Como tarifaço de Trump afeta montadoras e o que pode acontecer com o Brasil
Uma semana após o chamado "Dia da Libertação" de Donald Trump, o mundo ainda tenta se adaptar à nova fase do comércio internacional, marcada por tarifas significativamente maiores e menos globalização.
Um dos setores mais afetados certamente será o automotivo, com impactos que devem ser sentidos em cadeia. Como os países da América do Norte atendem prioritariamente ao mercado automotivo dos EUA, reflexos são esperados inclusive nos carros que o Brasil importa do México.
Esse receio existe porque, há décadas, até mesmo montadoras americanas preferem produzir no país vizinho, aproveitando o custo mais baixo da mão de obra. A partir de agora, porém, a situação pode mudar radicalmente devido às novas tarifas de 25% que serão cobradas sobre todos os carros provenientes de fábricas no Canadá e no México.
Atualmente, um terço de todas as exportações mexicanas corresponde ao setor automotivo. Esse segmento emprega cerca de dois milhões de pessoas e gera US$ 200 bilhões por ano. Apenas em 2024, os EUA importaram três milhões de veículos mexicanos, o que equivale a 76% de toda a produção automotiva do país latino-americano.
Essa capacidade permitiu ao México tornar-se o quinto maior fabricante de veículos do mundo. Linhas de montagem de Stellantis, Ford, Nissan e Volkswagen que atendem ao mercado norte-americano exportam parte dos 24% de estoque restantes para o mercado brasileiro.
Segundo dados da Receita Federal, em 2024, cerca de 35 mil veículos mexicanos foram trazidos ao mercado brasileiro, com destaque para os Nissan Versa e Sentra, Ford Maverick e Bronco, Ram 3500 e Volkswagen Jetta, entre outros. Um acordo bilateral firmado em 2002 e atualizado em 2019 permite que esses automóveis entrem no Brasil sem imposto de importação.
Por reciprocidade, carros brasileiros também chegam ao México isentos desse tributo. Contudo, a ruptura nas cadeias de suprimento pode ser significativa até mesmo para acordos comerciais considerados sólidos como esse.
Reorganização das montadoras
O então presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, afirmou recentemente que, devido às novas tarifas impostas por Trump, muitas fabricantes podem levar parte da produção do México de volta aos Estados Unidos para evitar o acréscimo de 25% sobre os veículos.
Leite destacou que isso pode deixar o parque industrial mexicano com capacidade ociosa. Neste cenário, faria mais sentido, em médio e longo prazo, aproveitar essas instalações para produzir carros destinados ao Brasil, em vez de concretizar os quase R$ 190 bilhões em investimentos previstos até o fim da década em nosso país.
"Com a queda das exportações para os EUA, o México deverá direcionar veículos para países com acordos comerciais favoráveis, como o Brasil", afirmou na última coletiva de imprensa do seu mandato, realizada na semana passada.
"Por que investir no Brasil se tenho capacidade ociosa no México ou na Coreia do Sul?", exemplificou, explicando a lógica das matrizes globais, que podem priorizar outras regiões em detrimento da América do Sul.
Tudo isso, no entanto, depende da continuidade das tarifas nos próximos anos. Caso contrário, marcas como a Ford poderão absorver parte do prejuízo ao invés de assumirem gastos bilionários para renacionalizar suas cadeias de suprimentos, explicou o CEO Jim Farley em coletiva na semana passada.
Impactos no mercado brasileiro
O consultor e especialista da indústria automotiva, Milad Kalume Neto, não vê grandes consequências na relação entre Brasil e México. "Receberemos alguns modelos que já tiveram facelift no México, mas ainda não aqui, bem como veículos inéditos lançados primeiro lá", afirmou ao UOL Carros.
Segundo Kalume, haverá algumas mudanças pontuais na comercialização, mas "nada que traga qualquer impacto substancial ao mercado brasileiro". "Não há motivos para preocupação", completou.
Em meio às incertezas, a única certeza nas fábricas mexicanas é a cautela: a Stellantis já anunciou interrupções temporárias em duas plantas no país. A BMW afirmou que manterá os preços dos veículos mexicanos para os norte-americanos até 1º de maio, absorvendo o custo adicional.
Já a Nissan, produtora dos modelos Sentra e Versa exportados para Brasil e EUA, prepara descontos para consumidores americanos, mas até agora não divulgou planos de redução de produção. O mesmo vale para Ford e General Motors — esta última, segundo o site Automotive News, busca ampliar a capacidade de sua fábrica no estado de Indiana.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, minimizou os riscos de recessão na indústria automotiva local. "As marcas não estão pensando em reduzir empregos", afirmou em coletiva na capital do país no início da semana. "É uma pausa temporária para que as condições atuais sejam melhor avaliadas".
A líder do Executivo foi além, ressaltando que o país já estuda medidas para superar eventuais dificuldades. Segundo ela, tarifas ainda mais altas aplicadas a outras nações podem representar uma oportunidade competitiva. A presidente também citou que fabricantes como a Volvo já planejam, inclusive, aumentar a produção no país.
UOL Carros recomenda
Navio gigante da BYD cheio de carros evita alta de imposto e irrita Anfavea - Leia mais
Por que carro de luxo com perda total virou lugar-comum entre seguradoras - Leia mais
Bombou nas redes
Como carro enterrado há 12 anos sumiu de fábrica de montadora na Bahia - Leia mais
Influenciador que teve pés amputados ao capotar BMW volta a dirigir - Leia mais