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Lembra dela? Rinoceronte Cacareco teve mais de 100 mil votos para vereadora

Rinoceronte Cacareco no Zoológico de São Paulo, onde foi um dos principais atrativos na inauguração do complexo, em 1958 - Divulgação/Alesp
Rinoceronte Cacareco no Zoológico de São Paulo, onde foi um dos principais atrativos na inauguração do complexo, em 1958 Imagem: Divulgação/Alesp
do UOL

Giovanna Arruda

Colaboração para o UOL

30/03/2025 05h30

O que começou como uma forma de protesto acabou se tornando um movimento no final da década de 1950: uma rinoceronte fêmea obteve cerca de 100 mil votos na disputa por uma vaga de vereador em São Paulo.

O que aconteceu

Cacareco nasceu em 1954 no zoológico do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O animal foi o primeiro da espécie a nascer em território brasileiro, sendo também o primeiro rinoceronte nascido em cativeiro na América do Sul.

Em 1957, o então governador de São Paulo Jânio Quadros passou a planejar um zoológico na capital paulista. Para atrair um público maior ao novo empreendimento, Quadros solicitou ao prefeito do Distrito Federal Francisco de Sá Freire e Alvim o empréstimo de um rinoceronte. Cacareco foi a escolhida para a missão e foi transferida para São Paulo em fevereiro de 1958, onde viraria uma estrela não só no complexo, mas também na política.

Inaugurado oficialmente em março de 1958, o Zoológico de São Paulo contou com a curiosidade do público. Entre os animais expostos, os visitantes demonstravam um interesse em particular por Cacareco. Segundo o portal da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), ao ver o sucesso do rinoceronte, Jânio Quadros declarou que "o povo só não o recebe de braços abertos por motivos óbvios".

Fora do zoológico, Cacareco foi ganhando popularidade. A fama foi ainda maior entre as crianças, o que fez com que a marca Estrela lançasse um brinquedo em homenagem a Cacareco. A miniatura de plástico tinha um apito e cores variadas.

Rinoceronte virou símbolo de manifestação política

A candidatura de Cacareco para as eleições municipais de 1959 teve origem em uma mesa de bar. Em uma roda de amigos, o jornalista Itaboraí Martins, d'O Estado de São Paulo, resolveu lançar a candidatura do rinoceronte para o cargo de vereadora como forma de demonstrar a insatisfação do povo frente aos governantes. A tática, segundo a Alesp, foi pichar muros com o nome do animal e divulgá-lo nos debates promovidos pelas emissoras de televisão.

A população do então bairro paulistano de Osasco [cuja emancipação aconteceria em 1962] tentou conseguir sua emancipação política e administrativa da capital, mas a pretensão terminou no Supremo Tribunal Federal, que negou o pedido. Decepcionados, os moradores em protesto aderiram à "candidatura" de Cacareco. Trecho disponível no portal Alesp

O movimento contou com 'santinhos' como forma de apoio a Cacareco. Para mobilizar ainda mais a população, um jingle viralizou: "Cansados de tanto sofrer // E de levar peteleco // Vamos agora responder // Votando na Cacareco".

À época, a votação era feita por cédulas de papel. Para o cargo de vereador, os eleitos escreviam o nome do candidato escolhido.

O sucesso de Cacareco nas urnas

A apuração dos votos confirmou o favoritismo do rinoceronte. Em cada urna aberta, havia de 20 a 30 papéis com o nome de Cacareco, que recebeu votos em todos os bairros da cidade de São Paulo.

Pouco mais de 820 mil votos foram considerados válidos na eleição. Aqueles direcionados a Cacareco foram considerados nulos pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo). Apesar de não ter divulgado o número oficial de votos recebidos pelo animal, o TRE-SP declarou 105.892 votos nulos.

Cacareco recebeu votos até mesmo em outras cidades do estado. No município de Marília, por exemplo, das 300 cédulas depositadas em uma urna, 102 tinha o nome de Cacareco escrito.

Os votos recebidos pelo rinoceronte seriam suficientes para eleger os 15 vereados mais votados naquela eleição. O volume correspondia a um terço da Câmara dos Vereadores de São Paulo.

O sucesso de Cacareco tomou os noticiários e fez com que o animal fosse transferido de volta para o Rio de Janeiro. Matérias sobre o assunto se espalharam pelo Brasil. José Bonifácio Coutinho Nogueira, então secretário da Agricultura paulista, tentou comprar o animal, para que Cacareco permanecesse em São Paulo. O zoológico do Rio, no entanto, negou a proposta. Dois dias antes do pleito municipal, o rinoceronte foi levado à cidade de origem.

Esqueleto de Cacareco fica exposto em SP

Cacareco morreu em dezembro de 1962, aos oito anos, por conta de uma nefrite (doença inflamatória dos rins). A morte pode ser considerada prematura, visto que a expectativa de vida da espécie é de cerca de 45 anos. Atualmente, o esqueleto do animal está exposto no Museu de Anatomia Veterinária da Universidade de São Paulo.

Cacareco não foi o primeiro animal a ser eleito (nem o último). O pioneiro foi o bode Cheiroso, nas eleições de 1955, a população de Jaboatão (PE) votou no caprino. Em 1988, os cariocas votaram no macaco Tião, do fictício Partido Bananista Brasileiro. Já em 1996 no município de Pilar (AL) o votado foi o bode Frederico.

Nas redes sociais, muitos usuários discutem o papel de Cacareco na história de São Paulo. Em um vídeo recente com milhares de visualizações, o historiador Rodrigo Ramos relembrou a história do rinoceronte:

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que dizia o texto, Cacareca não foi o primeiro animal a ser "eleito". Antes, o bode Cheiroso já havia sido "candidato" em Jaboatão do Guararapes (PE). A informação foi ajustada.

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