Aeroporto de deputado do centrão abastece aviões de senadores do Piauí

O deputado federal Júlio César Lima (PSD) abriu um aeroporto particular em Teresina, no Piauí, em 2024. Os senadores Marcelo Castro (MDB) e Ciro Nogueira (PP) abasteceram aviões particulares no local nos últimos meses com dinheiro da cota parlamentar de cada um.
O que aconteceu
O Aeródromo Canaã fica localizado na fazenda do deputado Júlio César Lima, na zona rural de Teresina. O local foi inaugurado em abril de 2024 e funciona apenas para aviação executiva. Há ainda um segundo CNPJ só para a venda de combustíveis, aberto na mesma época com o nome Canaã Combustíveis.
Júlio César pertence a uma família de políticos. Ele é casado com a senadora Jussara Lima (PSD-PI), eleita em 2022 primeira suplente de Wellington Dias —ela ocupa desde 2023 a cadeira do atual ministro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social. O filho do casal, Georgiano Lima Ferreira Neto (MDB), é deputado estadual e sócio do Aeródromo Canaã.
Parlamentares abasteceram no local e pediram reembolso ao Senado. O senador Marcelo Castro (MDB) gastou R$ 32.683 em querosene para aviação na Canaã Combustíveis em janeiro, durante o recesso. Ele apresentou oito notas fiscais ao Senado, sete delas emitidas no mesmo dia, com poucos minutos de diferença.
Castro abastece no local desde agosto de 2024. Ele é proprietário de um avião bimotor do modelo Piper Seneca V. No total, o senador gastou R$ 198.615 da cota parlamentar só em combustível para aviação no Canaã.
Antes da inauguração do aeródromo, Castro abastecia o avião no Aeroporto Senador Petrônio Portela, o principal da capital piauiense, privatizado recentemente. O senador também apresentou notas fiscais de compra de combustível para avião em uma empresa de Timon, no Maranhão, na divisa com Teresina.
Regras do Senado não proíbem a prática. Não há limite quantitativo para o recebimento de notas fiscais emitidas no mesmo dia ou restrição para o uso da cota parlamentar nos períodos de recesso. A assessoria da Casa informou que, ao pedir o reembolso, o parlamentar "assume expressamente total responsabilidade quanto à veracidade e à autenticidade da documentação encaminhada". O valor gasto pelos senadores está dentro da normalidade, considerando o valor do litro do combustível no estado.
Marcelo Castro e Júlio César são aliados e costumam participar de agendas juntos no Piauí. Na semana passada, os dois estiveram com o governador Rafael Fonteles (PT) e o ministro Wellington Dias em Rio Grande. Na quarta, o deputado e o senador se reuniram com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em Brasília.
O senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, também abastece no aeroporto do deputado Júlio César. Ele gastou R$ 18.054,04 da cota parlamentar em querosene para aviação no local, em outubro de 2024, e R$ 8.000 em janeiro deste ano. Nogueira tem um avião bimotor Super King Air avaliado em R$ 2,8 milhões, conforme declaração de bens apresentada ao TSE em 2018.
Em nota, Marcelo Castro alegou que o aeródromo Canaã é o único aeroporto particular que oferece serviços de hangaragem e abastecimento em Teresina. O UOL apurou que há outros três aeroportos particulares na capital, mas eles não têm autorização da ANP para vender querosene de aviação. No entanto, o Aeroporto de Teresina oferece esses serviços.
Senador disse que os gastos apresentados pela reportagem estão em conformidade com as cotas disponíveis para o exercício da atividade parlamentar, inclusive no recesso. "O recesso em Brasília é o período em que o parlamentar consegue estar mais presente nos municípios, participando de reuniões, solenidades e entregas de obras, por exemplo", diz.
Castro informou que não tinha conhecimento de que as notas de janeiro haviam sido emitidas na mesma data. "Ao tomar ciência do fato, questionou o aeródromo, que esclareceu que, por questões administrativas, algumas notas foram geradas simultaneamente naquela data, mas sempre fazendo referência às datas reais de voos anteriores". Não há referência à data do voo nas notas fiscais.
O UOL procurou a assessoria do deputado Júlio César e do senador Ciro Nogueira, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.