiram para o Egito, Líbia, Chade ou Sudão do Sul. Lá, eles enfrentam seus próprios desafios, incluindo violência, falta de ajuda humanitária, problemas de visto e insegurança.
Aqueles que permaneceram, apesar do conflito em curso, sofrem não apenas com a violência e a fome, mas também com a infraestrutura em grande parte colapsada, incluindo uma economia e um sistema de saúde em ruínas.
De acordo com o Banco Central do Sudão, a libra sudanesa despencou e fez os preços dos produtos nos mercados dispararem mais de 142% em 2024.
Enquanto isso, a sociedade civil do Sudão se tornou uma tábua de salvação para a população. Uma rede nacional das chamadas salas de emergência tem ajudado os civis com informações sobre rotas de evacuação, cuidados médicos e necessidades básicas. Esses grupos, vagamente conectados, surgiram do movimento de oposição do Sudão que desempenhou um papel fundamental na deposição do governante de longa data Omar Al-Bashir em 2019.
"Um dos pontos fortes do movimento de oposição no Sudão sempre foi sua heterogeneidade", disse Tareq Sydiq, especialista em movimentos de protesto. "O movimento era composto por partidos políticos tradicionais, sindicatos, associações profissionais e uma ampla gama de comitês clandestinos de resistência", acrescentou.
Desde o início da guerra em abril de 2023, esses grupos "reduziram o escopo de suas demandas políticas e se concentraram na guerra e na proteção das comunidades civis", ressaltou Sadiq.
Na opinião do pesquisador, esse é um "repertório clássico de resistência que visa mitigar os efeitos da guerra, mas também manter algum elemento da organização social para tempos melhores que possam vir em algum momento".
Para Michelle D'Arcy, diretora do escritório da organização humanitária Ajuda Popular Norueguesa no Sudão, os esforços da sociedade civil sudanesa continuam a servir como uma centelha de esperança.
"Existem grupos inspiradores de jovens e mulheres que realmente se mobilizaram, clamando por paz, um cessar-fogo, e pressionando para acabar com a guerra por meio de um processo político, enquanto continuam a prestar serviços vitais em suas comunidades", disse ela. "No entanto, eles também enfrentaram desafios relacionados à polarização, ao espaço cívico limitado e ao acesso a recursos."
Jancek, do Comitê Internacional de Resgate, acrescentou que programas que antes eram "uma tábua de salvação para milhões de sudaneses" estavam sendo encerrados. "Pelo menos 60% das 1.400 cozinhas comunitárias que atendiam cerca de 2 milhões de pessoas não conseguem mais funcionar", disse ela. O principal motivo para isso é a falta de financiamento.
Nas garras de uma crise humanitária
Segundo a ONU, dos 4,2 bilhões de dólares (R$ 24,6 bilhões) necessários para fornecer ajuda humanitária em 2025, apenas 6,3% foram recebidos.
A situação é ainda mais agravada pela recente decisão dos EUA de cortar os gastos com ajuda externa. Em 2024, os fundos americanos representavam quase metade de toda a assistência humanitária no Sudão.
"O Sudão continua nas garras de uma crise humanitária de proporções alarmantes", disse Edem Wosornu, do Escritório de Coordenação de Ajuda Humanitária da ONU (OCHA), ao Conselho de Segurança da ONU em janeiro – com a "crise provocada pelo homem" aparentemente longe do fim.Autor: Jennifer Holleis