Apreensão de cocaína cresce em aeroporto francês; voos do Brasil são alvos
O número cada vez maior de passageiros transportando cocaína no aeroporto Charles de Gaulle, na região de Paris, desafia as autoridades policiais francesas. Os voos que chegam do Brasil estão entre os mais visados.
O tráfico atingiu níveis inéditos e está levando a polícia ao limite das suas capacidades de controle. Em 4 de março, a alfândega do maior aeroporto da França decidiu escanear todas as bagagens dos passageiros de um voo da Air France chegando da Martinica, em vez das verificações pontuais habituais. Resultado: 212 quilos de cocaína encontrados nas malas de seis viajantes.
O problema é que o aumento da fiscalização expôs as deficiências logísticas para as operações policiais. A pequena filial do aeroporto Charles de Gaulle do departamento antinarcóticos (Ofast) não tem capacidade para lidar com tantos casos de detenção provisória de suspeitos: o número de "mulas" interceptadas em Charles-de-Gaulle aumentou 46% em dois anos.
Após longas negociações internas, a gestão dos suspeitos ??foi dividida entre o Ofast e a polícia de fronteira, responsável pelo combate à imigração ilegal. Alguns detidos acabam até na delegacia local da cidade de Villepinte, vizinha ao aeroporto - um improviso que ilustra o quanto os serviços estão sobrecarregados.
"Tem semanas tranquilas, quando tudo corre bem. O problema é que, nas semanas em que as coisas estão movimentadas, seja por acaso ou porque os traficantes precisam acelerar as vendas, todo o sistema encarregado das mulas pode ficar saturado rapidamente", disse uma fonte do aeroporto à AFP.
Em 2024, 278 passageiros transportando drogas foram descobertos em 2024, após 225 em 2023 e 190 em 2022, de acordo com dados do Ministério Público de Bobigny, que tem jurisdição sobre o aeroporto. O segundo maior aeroporto da França, o de Orly, ao sul da capital, não registrou altas comparáveis.
Aumento da fiscalização na Guiana Francesa
Os números, que representam apenas a ponta do iceberg do tráfico internacional, refletem o aumento da cocaína colombiana na Europa nos últimos anos, mas também o reforço dos controles nas partidas do aeroporto de Caiena, na Guiana Francesa. O aperto das autoridades francesas no país na América Latina forçou os traficantes a migrar para voos partindo de outros países da região, particularmente do Brasil, que pousam principalmente no Charles de Gaulle, e não em Orly.
Supostamente responsável por conduzir investigações de longo prazo sobre o tráfico de drogas, o Ofast se vê envolvido na "coleta" de mulas, geralmente pessoas pobres usadas como ajudantes, pelos traficantes, e que depois são de pouca utilidade para os investigadores.
Além disso, o sistema para o atendimento dessas pessoas é particularmente trabalhoso e demorado. Para pessoas que ingeriram drogas e precisam expulsá-las, o que representa 44% das detenções realizadas no Charles de Gaulle em 2024, uma equipe de agentes deve levá-las ao Hôtel-Dieu, no centro de Paris, devido à falta de um centro médico adequado nas proximidades.
"Não tenho 30 agentes para 15 mulas por voo", admitiu à AFP Gilbert Beltran, diretor inter-regional de alfândega da Paris Aéroports. Se todas as mulas fossem presas, "encheríamos as unidades médico-legais de todos os hospitais parisienses", complementou.
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Dada a fragilidade da cadeia de segurança, os vários serviços que coexistem no aeroporto acabam não sendo zelosos como deveriam nos controles de passageiros - uma forma de lidar na prática com a falta de capacidade e equipamentos adequados, segundo a fonte do aeroporto. As organizações criminosas apostam nestas falhas, o que gera um efeito bola de neve no problema.
"Eles provavelmente fazem um cálculo de custo-benefício: se enviam 10 pessoas carregando drogas no mesmo avião, talvez apenas três ou quatro serão pegas, mas a conta fecha com aqueles que conseguirem passar", especula Eric Mathais, promotor de Seine-Saint-Denis.
Exemplo de Amsterdã
O Ministério Público local também sente a pressão do aumento do ritmo da criminalidade. Com 10 a 20 casos desse tipo por semana, o julgamento das mulas consome uma parte considerável das audiências de comparecimento imediato - mas as investigações judiciais resultantes "quase nunca" levam a polícia a melhor rastrear a cadeia internacional do tráfico de drogas.
Diante dessas dificuldades, o método holandês, citado como referência nesta área, é uma inspiração. Com um aumento semelhante do tráfico por via aérea no início dos anos 2000, o aeroporto de Amsterdã-Schiphol, um centro global de tráfego aéreo, implementou controles de 100% dos passageiros a partir de 2003 em voos considerados de risco (Antilhas Holandesas, Suriname, Venezuela).
Em 2004, no primeiro ano de controles sistemáticos, uma média de 290 mulas de cocaína foram presas por mês, número que caiu para 70 em 2010 e depois para 30 em 2024, segundo informações comunicadas à AFP pela alfândega holandesa.
"Se verificássemos todos os passageiros dos voos de São Paulo, por exemplo, teríamos nas primeiras semanas um risco de disparada muito grave dos casos", avalia o promotor Eric Mathais. "Mas, muito rapidamente, os traficantes se adaptariam e concluiriam que 'não é mais possível em Charles de Gaulle, temos que ir para outro lugar'."
Com informações da AFP