Com bloqueio de GPS e antidrone, facção TCP alia tecnologia e poder de fogo

Ao usar bloqueadores de sinais para impedir rastreio por GPS da polícia, além de fuzis antidrones e lançadores de granada, a facção criminosa religiosa TCP (Terceiro Comando Puro) alia tecnologia com poder de fogo na guerra contra o CV (Comando Vermelho) por territórios nas favelas do Rio.
O que aconteceu
Compras semanais de bloqueadores de sinais. Em mensagem de WhatsApp rastreada pela Polícia Federal, o armeiro Everton Vieira Francesquet disse que pretendia comprar o equipamento toda semana. Segundo a PF, ele era o responsável pela compra de material bélico e de equipamentos para o TCP. Francesquet foi preso há uma semana.
"Vamos fazer uma parceria boa, compra três por semana", disse Francesquet. De acordo com a investigação, ele comprava equipamentos para impedir o rastreio de sinais de GPS, permitindo ainda que membros da organização criminosa pudessem se comunicar sem serem interceptados. A compra desse tipo de equipamento é proibida no país, de acordo com resolução da Anatel, informa denúncia da PF.
Mercadorias pelos Correios. As entregas eram feitas na casa onde Francesquet morava, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, identificadas como "eletric toy" [brinquedos eletrônicos, em inglês].
Facção também adquiriu dispositivos aptos a interceptar comunicações policiais. Compras eram feitas a mando de Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, apontado pelas autoridades como líder do TCP e um dos criminosos mais procurados do Rio. Ele tem mandados de prisão por tráfico de drogas, associação para o tráfico, homicídio e ocultação de cadáver.
Porra! Coisa linda, irmão! Coisa linda! A gente tem que vim [sic] com todo esse aparato de inteligência possível. Esses drones que jogam bomba aí, a gente tem que comprar com urgência!
Peixão, em áudio por Whatsapp
Fuzil antidrone para 'explodir' líder do CV
O TCP queria usar drones de guerra para matar o líder do CV, indicam conversas pelo WhatsApp. "Irmão, com esse drone, o senhor vai conseguir explodir o Doca, paizão", disse o armeiro do TCP, se referindo a Edgar Alves de Andrade, o principal líder da facção rival, o CV, nas ruas. O diálogo ocorreu em junho de 2024, quando Francesquet exibia imagem dos drones de guerra comprados para a facção.
"E a meta vai ser essa mesmo", respondeu Peixão. O líder do TCP é apontado como um dos criminosos mais procurados do Rio de Janeiro. Ele tem sete mandados de prisão por crimes como tráfico de drogas, associação para o tráfico, homicídio e ocultação de cadáver.
Evangélico, Peixão cita crime como presente de Deus em conversa com armeiro. Ele disse ainda ter "um exército" à disposição para enfrentamentos em áreas de disputa com o CV, facção rival.
Eu vou tratar essa comunidade que Deus deu na minha mão igual a um país. E, se é um país, ele tem que ter tudo. Primeiramente, Deus, né, irmão? À frente desse barco, guardando essa cidade e abaixo de Deus, mano, a gente tem que ter um exército bem aparado, tem que ter tudo.
Peixão, em conversa por WhatsApp com Francesquet
Após citar Jesus, Peixão comemora o fato de ter ferido dois rivais com explosivos em uma área dominada pelo CV. "Qual é, meu mano? Bom dia com Jesus aí? Explodi eles lá também essa noite. Joguei três bombas lá, conseguimos acertar dois [membros da facção rival] lá (...). Porra, que bagulho maneiro!", disse, em outro áudio enviado a Francesquet, em julho de 2024.
Versículos, drogas e fuzis
Peixão domina áreas do tráfico na zona norte do Rio. Evangélico, gosta de usar símbolos e personagens bíblicos.
Trechos bíblicos, bandeiras do Estado de Israel e imagens de Cristo são vistas em grafites e pinturas gospel nestas áreas. Em um "resort do crime" descoberto pela polícia, havia uma instalação em neon da estrela de Davi.
Traficante apelidou o seu grupo criminoso de "Tropa do Arão", em referência Arão à figura bíblica, irmão de Moisés. A tropa surgiu na Parada de Lucas, depois tomando o controle de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas.
O grupo ficou conhecido pela intolerância a religiões de matriz africana e por usar o nome de Deus para controlar áreas no Rio. No "resort" de Peixão, construído em uma área de preservação ambiental com dinheiro ilícito, a Polícia Civil também encontrou várias bíblias.
O mundo do crime se legitima pelo terror. Mas a religião faz com que ele [Peixão] adquira um outro tipo de poder diante dos seus comandados. Esses presos da cúpula da facção usavam termos bíblicos em conversas informais com os policiais, e demonstravam ter uma espécie de devoção pelo líder da quadrilha, a quem se referiam como 'Irmão de Moisés'.
Marcus Amim, delegado da Polícia Civil do Rio
Como Peixão ocupou área do CV
Traficante invadiu áreas que eram reduto histórico do Comando Vermelho. Segundo fontes na Polícia Civil ouvidas pelo UOL, Peixão expandiu a sua área de domínio entre o fim de 2017 e o começo de 2018. "O Peixão tem um poderio bélico bem expressivo porque precisa disso para manter o Complexo de Israel e impedir as tentativas de invasão do Comando Vermelho", disse o delegado Marcus Amim.
Drogas e armas vindas de fora do país. De acordo com investigações, Peixão tem sido um dos principais líderes do TCP na negociação para trazer drogas e armas de países como Paraguai, Colômbia e Venezuela devido à sua rede de contatos no exterior. "O Peixão é o principal articulador hoje do TCP e conta com uma rede de intermediários, que buscam armas e drogas no exterior", disse o delegado Marcus Amim.
Pelo menos 200 pessoas foram vítimas do TCP nos últimos dois anos no RJ. Em um dos golpes, os criminosos criam anúncios falsos de veículos na internet para sequestrar "clientes" interessados. O dinheiro que seria destinado à compra do carro é roubado e eles pedem Pix aos familiares para soltar os sequestrados.