Dólar alto e tarifaço dos EUA chegam à 25 de Março: 'Todo dia sobe o preço'
A alta do dólar e o cabo de guerra entre Estados Unidos e China em meio ao tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump já estão afetando empresários, lojistas e consumidores da 25 de Março, rua famosa pelo comércio popular no centro de São Paulo.
De brinquedos a tecidos, passando por eletroeletrônicos, bijuterias e utilidades para a casa, são principalmente os produtos importados de países asiáticos que abastecem as milhares de lojas da região — as quais também funcionam como pequenas distribuidoras para sacoleiros e comerciantes de todo o Brasil. Enquanto os especialistas tentam entender os efeitos, para a economia mundial, da decisão de Trump de aumentar os impostos de importação sobre mercadorias de todos os seus parceiros comerciais, a movimentação na 25 de Março dá algumas pistas das consequências para o país, ao menos no curto prazo.
O que está acontecendo
Comerciante que revende produtos chineses na 25 de Março reclama de um aumento "inédito" de preços na região recentemente. Proprietária de uma pequena loja de utensílios e artigos eletrônicos em uma galeria da rua, Cristiane Aparecida dos Santos afirma que, há cerca de uma semana, tem notado diariamente o encarecimento das mercadorias que compra de seus fornecedores — todos chineses — para revender.
Um kit grande de canetinhas chinesas que, em março, custava cerca de R$ 50 reais entre seus fornecedores, aumentou para mais de R$ 70 na segunda semana de abril. Os aumentos estão sendo repassados ao consumidor, diz a comerciante.
Os fornecedores dizem que é por causa do dólar alto. Eu não sei se tem a ver com essas brigas de governo para taxar as mercadorias, só sei que desde o começo de abril os preços estão absurdos, e somos nós, os pequenos, os mais prejudicados.
Cristiane Aparecida dos Santos, comerciante da 25 de Março
Uma funcionária de Santos conta que, até o mês passado, recebia de 10 a 15 clientes por dia. Já na última semana, a média de consumidores diários caiu para cinco. "O povo não quer mais comprar aqui. Falam que vão comprar pela internet que sai mais barato", diz Stefany Kaire, vendedora da loja.
Frequentadores da 25 de Março concordam que os preços na região aumentaram do início do ano para cá. "Sempre comprei bastante aqui e vejo que os preços têm aumentado. Em janeiro, comprei uma camisa de futebol por uns R$ 35, e hoje já vi aqui por R$ 60, R$ 70. Os tênis e perfumes também estão mais caros", afirmou ao UOL o segurança Cícero José.
Importações pagas em dólar
Os importadores de produtos na região da 25 de Março confirmam que o principal impacto sentido com o tarifaço dos EUA até o momento é pela alta do dólar. Jin Li, dono da PLB, que é uma das maiores importadoras brasileiras de acessórios e artigos religiosos da China e tem escritório na 25 de Março, explica que o pagamento às empresas que importam mercadorias chinesas é feito em dólar. Com isso, quando a moeda norte-americana sobe e se mantém alta por muito tempo em relação ao real, as importações encarecem e, consequentemente, o preço dos produtos repassado ao consumidor também.
Os clientes, na maioria das vezes, não entendem muito isso. Eles reclamam e, às vezes, deixam de comprar. Mas quem compra no atacado e já entende esses aumentos às vezes espera o dólar abaixar.
Jin Li, distribuidor de produtos chineses no Brasil
Depois de cair 7,7% nos três primeiros meses do ano, em abril o dólar comercial acumula valorização de 2,9% ante o real, tendo encerrado a sexta-feira (11) vendido a R$ 5,871. As cotações têm oscilado bastante desde que Trump anunciou o tarifaço, no último dia 2, porque ainda existe muita incerteza sobre o desfecho da briga que o presidente americano arrumou com o restante do mundo. No mercado de câmbio, além da compra e venda de moeda propriamente dita, os preços são bastante influenciados pelas apostas dos participantes (bancos, investidores e empresas) no que vai acontecer, e as probabilidades vêm mudando diariamente de acordo com as reações dos países, do setor financeiro e dos empreendedores ao tarifaço.
Em momentos de crise e instabilidade, os investidores abandonam ativos e mercados considerados de maior risco, como o Brasil, para colocar seu dinheiro em aplicações mais seguras. O ouro, que é tido como um porto seguro financeiro há milênios, estendeu a alta que vem apresentando desde o início do ano e atingiu na sexta (11) o maior valor da história, de US$ 3.254,90 (R$ 19.109,52 pela cotação atual) a onça troy.
Alguns analistas do setor financeiro dizem que, nesse cenário, o real pode sofrer mais do que as moedas de outras nações porque o crescimento das despesas públicas deixa o país ainda menos atraente. O desequilíbrio orçamentário alimenta temores de que o governo federal vai aumentar o seu endividamento a fim de fazer frente aos gastos.
Por causa da volatilidade do dólar e das incertezas à frente, Jin Li ainda está segurando o aumento de preços de seus produtos. "O quanto isso tudo vai nos impactar daqui para a frente depende muito de quanto tempo essa alta do dólar vai durar e se vai diminuir o poder de compra dos brasileiros", afirma.
Mais "carinho" dos chineses
O tarifaço de Trump pode ter também um efeito positivo para os preços no Brasil. Como as taxas de importação para os produtos chineses chegou a 145% nos EUA, os chineses devem aumentar o envio de mercadorias para outros países. O crescimento da oferta pode contribuir para reduzir os valores dos bens vendidos no mercado local.
A rua 25 de Março funciona como um "hub" (centro) de distribuição informal de produtos chineses. Esse papel, apoiado em uma rede logística eficiente, tende a se intensificar com a maior oferta de itens trazidos da Ásia.
O ecossistema de lojistas com alta rotatividade de estoque faz da região uma porta de entrada eficiente para esses produtos.
Felipe Uchida, sócio da Equus Capital
Já há quem note sinais de aproximação dos chineses aos seus revendedores brasileiros. O empresário Rubens Nunes de Barros, proprietário de uma loja de eletrônicos que vende por atacado na 25 de Março, afirma que, de um mês para cá, tem recebido "mais atenção" e melhores condições de pagamento por parte de seus fornecedores chineses no Brasil.
Sinto que estão dando uma condição melhor desde março, quando começou essa movimentação dos EUA. De um mês para cá, os chineses estão me dando mais atenção, tratando a gente com mais carinho, dando mais crédito, mais condições, e até descontos nas compras. A relação com eles também tem melhorado. Acho que a tendência, a partir de agora, é melhorar ainda mais.
Rubens Nunes de Barros, dono do Atacado 25
O empresário afirma que passou a comprar mais produtos e a repassar os descontos que recebe aos seus clientes. A redução de preços aplicada pelos seus fornecedores foi de cerca de 10% em um mês, segundo Barros.
Variedade de repercussões
A associação local de lojistas diz que o impacto da guerra comercial iniciada pelos EUA pode ser sentido de diferentes formas na famosa zona comercial paulistana. Na avaliação de Victor Zhu Shiqi, diretor da Univinco (União de Lojistas da 25 de Março), que também é advogado e contador de famílias e comerciantes chineses da região, os importadores de produtos da China "dependem do dólar do momento" e os aumentos de preços locais têm relação com a valorização da moeda norte-americana. Mas uma "reação em cadeia" poderá resultar em uma maior oferta de produtos chineses ao Brasil.
Se sobrarem produtos nos estoques dos fornecedores lá e aqui, a tendência é abaixarem os preços para não encalharem com as mercadorias.
Victor Zhu Shiqi, diretor da Univinco
O consenso entre os comerciantes da 25 de Março ouvidos pelo UOL é de que o impacto da guerra comercial sobre o futuro de seus negócios ainda é incerto. A única certeza, por ora, é de que "o Brasil é e continuará sendo um grande mercado para os chineses", diz Zhu Shiqi.