'Sopa de coisas ruins': Tietê fica verde, e mancha ameaça pesca na Quaresma
O rio Tietê ficou com tom esverdeado entre Araçatuba e São José do Rio Preto. A mudança foi causada pela presença de algas e macrófitas e impede a criação e pesca de peixes na região.
Imagens de satélite cedidas com exclusividade a Ecoa impressionam. Elas mostram a diferença no trecho do rio em um intervalo de menos de dois meses.
O que aconteceu
Nas semanas que antecedem a Sexta-Feira da Paixão, época de consumo elevado de peixes, pescadores e piscicultores de tilápia reclamam das dificuldades da pesca e criação da espécie no Tietê. Trabalhadores têm sentido o impacto da alta mortalidade de peixes e do crescimento anormal de algas e macrófitas, que deixaram o rio completamente verde.
Embarcações que passam pelo rio também estão sendo afetadas, segundo moradores da região. Algas entopem motores e popas dos barcos, causando prejuízo financeiro e até a desistência dos profissionais de continuarem na região, afirma Emerson Esteves, aquicultor, piscicultor e diretor da PeixeSP (Associação de Piscicultores em Águas Paulistas e da União).
"Eles vão parar de produzir lá", diz Esteves, sobre os profissionais da pesca e criação de peixes do Tietê. E completa: "[Os pescadores] estão migrando para outra região. Estão em busca diária para encontrarem outro reservatório com melhor qualidade de água."
Perda econômica já é real, alerta o aquicultor. Segundo Esteves, os piscicultores já estão antecipando as vendas para tirarem peixes cada vez menores —e mais baratos—, evitando, assim, a mortalidade. Ou seja, os maiores, de mais de 600 gramas, poderão ser cada vez mais raros.
Afinal, o que há com o Tietê?
O rio sem oxigênio leva à falta de peixes. Segundo Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, a dificuldade da criação de peixes e a alta mortalidade no rio estão ligadas à baixa oxigenação da água do Tietê.
Algas colaboram para a péssima condição da água. Ribeiro explica que, além da poluição, as algas e macrófitas, que estão se reproduzindo em excesso, também colaboram para a diminuição do oxigênio da água do rio, pois elas também o consomem.
Mudanças no curso do rio propiciam a proliferação das algas. De acordo com Ribeiro, depois da cidade de Barra Bonita, o curso do rio foi alterado para a construção de hidrelétricas, reservatórios e hidrovias. Com isso, o Tietê, que era um rio de águas corredeiras, tem sua água cada vez mais parada, concentrando os resíduos de esgoto —seja ele tratado ou não— e outras sujidades. "Esse conjunto é chamado de poluição difusa", diz.
Poluição difusa —aquela que vem de várias fontes— é a maior causa dos problemas no Tietê. "Essa poluição vem desde a fuligem de caminhões, ônibus e carros, mas principalmente de agrotóxicos e fertilizantes agrícolas, e do esgoto depositado pelas cidades de seu entorno", diz Ribeiro.
Esses reservatórios do interior do estado estão servindo como uma verdadeira panela de sopa de coisas ruins que o rio não está dando conta de depurar.
Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, a Ecoa
Crise climática é determinante para o agravamento da situação. "Tem chovido menos do que o necessário e, quando chove, é um temporal rápido que não permite que a água se infiltre no solo. E a poluição difusa presente no solo acaba sendo carregada para o rio. Nisso, vem uma bomba de fertilizantes e tudo o que é usado na agricultura, que é carregado pela água da chuva e alimenta essas algas", diz a especialista.
Antes e depois do Tietê
Em janeiro de 2025, já havia algas nas margens do rio, mas a situação piorou. Ao final de fevereiro, elas tomaram toda a região. Veja imagens:
As imagens fazem parte do Programa Brasil MAIS, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por meio da constelação de satélites da Planet e da plataforma SCCON, é possível que órgãos e municípios acessem imagens de alta resolução, permitindo o monitoramento contínuo de mudanças no meio ambiente, como desmatamento, queimadas, enchentes, expansão urbana e alterações em corpos hídricos.
Ao aderirem ao programa, os municípios podem se beneficiar dessa tecnologia e integrar uma rede colaborativa que oferece suporte para melhorar suas estratégias de gestão e segurança, garantindo um desenvolvimento mais sustentável e seguro para a população.
Vinícius Rissoli, Co-CEO da SCCON Geospatial
O que diz o governo de SP?
Não há solução imediata. Segundo Cristiano Kenji Iwai, subsecretário de Recursos Hídricos e Saneamento Básico da Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de SP), foram realizadas medidas de curto, médio e longo prazo para a resolução dos problemas hídricos do Tietê, mas as condições climáticas são o maior desafio.
Por ser um processo que vem se desencadeando ao longo do tempo, não tem uma solução imediata para essa questão. Ela tem de ser trabalhada para a gente resgatar a qualidade desse curso d'água.
Cristiano Kenji Iwai
A curto prazo, um grupo de fiscalização foi criado para intensificar e integrar as ações dos órgãos fiscalizadores da região. A ação está sendo feita em conjunto com a Polícia Ambiental, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), os comitês de bacia do Tietê, a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, além dos municípios.
A médio prazo, está a instalação de boias para o isolamento da área navegável da barragem de Barra Bonita. Além disso, também está nesta etapa a articulação com os produtores rurais para melhores práticas de conservação do solo, a fim de diminuir o escoamento de fertilizantes e outras substâncias para o rio.
A longo prazo está a conclusão do projeto UniversalizaSP, previsto para 2033. Ele prevê atingir a universalização do saneamento nas cidades não atendidas pela Sabesp por meio de arranjos regionais. Já para as cidades atendidas pela empresa de saneamento, a previsão foi antecipada para 2029.
Além dessas ações, temos também o programa IntegraTietê, para que, com medidas de curto a longo prazo que contam com desassoreamento, saneamento, recuperação de margens e educação ambiental, possamos atingir, de fato, a melhoria da qualidade do rio.
Cristiano Kenji Iwai
'Se não tiver água, não tem vida'
A universalização pode não ser suficiente, pois até o esgoto tratado pode poluir. Ribeiro acredita que, mesmo com a universalização do saneamento, ainda teremos problemas relacionados à poluição e baixa oxigenação do rio, já que a substância fosfato total (soma de todas as formas de fósforo presentes em uma amostra), encontrada em produtos biodegradáveis —como saponáceos e detergentes de uso doméstico—, não é retirada durante o tratamento do esgoto e impacta diretamente a qualidade da água. "A gente vem alertando e não é de hoje", diz.
Infelizmente, durante décadas, o rio Tietê foi olhado prioritariamente para a geração de energia elétrica, então não haveria problema se a qualidade da água estivesse ruim. Mas, para os outros usos, para o desenvolvimento do estado de São Paulo e até do próprio agronegócio, se não tiver água, não tem vida.
Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica
Entidades de pesca também trabalham para realizar monitoramento da qualidade da água. "A gente propôs também um grupo de trabalho entre secretário de agricultura, Cetesb e setor produtivo de peixes, a PeixeSP e o Ministério da Pesca e Aquicultura para fazer um plano de trabalho de monitoramento de qualidade de água e ações que revertam essa poluição o quanto antes, para que a gente consiga amenizar o impacto degradante dos últimos anos no rio Tietê", conta Esteves.
O que nos interessa é o rio vivo. E, quanto mais vivo ele estiver, melhor é para todo mundo. Tanto para a piscicultura, como para o pescador que também que vive do rio. O setor de turismo também, a pesca esportiva... O rio vivo só traz riqueza. O rio morto, só prejuízo.
Emerson Esteves, da PeixeSP