'Não queremos esperar para ver': vila em Peruíbe teme ser engolida pelo mar
A faixa de areia na Vila Barra do Una, em Peruíbe, no litoral paulista, começou a diminuir desde 2022 com o avanço do mar. A situação mobiliza moradores, que constroem barreiras contra o impacto das ondas, e a prefeitura.
O que aconteceu
A prefeitura de Peruíbe iniciou uma ação emergencial com maquinário pesado para conter o avanço do mar. "Estamos atuando no sentido da contenção da ameaça mais crítica, emergencial, que é o avanço do mar sobre a Vila Barra do Una", disse Eduardo Ribas, secretário municipal de Meio Ambiente e Agricultura.
Barreiras físicas estão sendo instaladas para proteger a faixa de areia e evitar que a água alcance as moradias. As intervenções começaram há dois meses, após alerta das autoridades locais. O objetivo é evitar que a água tome a área terrestre e ameace um dos últimos redutos da comunidade caiçara da região, que abriga 47 famílias.
O governo estadual também participa. Será construída uma proteção de 200 metros de extensão ao longo da estrada de Barra do Una, para conter o avanço do mar na Reserva de Desenvolvimento Sustentável. A primeira ação será conduzida pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, por meio da SP Águas, e consiste na construção de uma barreira de enroncamento —o posicionamento de pedras de grandes dimensões, de até 3 metros de altura— para proteger os moradores e a estrada.
A Vila da Barra do Una sofre com o desaparecimento da restinga (vegetação costeira que protege a praia) e a aproximação do mar das residências. "O avanço do mar para bem próximo às residências pode, a médio e longo prazo, ameaçar a própria vila", alerta Eduardo Ribas.
Três famílias caiçaras estão na linha de frente do avanço do mar, de acordo com Vânia Maia, 37, moradora do local há 30 anos e vice-presidente da Apabauna (Associação dos Pescadores Artesanais da Barra do Una).
Até agosto de 2024, restavam apenas 100 metros [de faixa de areia] em alguns pontos, já afetados pela erosão. Em março de 2025, a maré avançou sobre a rua, destruindo o que restava da restinga e parte da via de acesso à foz, principal ponto turístico da vila. [...] Quando a maré grande invade a rua levando tudo pela frente, os moradores se reúnem em mutirão para fechar as aberturas que ela deixa na via.
Vânia Maia, da Apabauna
Se romper aquele trecho de saco de rio [área entre mar e rio] que fica atrás das casas e dá acesso a outras moradias, temos a certeza de que o estrago será bem pior, levando em consideração que o nível do mar está muito diferente de anos atrás. Não queremos esperar para ver o que vai acontecer.
Vânia Maia, da Apabauna
A vila é uma comunidade caiçara centenária e símbolo do turismo de base comunitária. "A Vila Barra do Una é uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), onde vive uma comunidade tradicional de pescadores", diz o secretário.
Localizada em uma área de preservação, atrai turistas e faz parte de uma reserva de Mata Atlântica. "É bastante frequentada por turistas e está dentro do Mosaico de Unidades de Conservação da Juréia-Itatins e da Grande Reserva da Mata Atlântica", afirma Ribas.
A esperança é que dê certo o enrocamento [espécie de barreira com grandes pedras que protege contra impactos e erosões], que deve começar a ser construído. Caso não dê certo, o plano B é realocar as famílias.
Nossos dias são constantemente muito produtivos. Quando não estamos trabalhando na pesca, estamos trabalhando com o turismo e recentemente com artesanato, outros estão constantemente trabalhando na pesca para trazer o sustento e a subsistência para suas famílias.
Vânia Maia, da Apabauna
A origem do problema
A faixa de areia e a restinga foram reduzidas após a "migração" da foz do Rio Una, do sul para o norte, em 2022. Esse processo pode ter sido causado por vários fatores, na opinião de Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.
A mudança na quantidade de água no rio que sai pela foz, também associada às mudanças climáticas, altera diretamente o padrão de sedimentação e erosão na foz. Esse fenômeno também pode ter a ver com mudanças nos processos oceanográficos, como o sentido das correntes costeiras. Isso ilustra que o que vemos hoje na Praia do Una é resultado de uma combinação entre fatores continentais e marinhos.
Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP
As mudanças climáticas intensificaram o processo de erosão costeira, na opinião do secretário municipal. "A causa está na movimentação cíclica de correntes marítimas e fluxos do estuário, acelerada pelas mudanças climáticas, marés mais agressivas e aumento da frequência de ciclones", afirma o secretário municipal de Meio Ambiente e Agricultura.
As mudanças climáticas têm relação com esse avanço do mar? É muito difícil dizer isso, mas é uma possibilidade. Uma vez que a elevação do nível do mar e o aumento da frequência e magnitude de eventos extremos são, sim, fenômenos que podem intensificar a erosão.
Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP
Ações que levem à recomposição da faixa sedimentar são vistas como estratégias mais duradouras. "Dentre as medidas de adaptação pode-se ainda considerar a realocação da infraestrutura, como estradas, e, eventualmente, de ocupações humanas para que o ambiente possa se reposicionar costa adentro. Por isso, é importante utilizar o conhecimento dos processos naturais como nosso aliado. É o jeito mais estratégico e duradouro para se ter uma solução de longo prazo, em especial numa área ambientalmente e socialmente sensível", diz o professor da USP.