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Julgamentos de Sarkozy e Marine Le Pen inflamam narrativas populistas e incitam ataques à Justiça

28/03/2025 16h26

A Justiça vem sendo atacada por movimentos populistas de extrema direita em vários países - Brasil, Estados Unidos e Israel para citar alguns. A França não escapa dessa retórica construída para desqualificar as decisões de juízes e procuradores, tomadas à luz da lei, mas deturpadas como se fossem "condenações políticas".

Juízes franceses, geralmente reservados por dever profissional, têm apontado campanhas de desinformação a respeito deles nas redes sociais, com a publicação dos endereços onde moram, às vezes acompanhados de chamados à violência física e à vingança por decisões que desagradaram uma minoria de pessoas. 

Atualmente, há 20 juízes sob proteção policial na França, depois deles receberem ameaças de morte. Alguns casos são relacionados com sentenças aplicadas contra o crime organizado e o tráfico de drogas, mas uma parte deles é difamada pela atuação em processos que envolvem políticos.

Essa pressão sobre o Judiciário, que desafia garantias constitucionais de independência dos poderes, se intensificou e, hoje, é considerada uma ameaça à democracia, ao Estado de Direito.

Veredicto para Marine Le Pen

Atualmente, a líder de extrema direita francesa, Marine Le Pen é julgada por desvio de verbas públicas. Os juízes desse processo têm recebido ameaças de morte há alguns meses. 

Na segunda-feira, 31 de março, Marine Le Pen conhecerá o veredicto de uma ação penal em que ela, seu partido Reunião Nacional (RN) e 24 integrantes da sigla são acusados de ter desviado verbas destinadas à bancada da legenda no Parlamento Europeu, para o pagamento de despesas de funcionamento do partido na França, durante 12 anos, o que é ilegal. 

Esse desvio de milhões de euros de prejuízo ao Parlamento Europeu já foi em parte reembolsado pelo partido de Marine Le Pen, em um reconhecimento implícito de culpa. 

A Justiça francesa abriu uma investigação à parte, descobriu outras irregularidades e agora pode condenar Marine Le Pen a cinco anos de prisão, acompanhados de inelegibilidade com execução imediata da pena, mesmo se ela apresentar um recurso contra a condenação, o que a impediria de disputar a eleição presidencial de 2027. 

Como acontece no Brasil com bolsonaristas descontentes com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro réu por tentativa de golpe de Estado, na França os militantes do partido de Le Pen acusam a Justiça local de tentar influenciar o processo eleitoral. 

Durante os interrogatórios, a juíza titular do caso, Bénédicte de Perthuis, insistiu em obter respostas claras de Marine Le Pen sobre o pagamento dos salários desses colaboradores, mas ela se esquivou de fornecer os esclarecimentos, repetindo várias vezes a mesma versão, de que não havia feito nada de ilegal. Le Pen desviou a atenção do público das acusações, para sinalizar uma suposta ingerência política da Justiça. 

Narrativas manipuladas inflamam as redes sociais

A tática da extrema direita de questionar a atitude dos juízes é vista em vários países. Entre ultraconservadores e políticos de perfil autoritário, virou regra bater na Justiça, minar a confiança dos eleitores na instituição por meio de campanhas de difamação e desinformação na internet, desviar a atenção da gravidade das acusações e das provas recolhidas nos inquéritos, para o réu se apresentar como vítima de perseguição política. A incitação à vingança contra os juízes é mera consequência dessas narrativas manipuladas. 

Um grupo de militantes de Le Pen que defendeu em um chat na internet "atirar na nuca dos juízes do caso", ou seja, promover execuções sumárias, está sendo investigado. 

Um agravante inesperado nesse caso foi o atual primeiro-ministro de centro-direita, François Bayrou, também processado no passado por empregos-fantasma em seu partido, ignorar o princípio de separação dos poderes e considerar o julgamento contra Marine Le Pen "injusto". Os juízes franceses ficaram furiosos com essa postura do chefe do Executivo.

Sarkozy cai na teia das próprias contradições

Na quinta-feira (27), a Justiça francesa pediu sete anos de prisão contra o ex-presidente de direita Nicolas Sarkozy em um caso de corrupção. O Ministério Público e os juízes do processo também sofreram pressões.

Sarkozy defende sua inocência desde o início do julgamento e considerou a pena requisitada "escandalosa" e "violenta". Ele se sente perseguido pela Justiça, apesar de ser suspeito de ter armado "um pacto de corrupção" com o ex-ditador líbio Muammar Kaddafi para financiar sua campanha presidencial de 2007. Para os procuradores do caso, todos os crimes pelos quais Sarkozy está sendo julgado, desde janeiro, foram comprovados: corrupção, encobrimento de desvio de dinheiro público, financiamento ilegal de campanha e associação criminosa. 

A Procuradoria Financeira de Paris trabalha para recolher provas sobre esse caso, revelado pelo site de jornalismo investigativo Médiapart, desde 2013, depois do fim do mandato presidencial e de Sarkozy ter perdido a imunidade do cargo. 

No ano seguinte, quando descobriu que estava com um telefone grampeado pelos investigadores, Sarkozy publicou um artigo num jornal comparando os métodos dos juízes franceses aos da Stasi, a polícia secreta comunista da ex-Alemanha Oriental. A direita alega sempre a mesma conversa: a Justiça é de esquerda, comunista, vermelha. O pedido dos investigadores para instalar a escuta foi motivado por indícios concretos e cumpriu os requisitos legais.

Esses ataques para desacreditar o Judiciário e transmitir uma ideia de parcialidade têm sido banalizados. Sarkozy já foi condenado, em outro caso, a um ano de prisão por corrupção, pena que cumpre em casa com uma tornozeleira eletrônica. 

Centenas de ameaças por ano

O Ministério da Justiça francês registra, em média, 150 ameaças a juízes nos tribunais por ano. O Tribunal de Bobigny, no subúrdio de Saint-Denis, na região parisiense, documentou nos últimos três anos um aumento das tentativas de agressão nas salas de audiência. 

Alguns casos se tornaram famosos. Em 2022, depois do presidente de um tribunal anunciar a condenação de um réu, cerca de 30 pessoas que estavam na sala, entre elas a mãe e a irmã do acusado, voaram para cima dos policiais que faziam a segurança do réu para tentar soltá-lo na marra.

Houve também o substituto de um promotor que foi alvejado com um sapato na cabeça enquanto apresentava as alegações finais de acusação. Além do caso de uma juíza da Vara da Infância que teve parte do couro cabeludo arrancado por uma mãe que discordou da decisão judicial ao encontro da filha dela. 

Magistrados franceses têm alertado que a polarização permanente nas redes sociais, as teorias da conspiração e campanhas de difamação instrumentalizadas contra o Judiciário, para além da crítica legítima, criam uma atmosfera de desconfiança que em alguns momentos sai do controle, pondo em risco princípios básicos da democracia.

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