'Que o racha de charretes acabe', diz irmão de mulher que morreu atropelada
A administradora de TI Thalita Danielle Hoshino, de 37 anos, morreu após ser atropelada por uma charrete numa praia, na divisa entre as cidades de Itanhaém e Peruíbe, no litoral de São Paulo. A Polícia Civil abriu inquérito e investiga o caso como homicídio.
O que se sabe
Moradora de São Bernardo do Campo, Thalita estava passando uns dias em Itanhaém com o marido, acompanhando a amiga Gabriela Neves, de São Paulo, que visitava os sogros no bairro Gaivotas.
As duas pedalavam na faixa de areia no domingo quando foram surpreendidas por duas charretes correndo lado a lado, com mais dois automóveis seguindo atrás. "As charretes estavam apostando corrida, um racha de charretes mesmo, lado a lado. Os carros seguiam atrás, também em paralelo. Virei para um lado e a Thalita, para o outro, para desviarmos. Daí ela foi atingida", contou ao UOL Gabriela, que é fisioterapeuta.
O acidente ocorreu pouco depois de as amigas cruzarem o rio que separa os bairros Gaivotas e Santa Cruz. "Avisei a Thalita para tomar cuidado com o carro. Desviei para a direita, ela desviou para a esquerda. Ouvi um barulho muito alto e, quando olhei para o lado, ela já estava caída no chão, com hemorragia na cabeça", contou Gabriela.
Segundo ela, o veículo que acompanhava as charretes só parou após seus gritos por socorro. "Eles não queriam que eu a tirasse do chão porque iam chamar o Samu. Aí gritei dizendo que era da área da saúde e que ela corria risco de vida. Precisávamos levá-la imediatamente para um hospital", lembra a fisioterapeuta.
A administradora sofreu traumatismo craniano, foi internada na UTI, intubada e não resistiu. Ela foi socorrida inicialmente na UPA de Itanhaém e transferida ao Hospital Irmã Dulce, em Praia Grande. Ontem, após dois dias em coma, ela acabou não resistindo aos ferimentos e morreu. A Polícia Civil passou a tratar o caso como homicídio.
Condutor registrou BO antes da família
O condutor da charrete foi o primeiro a registrar um boletim de ocorrência, horas após o acidente. Ele compareceu à delegacia acompanhado de um advogado e afirmou que Thalita teria cruzado à frente da charrete, provocando uma colisão frontal. Disse ainda que se afastou momentaneamente para prender o cavalo enquanto sua esposa prestava socorro. A Polícia Civil registrou inicialmente o caso como lesão corporal. A reclassificação para homicídio só veio após a morte de Thalita.
Gabriela afirma que tentou registrar o boletim presencialmente, mas teria sido desencorajada pela polícia, por já haver um registro aberto. "Fui à delegacia assim que saí do hospital. O policial informou a mim, à minha sogra, à prima da Thalita e ao marido dela que não seria possível registrar porque o infrator já havia feito um como danos corporais".
No dia seguinte ao acidente, Gabriela decidiu registrar um boletim eletrônico pela internet. No relato, ela ratifica o que contou ao UOL. E acrescenta: "Olho para o lado e vejo a Thalita caída com hemorragia no crânio, a bicicleta torta e o pneu estourado. A charrete que a atropelou continuou em alta velocidade", relatou.
Gabriela e Thalita se conheceram há oito anos e a fisioterapeuta se emociona ao se lembrar que teve a oportunidade de se despedir da amiga ainda na UTI. "Pedi que Jesus a recebesse de braços abertos. Pedi para ela ficar conosco. Mas ela havia perdido um olho no acidente e era muito vaidosa. Ia ser muito difícil para ela acordar sem um olho", comentou.
Espero que a justiça seja feita, e que essa máfia de corrida de cavalos acabe de uma vez por todas. As prefeituras precisam fiscalizar pra que isso não ocorra mais e que outras famílias não percam seus entes queridos.
Gabriela Neves
Incidente na divisa
O irmão da vítima, Yuri Souza, desaprovou a atuação das autoridades, contando que a delegacia de Itanhaém dizia que o caso tinha que ser registrado em Peruíbe; e na delegacia de Peruíbe, diziam para procurar Itanhaém. "Parecia que queriam proteger alguém". Ele cobra responsabilização.
A justiça não vai trazer minha irmã de volta, mas que os responsáveis sejam punidos e que esse tipo de prática (o 'racha' de charretes) acabe antes que outra família passe por isso. Para esses canalhas que fizeram isso, que deixem de ser covardes e assumam o que fizeram. Yuri Souza, irmão de Thalita
Yuri conta que a irmã amava animais, crianças e viajar. "Ela era alto astral, alegrava o ambiente por onde passava. Todo mundo chamava ela de tia Thalita. Adorava o cachorro, Luffy, fazia yoga, academia, e sonhava em conhecer o mundo", contou.
O caso é investigado como homicídio por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Itanhaém. "A autoridade policial analisa imagens, além de realizar oitivas de testemunhas e demais diligências visando identificar os envolvidos, assim como esclarecer todas as circunstâncias dos fatos", informou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo). A reportagem não localizou a defesa do condutor da charrete.
Fora do território
Tanto a prefeitura de Itanhaém quanto a de Peruíbe divergem quanto à localização do episódio, apesar dos endereços que consta dos dois boletim de ocorrência pertencerem a Itanhaém. A prefeitura da cidade, porém, afirmou que o acidente ocorreu fora de seu território. Em nota, a administração informou que, com base em vídeos divulgados nas redes sociais, a vítima já havia cruzado a divisa com Peruíbe no momento em que foi atingida.
A prefeitura também declarou não haver registros de denúncias sobre rachas com charretes em sua faixa de areia e acrescentou que possui leis que proíbem animais na praia e veículos de tração animal em vias públicas. A fiscalização ficaria a cargo da Guarda Civil Municipal.
A Prefeitura de Peruíbe declarou que o acidente ocorreu em Itanhaém, segundo informação repassada pela Delegacia Seccional da região. Apesar disso, reconheceu a existência de corridas ilegais de charretes na faixa de areia e disse que, sempre que toma conhecimento dessas práticas, realiza ações conjuntas com a Guarda Civil Municipal, Polícia Militar e agentes de fiscalização.
A secretaria de segurança do município informou que não houve apreensões de charretes, mas diz que foram instalados obstáculos físicos, como tubos de concreto na Avenida Santa Cruz, para coibir o trânsito desses veículos. A nota acrescenta haver aldeias indígenas na região que utilizam a praia como acesso de automóvel. Segundo a gestão municipal, estão em curso tratativas com a Prefeitura de Itanhaém para a realização de operações integradas de fiscalização na divisa entre os municípios.