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'Não queremos esperar para ver': vila em Peruíbe teme ser engolida pelo mar

Mar está avançado sobre a Vila Barra do Una desde 2022  - Leandro Bernardo/Prefeitura de Peruíbe
Mar está avançado sobre a Vila Barra do Una desde 2022 Imagem: Leandro Bernardo/Prefeitura de Peruíbe
do UOL

De Ecoa, em São Paulo

14/04/2025 05h30

A faixa de areia na Vila Barra do Una, em Peruíbe, no litoral paulista, começou a diminuir desde 2022 com o avanço do mar. A situação mobiliza moradores, que constroem barreiras contra o impacto das ondas, e a prefeitura.

O que aconteceu

A prefeitura de Peruíbe iniciou uma ação emergencial com maquinário pesado para conter o avanço do mar. "Estamos atuando no sentido da contenção da ameaça mais crítica, emergencial, que é o avanço do mar sobre a Vila Barra do Una", disse Eduardo Ribas, secretário municipal de Meio Ambiente e Agricultura.

Barreiras físicas estão sendo instaladas para proteger a faixa de areia e evitar que a água alcance as moradias. As intervenções começaram há dois meses, após alerta das autoridades locais. O objetivo é evitar que a água tome a área terrestre e ameace um dos últimos redutos da comunidade caiçara da região, que abriga 47 famílias.

Sacos de areia posicionados pelos morados para amenizar o impacto do avanço da maré (alta à esquerda/baixa à direita) - Eliane Prado/Apabauna - Eliane Prado/Apabauna
Sacos de areia posicionados pelos morados para amenizar o impacto do avanço da maré (alta à esquerda/baixa à direita)
Imagem: Eliane Prado/Apabauna

O governo estadual também participa. Será construída uma proteção de 200 metros de extensão ao longo da estrada de Barra do Una, para conter o avanço do mar na Reserva de Desenvolvimento Sustentável. A primeira ação será conduzida pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, por meio da SP Águas, e consiste na construção de uma barreira de enroncamento —o posicionamento de pedras de grandes dimensões, de até 3 metros de altura— para proteger os moradores e a estrada.

Moradores enchem sacos de areia para amenizar impacto das ondas - Eliane Prado/APABAUNA (Associação dos Pescadores Artesanais da Barra do Una) - Eliane Prado/APABAUNA (Associação dos Pescadores Artesanais da Barra do Una)
Moradores enchem sacos de areia para amenizar impacto das ondas
Imagem: Eliane Prado/APABAUNA (Associação dos Pescadores Artesanais da Barra do Una)

A Vila da Barra do Una sofre com o desaparecimento da restinga (vegetação costeira que protege a praia) e a aproximação do mar das residências. "O avanço do mar para bem próximo às residências pode, a médio e longo prazo, ameaçar a própria vila", alerta Eduardo Ribas.

Três famílias caiçaras estão na linha de frente do avanço do mar, de acordo com Vânia Maia, 37, moradora do local há 30 anos e vice-presidente da Apabauna (Associação dos Pescadores Artesanais da Barra do Una).

Até agosto de 2024, restavam apenas 100 metros [de faixa de areia] em alguns pontos, já afetados pela erosão. Em março de 2025, a maré avançou sobre a rua, destruindo o que restava da restinga e parte da via de acesso à foz, principal ponto turístico da vila. [...] Quando a maré grande invade a rua levando tudo pela frente, os moradores se reúnem em mutirão para fechar as aberturas que ela deixa na via.
Vânia Maia, da Apabauna

Área destruída pelo avanço da maré - Leandro Bernardo/Prefeitura de Peruíbe - Leandro Bernardo/Prefeitura de Peruíbe
Área destruída pelo avanço da maré
Imagem: Leandro Bernardo/Prefeitura de Peruíbe

Se romper aquele trecho de saco de rio [área entre mar e rio] que fica atrás das casas e dá acesso a outras moradias, temos a certeza de que o estrago será bem pior, levando em consideração que o nível do mar está muito diferente de anos atrás. Não queremos esperar para ver o que vai acontecer.
Vânia Maia, da Apabauna

A vila é uma comunidade caiçara centenária e símbolo do turismo de base comunitária. "A Vila Barra do Una é uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), onde vive uma comunidade tradicional de pescadores", diz o secretário.

Localizada em uma área de preservação, atrai turistas e faz parte de uma reserva de Mata Atlântica. "É bastante frequentada por turistas e está dentro do Mosaico de Unidades de Conservação da Juréia-Itatins e da Grande Reserva da Mata Atlântica", afirma Ribas.

A esperança é que dê certo o enrocamento [espécie de barreira com grandes pedras que protege contra impactos e erosões], que deve começar a ser construído. Caso não dê certo, o plano B é realocar as famílias.

Nossos dias são constantemente muito produtivos. Quando não estamos trabalhando na pesca, estamos trabalhando com o turismo e recentemente com artesanato, outros estão constantemente trabalhando na pesca para trazer o sustento e a subsistência para suas famílias.
Vânia Maia, da Apabauna

A origem do problema

A faixa de areia e a restinga foram reduzidas após a "migração" da foz do Rio Una, do sul para o norte, em 2022. Esse processo pode ter sido causado por vários fatores, na opinião de Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.

A mudança na quantidade de água no rio que sai pela foz, também associada às mudanças climáticas, altera diretamente o padrão de sedimentação e erosão na foz. Esse fenômeno também pode ter a ver com mudanças nos processos oceanográficos, como o sentido das correntes costeiras. Isso ilustra que o que vemos hoje na Praia do Una é resultado de uma combinação entre fatores continentais e marinhos.
Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP

As mudanças climáticas intensificaram o processo de erosão costeira, na opinião do secretário municipal. "A causa está na movimentação cíclica de correntes marítimas e fluxos do estuário, acelerada pelas mudanças climáticas, marés mais agressivas e aumento da frequência de ciclones", afirma o secretário municipal de Meio Ambiente e Agricultura.

As mudanças climáticas têm relação com esse avanço do mar? É muito difícil dizer isso, mas é uma possibilidade. Uma vez que a elevação do nível do mar e o aumento da frequência e magnitude de eventos extremos são, sim, fenômenos que podem intensificar a erosão.
Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP

Ações que levem à recomposição da faixa sedimentar são vistas como estratégias mais duradouras. "Dentre as medidas de adaptação pode-se ainda considerar a realocação da infraestrutura, como estradas, e, eventualmente, de ocupações humanas para que o ambiente possa se reposicionar costa adentro. Por isso, é importante utilizar o conhecimento dos processos naturais como nosso aliado. É o jeito mais estratégico e duradouro para se ter uma solução de longo prazo, em especial numa área ambientalmente e socialmente sensível", diz o professor da USP.

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