Tarifaço: tênis, fabricados no Vietnã, poderão custar até 20% mais nos EUA
O que tem a ver o Vietnã com os preços dos tênis usados por boa parte da população dos Estados Unidos? Tudo.
Com o 'tarifaço' anunciado pelo presidente norte-americano Donald Trump os países do Sudoeste Asiático são os mais taxados. Os produtos vietnamitas terão uma taxa de 46% e mesmo com o governo do Vietnã disposto a negociar e eliminar todas as taxas sobre as importações dos Estados Unidos, Trump disse pelas redes sociais que "espera uma reunião em um futuro próximo".
O que aconteceu
Países da Ásia dominam exportações de têxteis. A China foi o maior exportador em 2024, com uma participação no comércio global de aproximadamente 34%. O Vietnã emergiu como o 2º maior exportador, seguido por Bangladesh e Índia. Em 2022, o Vietnã exportou US$ 45,4 bilhões em produtos do setor têxtil e de confecção. Os Estados Unidos foram o maior destino de exportação, representando 40,6% dessa fatia. Em 2024, os EUA importaram US$ 113,7 bilhões em produtos do segmento. O Vietnã foi a segunda maior origem, com 14,3% de toda essa importação.
Mercado têxtil foi estimado em US$ 1,8 trilhão em 2024. Os dados são da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), que indica que o montante que pode chegar a US$ 2,3 trilhões até 2030. O vestuário mostrou-se a maior categoria comercializada, com uma participação de aproximadamente 60% em 2024.
Vietnã é um polo de produção de grandes marcas norte-americanas. Nike, American Eagle e GAP escolheram o país asiático em razão dos custos menores em relação à China. Isso porque não registram algumas barreiras impostas para os chineses.
A indústria no Vietnã é basicamente composta de empresas multinacionais, que fabricam, no todo ou em parte, os produtos para exportação. No entanto, em razão dos baixos custos de produção, e aumento de trabalhadores bem qualificados, algumas indústrias locais estão se destacando, como a VinFast automóveis e a Hoa Phat aço e alumínio.
Douglas de Castro, professor de Direito Internacional da Universidade de Lanzhou, na China
Produção barata, mas margem alta. Segundo ele, estima-se que o custo de produtos vendidos (COGs) de produção da Nike, no Vietnã, varia entre US$ 17 e US$ 35 (dependendo do tipo de tênis). Os produtos são vendidos no varejo, nos Estados Unidos, entre US$ 120 e US$ 135, ou seja, uma margem entre 75% e 80%.
A nova taxa imposta para o Vietnã é de 46%, o que alguns analistas apontam que representará um aumento de 20%, em média, para os tênis da Nike. Detalhe: mais de a metade da produção de tênis é feita no Vietnã e na China.
Douglas de Castro, professor de Direito Internacional da Universidade de Lanzhou, na China
Além dos preços mais altos, ações caem na Bolsa. Movimento impacta duplamente os norte-americanos: aumento no preço do produto e perdas nos investimentos e fundos de pensão.
Estados Unidos foram incentivadores da globalização e hoje defendem protecionismo. Como explica o professor da Universidade de Lanzhou, "ao aplicar as novas taxas de importação, Trump pensa resolver problemas complexos com soluções simples. Os Estados Unidos, desde a queda do muro de Berlim, foram os precursores da globalização, que agora eles estão combatendo com este nível de protecionismo."
É interessante notar que os Estados Unidos sempre criticaram a China em razão do protecionismo. E, agora, estão aplicando a mesma tática. O problema é que não vai funcionar, em razão da diferença da estrutura política entre os dois países.
Douglas de Castro, professor de Direito Internacional da Universidade de Lanzhou, na China
Tiro no pé
Globalização reduziu o custo de produção. O processo de globalização permitiu que, nos últimos dez anos, as empresas começassem a buscar mão de obra mais barata, condições melhores de produção a custo mais baixo e, essas tarifas impactam não somente os países de origem das importações americanas, mas as próprias empresas americanas, que diversificaram seus pontos de produção.
É interessante perceber que exportações têm origem nos países asiáticos. Mas as empresas que se beneficiam, nesses casos, são norte-americanas dos setores têxteis e de calçados. Um exemplo é a Nike, que importa itens dessa região.
Alexandre Uehara, coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM
Para Uehara haverá um impacto negativo na economia americana. De um lado, pode reduzir as importações, a partir de uma elevação de custo do produto que for importado. Para os americanos haverá elevação da inflação, porque esse custo vai ser maior e diminuição da capacidade de compra dos consumidores americanos.
Em um nível macro, é ruim para todas as economias. "A iniciativa do presidente Trump está desorganizando as relações econômicas e comerciais no mundo e isso vai ter impacto não só na desaceleração da economia americana, mas na economia mundial", explica o professor.
Trazer a produção da Ásia para os EUA não acontece de um dia para o outro. Demora para fazer a alocação dos investimentos e a abertura de uma nova empresa. "E, num cenário de incerteza, como temos agora, os empresários devem também aguardar uma estabilização para fazer novos investimentos. Não será nos próximos quatro anos que as empresas iniciarão uma nova produção nos Estados Unidos".
Um dos órgãos mais sensíveis do ser humano é o bolso. A partir do momento em que a população começar a sentir que os empregos não estão retornando, como o presidente Trump mencionou, e que, no curto prazo, haverá uma perda do poder de compra pela elevação da inflação, isso poderá impactar negativamente a popularidade do presidente.
Alexandre Uehara, coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM.
Estados Unidos se isola. Uehara diz que dentro da política do America First que Estados Unidos têm feito no governo Trump, a política das tarifas parece indicar que está se caminhando para uma 'America Alone'.
Cenário político favorável a Trump
Congresso republicano. Já Denilde Holzhacker, também professora do curso de Relações Internacionais da ESPM, Trump está se aproveitando de um cenário em que tem maioria no Congresso e está no início de governo para conseguir implementar essas medidas, mesmo que elas sejam de alto custo em termos de popularidade.
Há grandes dúvidas se a taxação será, de fato, suficiente para levar ao crescimento econômico dos EUA e reverter o quadro de declínio. O contrário, a visão é que essa é uma medida de bastante risco, que pode ter efeitos já imediatos de aumento da inflação e da estagnação econômica no país. E isso vai refletir na posição da popularidade de Trump, que já vem sendo uma popularidade para início de governo bastante questionável.
Denilde Holzhacker, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM
Como informação vai chegar à população pode impactar na popularidade. Cristina Helena Pinto de Mello, economista e professora da PUC-SP, ressalta que é preciso acompanhar a forma com a qual Trump apresenta essa informação sobre taxação para os americanos, e como vai ser formada a opinião, se os americanos vão sentir que estão pagando caro por culpa do presidente, ou se eles vão atribuir os custos mais elevados à desonestidade de outros países.
Eu não acredito numa reordenação produtiva para dentro dos Estados Unidos. O custo de mão de obra é caro, os americanos não querem trabalhar nesses empregos de menor qualificação. Trump também coloca restrições à entrada de imigrantes. A popularidade do presidente corre risco. Mas vejo também que ele tem grande habilidade na forma de se comunicar, de criar inimigos vazios. E as pessoas têm fraco letramento mediático, não é só aqui no Brasil. Trata-se de um fenômeno mundial - não conseguem discriminar informações verdadeiras das falsas. Ele manipula muito bem as redes sociais, as informações como elas são transferidas.
Cristina Helena Pinto de Mello, economista e professora da PUC-SP