Gaza Project: a história de Fadi, jornalista ferido por tiros israelenses enquanto trabalhava
Desde o ataque terrorista do Hamas em Israel em outubro de 2023, mais de 170 jornalistas foram mortos na Faixa de Gaza. O consórcio de jornalismo Forbidden Stories, do qual a RFI faz parte, revelou como alguns profissionais viraram alvo do exército israelense. Este foi o caso de Fadi al-Wahidi, atingido por um tiro no pescoço enquanto realizava uma reportagem.
Sami Boukhelifa e Nicolas Falez
Num território em que jornalistas estrangeiros têm acesso restrito, os profissionais da comunicação em Gaza têm sido sistematicamente atacados pelo exército israelense. Os coletes de imprensa, que deveriam protegê-los, os transformam em alvos.
O cinegrafista palestino Fadi al-Wahidi, de 25 anos, está imobilizado em uma cama de hospital no Cairo, Egito, e não sabe se um dia será capaz de ficar de pé e caminhar novamente. Em 9 de outubro de 2024, uma bala entrou em seu pescoço, entre a segunda e a terceira vértebra, causando uma lesão grave na medula, originando a paralisia das duas pernas.
"Minha medula espinhal foi cortada. Por causa disso, estou paraplégico", explica Fadi, que foi entrevistado várias vezes pelos jornalistas da Forbidden Stories. "Eu sinto constantemente choques elétricos nas minhas mãos. Essa sensação não vai embora. Ela me impede de dormir à noite e, às vezes, até durante o dia. Os analgésicos que tomo não fazem efeito", continua o jovem jornalista.
Colete com a inscrição "Press"
Fotos de poucos meses atrás mostram Fadi al-Wahidi em pé, vestindo um colete azul marcado com as letras "Press". Isso foi em outubro do ano passado: cinegrafista para o canal de televisão Al Jazeera, do Catar, Fadi al-Wahidi trabalhava na cobertura da situação dos palestinos no norte da Faixa de Gaza, forçados a fugir daquela região durante uma ofensiva israelense.
"Havia uma operação terrestre em andamento. Eu estava lá apenas para filmar meu colega Anas al-Sharif, que estava fazendo uma reportagem sobre o deslocamento da população", conta o cinegrafista palestino. Fadi documentava a guerra que devastava ruas que ele conhecia bem, pois é natural de Jabalia, onde ocorria a ofensiva israelense.
"Ouvi falar que bombardeios aleatórios atingiram residências civis", lembra Fadi. "As pessoas fugiram precipitadamente, sem poder levar nada com elas. Naquele dia, ninguém sabia onde encontrar refúgio. Lembro que eles se instalaram no chão, por falta de melhor opção".
Várias equipes de mídia, incluindo a de Al Jazeera, com Fadi e Anas al-Sharif, estavam então trabalhando no bairro de al-Saftawi para cobrir esses eventos, quando, à tarde, disparos foram ouvidos. Essa cena foi filmada pelo próprio Fadi al-Wahidi: um vídeo-selfie capturou o momento em que seus colegas tentam fugir do perigo. Dezesseis segundos de corrida frenética pelas ruas de Gaza, e o registro se interrompe. A última imagem congela o rosto do jovem cinegrafista.
"Até agora, esses tiros ainda ressoam nos meus ouvidos", conta Fadi. "Balas que zumbem e ricocheteiam nas portas e paredes ao meu lado. Eles tentaram nos matar, a mim e aos meus colegas, nos mirando diretamente".
Fadi perde a consciência. Um vídeo mostra-o deitado no chão, de rosto contra o solo. Por um longo período, seus colegas não conseguem ajudá-lo, temendo ser atingidos também.
Outro vídeo mostra quatro homens retirando o cinegrafista, inconsciente. Fadi al-Wahidi, ainda vestindo seu colete com a inscrição "Press", é carregado até um carro. O jovem jornalista é imediatamente levado ao hospital al-Shifa de Gaza.
A Forbidden Stories teve acesso ao prontuário médico do ferido e conversou com o médico que o operou. Este confirmou o ferimento à bala no pescoço, os danos na medula espinhal e a paralisia nas duas pernas.
Ferido fora de uma zona de combate
No entanto, Fadi foi atingido fora de uma zona marcada para ser evacuada. No dia anterior, 8 de outubro de 2024, o exército israelense publicou em sua conta no X (antigo Twitter), em árabe, um mapa mostrando que estava realizando operações de grande escala no campo de Jabalia.
A publicação convocava os habitantes da região a deixarem "imediatamente" a área e se dirigirem para o sul da Faixa de Gaza. "As forças da 162ª Divisão irão realizar operações no setor, tanto aéreas quanto terrestres", afirmava a postagem do exército israelense.
Com o uso de ferramentas de geolocalização, a investigação da Forbidden Stories confirmou que as equipes de televisão, incluindo a da Al Jazeera - composta por Fadi e Anas - estavam realmente fora da zona no dia 9 de outubro, quando o cinegrafista foi gravemente ferido.
Além de seus coletes com a inscrição "Press", os jornalistas usavam equipamentos de transmissão de imagens, o que os identificava como profissionais da informação. A presença desses equipamentos foi confirmada pelas imagens que documentam os fatos.
Drone ou atirador humano?
Fadi al-Wahidi foi atingido por um atirador humano ou por um drone "quadcopter"? A questão permanece sem resposta, embora testemunhas da cena afirmem ter visto tal dispositivo no momento em que o cinegrafista foi atingido. "De repente, enquanto filmávamos, um drone de reconhecimento começou a atirar em nós", lembra Anas al-Sharif, o jornalista da Al Jazeera que trabalhava com Fadi al-Wahidi.
Islam Bader e Mohammed Shaheen são outros jornalistas palestinos que estavam presentes no momento dos fatos: "Sem sombra de dúvida, era um quadcopter", assegura o primeiro. "Durante a guerra, nos acostumamos a reconhecer o som deles", acrescenta Mohammed Shaheen.
Fadi al-Wahidi, por sua vez, não pôde ver o dispositivo que seus colegas mencionam. "Eu não vi o quadcopter. Não tive tempo de olhar ao meu redor. Tinha que fugir", lembra-se ele.
Será que os quadcopters, capazes de realizar disparos de precisão, estão sendo usados pelo exército israelense na Faixa de Gaza? "A tecnologia existe e será provavelmente usada algum dia por um Estado ou um civil", afirma James Patton Rogers, especialista em drones da Universidade Cornell, consultado pela Forbidden Stories.
James Patton Rogers destaca que é impossível confirmar o uso dessa tecnologia neste caso, devido à falta de imagens. Questionado para esta investigação, o exército israelense não respondeu às perguntas sobre o uso de tais dispositivos e rejeitou as "alegações de ataques sistemáticos contra jornalistas", garantindo que "só atacam membros de grupos armados e indivíduos diretamente envolvidos nas hostilidades".
Bloqueado 122 dias em Gaza
Gravemente ferido por esse tiro, Fadi al-Wahidi recebeu cuidados médicos na Faixa de Gaza. A escassez de tratamentos adequados ao seu caso forçou várias mudanças de hospital. Mas, apesar da gravidade de suas lesões, as autoridades israelenses se recusaram a permitir sua transferência para fora do território palestino, para que Fadi fosse tratado no Egito.
A solicitação foi feita pela Gisha, uma organização israelense de defesa dos direitos humanos, que se dirigiu ao COGAT, o escritório do exército israelense responsável pela coordenação nos Territórios Palestinos Ocupados.
Em uma resposta datada de 13 de janeiro de 2025, o COGAT informou que "após analisar o caso, o Estado de Israel se opõe à sua transferência. Esta oposição é baseada em uma razão de segurança". Nenhuma justificativa foi dada para essa "razão de segurança".
Finalmente, a situação foi resolvida em fevereiro deste ano, ou seja, após o cessar-fogo na Faixa de Gaza em 19 de janeiro de 2025. Foram necessários 122 dias para que Fadi al-Wahidi fosse transferido para o Egito para receber o tratamento necessário.
"Eu imaginava um futuro brilhante após a guerra, tanto para mim, quanto para os meus próximos", confessa Fadi. "Mas desde minha lesão, não penso mais no futuro. Só desejo poder andar novamente algum dia."
De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, quase 170 profissionais da mídia foram mortos na Faixa de Gaza desde o início da guerra em outubro de 2023. Poucos dias antes da publicação desta investigação, Hossam Shabat, jornalista palestino trabalhando para a Al Jazeera, foi vítima de um ataque israelense que atingiu seu carro, em Beit Lahya, no norte do enclave palestino.