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Reconhecimento facial de SP confunde idoso com estuprador foragido

Câmeras do Smart Sampa confundiram idoso com estuprador em SP - Cesar Candido/UOL
Câmeras do Smart Sampa confundiram idoso com estuprador em SP Imagem: Cesar Candido/UOL
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Do UOL, em São Paulo

13/04/2025 05h30

O sistema de reconhecimento facial da Prefeitura de São Paulo, o Smart Sampa, confundiu um aposentado de 80 anos com um estuprador foragido.

Francisco Ferreira da Silva cuidava do jardim de uma UBS, onde é voluntário, quando foi abordado por guardas civis e levado à delegacia, onde permaneceu cerca de 10 horas até ser liberado. A família planeja acionar a Justiça.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), da Prefeitura de São Paulo, diz que o sistema é eficiente e que "ninguém foi preso por equívoco após reconhecimento facial". A nota enviada ao UOL afirma, ainda, que Francisco foi conduzido à delegacia porque, durante a abordagem, "não foi possível confirmar sua identidade".

O que aconteceu

O episódio aconteceu em 20 de dezembro de 2024, em Cidade Tiradentes, na zona leste da capital. Francisco trabalha diariamente como jardineiro na unidade básica de saúde Jardim Dom Angélico, no bairro onde mora.

Agentes da GCM cercaram o aposentado e o levaram para a delegacia. Uma das netas dele, que passava por uma consulta na UBS, presenciou a abordagem e tentou intervir, sem sucesso.

O homem procurado pela Justiça tem semelhanças físicas com Francisco, mas nem o nome nem os dados pessoais coincidem. "Eles se parecem, mas o homem é branco, e meu pai é pardo", afirma a professora Adriana Ferreira, 36, filha do aposentado. "Disseram que precisavam checar as digitais."

Francisco passou cerca de 10 horas sob custódia da polícia. Ele foi levado para duas delegacias: primeiro em Itaquera e, em seguida, em São Mateus. "Fiquei muito preocupada. Ele tem diabetes e nem tinha tomado café da manhã", diz Adriana.

Não o trataram mal, mas ficaram com brincadeira, dizendo que ele ia dormir lá. E todo esse processo demorou. Deveria ser mais rápido, principalmente pela idade que ele tem.
Adriana Ferreira, filha de Francisco

A família afirma que Francisco passou a sair de casa 'camuflado' depois do erro. "Ele agora só sai de óculos escuros e moletom", conta Adriana.

Francisco foi liberado, mas a polícia disse que o erro pode voltar a ocorrer. "A polícia nem pediu desculpa. Disse que não tem muito o que fazer e que ele pode ser abordado de novo, porque a imagem não apaga", explica a filha. "Não me entregaram nenhum papel de boletim, relatório do ocorrido."

Família de Francisco diz que ouviu de agentes que foragido tem 40 anos; prefeitura nega. Familiares do aposentado afirmam que, na delegacia, os policiais mostraram a eles a foto do homem foragido e informaram que ele tinha 40 anos. A prefeitura nega a informação da idade. Diz que o homem nasceu em 1940, portanto tem 85 anos.

Secretaria de Segurança Pública diz que não há registro da ocorrência. Procurada pela reportagem, a SSP afirma não ter localizado qualquer registro relacionado a Francisco nas duas delegacias para as quais ele foi levado. A Prefeitura, entretanto, forneceu à reportagem esclarecimentos sobre o ocorrido. A família de Francisco, entretanto, registrou um boletim de ocorrência relatando o caso.

Advogado da família defende que a Prefeitura de São Paulo e o consórcio responsável pelo Smart Sampa sejam responsabilizados. Alexandre Pacheco Martins afirma que ainda é cedo para detalhar as medidas judiciais, mas diz que as autoridades devem responder por seus atos e adotar melhores práticas para evitar novos casos, "sob pena de serem pessoalmente responsabilizados por omissão".

Confusão evidencia falhas no sistema de reconhecimento facial, diz Martins. "Talvez ele não seja tão 'smart' assim", afirma, em referência ao termo em inglês que significa "inteligente". "É crime privar alguém da liberdade fora das hipóteses legais."

O UOL optou por não divulgar as imagens do criminoso foragido e nem de Francisco, uma vez que o aposentado está "traumatizado" com o ocorrido.

Erros de ferramenta

Smart Sampa é tido pela gestão Ricardo Nunes (MDB) como uma das principais ações de governo. Em fevereiro, a prefeitura inaugurou no centro da cidade um painel, chamado de "prisômetro", para mostrar o número de prisões feitas pelo programa de monitoramento.

A ferramenta, no entanto, é alvo de críticas. Professor de direito da USP e do Mackenzie, especialista em inteligência artificial, Guilherme Madeira Dezem afirma que enquanto se divulga um placar de pessoas presas, escondem-se os erros do sistema —e, principalmente, quem são os alvos desses erros. "Em geral, são pessoas negras e periféricas", pondera.

Professor chama atenção para a necessidade de discutir os limites da privacidade com a ferramenta. Segundo ele, há perda de liberdade no espaço público. "Quando se instala uma câmera, é preciso discutir qual será o uso dessa imagem. Existe, sim, uma perda da naturalidade das pessoas nesses ambientes."

As pessoas não são contra a prisão; as pessoas são contra prisões erradas. E precisamos discutir a sério o que será feito com essas imagens, o fundamento legal de tudo isso e se estamos dispostos. Nós precisamos de um debate claro na sociedade civil.
Guilherme Madeira Dezem, professor de direito

Outro lado

A Prefeitura de São Paulo não respondeu aos questionamentos do UOL sobre o caso de Francisco. Em nota, disse apenas que o Smart Sampa segue protocolos rígidos que garantem sua eficácia. Veja a nota na íntegra:

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) informa que nenhum indivíduo foi preso através do reconhecimento facial do Smart Sampa de forma equivocada. O programa segue protocolos rígidos para garantir essa eficácia.

Quando o sistema sinaliza possibilidade de reconhecimento de foragidos, uma equipe da GCM (Guarda Civil Metropolitana) vai até o local e, ao realizar a abordagem, verifica a documentação da pessoa. Caso não seja possível confirmar a identidade por documentos no local, ela é conduzida a uma delegacia. Se a identificação for positiva, o foragido fica à disposição da Justiça. Se for negativa, a pessoa é liberada imediatamente.

No caso citado, não foi possível confirmar a identidade no momento da entrevista de abordagem, razão pela qual o homem foi conduzido para Distrito Policial para essa confirmação. Após exame de papiloscopia (impressão digital), ficou esclarecido que não se tratava de pessoa foragida -e ele foi liberado imediatamente.

O Smart Sampa já foi responsável pela captura de 990 foragidos nas ruas de São Paulo desde sua implantação e realizou mais de 2.200 prisões em flagrante. O sistema tem ampla aprovação popular por aumentar a segurança na cidade.

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