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A meta fiscal de 2026 nascerá morta

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do UOL

Colunista do UOL

14/04/2025 11h07

O processo orçamentário baseia-se em uma liturgia própria. Há três peças legais centrais: o PPA (Plano Plurianual), a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária Anual). O PPA é um instrumento importante para o planejamento de médio prazo, mas nunca usado a contento, como já discutimos por aqui. A LOA é o Orçamento propriamente dito.

A LDO, por sua vez, serve para apresentar os parâmetros econômicos, metas fiscais e regras para a elaboração do Orçamento (LOA). Até amanhã, 15 de abril, a Constituição determina que o projeto de diretrizes orçamentárias (PLDO) de 2026 seja enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional. O ideal é que o Congresso aprecie o PLDO e o aprove antes do meio do ano, restando, assim, tempo suficiente para discutir a elaboração do Orçamento em bases civilizadas.

O ministro Fernando Haddad já indicou que a meta fiscal será mantida. Mas, mantida em relação a quê? A saber, a meta para a diferença entre as receitas e as despesas públicas federais primárias (sem incluir os juros da dívida) foi estipulada em 0,25% do PIB para o ano que vem. O número consta da LDO de 2025.

O Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023) determina que as metas fiscais sejam fixadas para quatro anos. Antes, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF - Lei Complementar nº 101/2000) determinava que fossem indicados, apenas (e não fixados), esses compromissos plurianuais. Uma boa mudança, desde que se passe a levar a sério a trajetória de resultado primário, com vistas a uma dinâmica sustentável para o endividamento público. Ainda estamos longe disso.

A mudança é importante, vale dizer, porque, na prática, o governo já se compromete com uma meta de resultado primário para um período mais longo, o que ajuda a guiar as expectativas sobre as projeções da dívida pública. A meta de 2026 está fixada na LDO de 2025 e equivale a um superávit de 0,25% do PIB, como já dito. A questão é: o governo será capaz de entregar um superávit no próximo ano?
A responsabilidade fiscal do atual governo baseia-se numa espécie de política do arroz com feijão, como Josué Pellegrini e eu temos afirmado em nossas avaliações aos clientes da corretora Warren Investimentos e em artigos e entrevistas. Não se trata de uma política fiscal a levar o país à bancarrota, mas ao mesmo tempo não vemos espaço e convicção suficientes para conduzir as contas públicas a uma melhora estrutural.

Em bom português, é a lógica de empurrar com a barriga, comprometendo-se com metas mínimas, suficientes para não abalar os mercados e evitando-se as bombas fiscais armadas no Congresso e, por vezes, no seio do próprio governo.

Em 2023, o governo entregou um déficit primário de 2,4% do PIB, conforme dados do Banco Central, usados, a saber, para verificar os compromissos legais. Em 2024, uma melhora substancial, passando a 0,4% do PIB. Para 2025, projetamos, na Warren, déficit primário de R$ 75,1 bilhões ou 0,6% do PIB. Para 2026, estimamos um saldo negativo de 0,8% do PIB ou R$ 108,5 bilhões.

Em que pese a legislação em vigor permitir ao governo o uso da chamada banda inferior da meta fiscal como subterfúgio, além de retirar da checagem da meta boa parte dos precatórios (despesas judiciais), essas duas ferramentas não serão suficientes, em 2026, para dar conta do recado.

Para ter claro: a meta de 2026 é de 0,25% do PIB, com banda inferior igual a zero. Se partirmos da nossa projeção de déficit primário de 0,8% do PIB e tomarmos como referência o piso (zero), faltariam, ainda, R$ 108,5 bilhões. Haverá R$ 55,7 bilhões em precatórios passíveis de serem retirados da checagem da meta, de acordo com nossas projeções. Logo, faltariam R$ 52,8 bilhões para atingir o zero (108,5 menos 55,7).

Dito de outra forma, o governo teria de contingenciar, no próximo ano, R$ 52,8 bilhões para entregar a meta fiscal, já lançando mão dos dois mecanismos legais em vigor (banda inferior da meta e precatórios por fora). Esse volume expressivo de cortes em despesas não obrigatórias poderia colocar em risco o funcionamento da máquina pública. Mesmo que não colocasse, vale dizer, não custa lembrar que já se farão presentes as pressões próprias de um ano eleitoral, em que as liberações de gastos e emendas parlamentares tendem a ser volumosas.

Esse prognóstico apenas confirma a tese de que não há solução para a questão fiscal sem uma revisão importante dos gastos obrigatórios. Será preciso rediscutir as indexações e vinculações do gasto público, aplicar — para valer — um programa de revisão de gastos públicos com base em avaliações criteriosas, e retomar um padrão responsável nas emendas parlamentares.

É assim que, amanhã, quando o PLDO for apresentado, ele já nascerá morto.

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