Filme sobre a correspondência de Marcia Tiburi e Jean Willys no exílio é lançado em festival francês
O longa-metragem "Hoje longe, muitas léguas", do diretor carioca Dado Amaral, estreou nesta semana no Festival do Filme Documentário de Paris, conhecido entre os franceses como Le Cinéma du Réel (o cinema da realidade, em tradução livre). Com o título em francês "Chansons d'exil", Amaral leva às telas a correspondência entre a filósofa e escritora gaúcha Marcia Tiburi e ex-deputado federal baiano Jean Wyllys, obrigados a se exilar na Europa devido às perseguições da extrema direita no Brasil.
Marcia Tiburi e Jean Wyllys leem as cartas que trocaram durante os quatro anos e meio em que se viram desterrados do Brasil, após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Eles só retornaram ao Brasil em meados de 2023.
O périplo da ex-candidata do Partido dos Trabalhadores ao governo do Rio de Janeiro, para escapar das campanhas de ódio e das ameaças de morte de extremistas de direita, começou nos Estados Unidos, depois houve a mudança para Paris e ainda um período em Berlim. Jean Wyllys, deputado pelo PSOL, que já vivia sob escolta policial desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, mudou-se para Barcelona.
Apesar da distância entre as duas cidades, os dois amigos se apoiaram nos momentos dolorosos do desenraizamento e questionaram o revisionismo que impregnou boa parte da sociedade brasileira, trinta anos depois do fim ditadura de 1964-85.
Em entrevista à RFI, o diretor Dado Amaral conta que conheceu Marcia Tiburi em uma reunião na capital francesa, apresentados por um amigo em comum. Na época, Dado sabia que Jean Willys tinha sido obrigado a renunciar ao seu terceiro mandato de deputado federal, devido aos ataques homofóbicos e à perseguição de bolsonaristas. Mas foi apenas na convivência com a escritora e filósofa que o cineasta se deu conta da gravidade da onda fascista na qual o Brasil foi arrastado.
O projeto do documentário nasceu antes da publicação do livro epistolar "O que não se pode dizer", de Marcia e Jean, lançado pela editora Civilização Brasileira. O filme tem a sabedoria de omitir nomes de generais golpistas, de líderes de movimentos fascistas e de fazer referências à família Bolsonaro. Concentra-se em levar à tela a torrente de emoções e revolta que marcaram os anos de exílio dos dois protagonistas.
Relato sóbrio
Com 1'17 minutos de duração, o público internacional tem a possibilidade de saber mais sobre esse período de retrocesso histórico do Brasil. Com sobriedade, Marcia e Jean descrevem os efeitos do fascismo em suas vidas. Falam de assédio moral, medo, vidas ameaçadas, trabalho e relações pessoais sacrificados, dificuldades financeiras, exílio, depressão e da imensa solidão no estrangeiro.
"Fiquei muito orgulhoso de estar nesse festival, que está em sua 47ª edição", destaca o cineasta. "Chansons d'exil" foi apresentado na sessão especial dedicada a produções de temática política contemporânea.
O longa começa com uma bela imagem externa de um cedro do Líbano plantado no Jardim Botânico de Paris (Jardin des Plantes), perto de um dos apartamentos onde Marcia Tiburi morou na capital francesa. A árvore, trazida de seu país de origem, foi plantada no jardim parisiense em 1734. Na terra nova, o cedro libanês criou raízes fortes: resistiu à queda da Bastilha (1789), à Primeira Guerra Mundial (1914-18), à ocupação nazista na Segunda Guerra (1938-45) e segue firme desafiando ameaças. Um símbolo de esperança.