Juristas defendem acesso da defesa à íntegra de provas da investigação
Juristas ouvidos pelo UOL afirmam que as defesas dos acusados de tentativa de golpe deveriam ter tido acesso a todos os dados reunidos pela investigação que resultou na denúncia da PGR (Procuradoria Geral da República). Ao longo da terça, advogados disseram que não tiveram acesso à íntegra do material.
O que aconteceu
Falta de acesso à integra do material bruto impede pleno exercício do direito à defesa, dizem juristas. Segundo eles, se os advogados não têm acesso a tudo que foi fornecido à acusação, incluindo o que não está na denúncia, o princípio de paridade de armas entre as duas partes fica prejudicado. Especialistas consideram problema grave, caso ele tenha de fato acontecido.
"Pode haver dados importantes para as defesas que ficaram de fora do material", diz Davi Tangerino, professor de direito penal. "Apesar de o ministro Moraes afirmar que os advogados puderam ver tudo que embasou a denúncia, os advogados alegam que não tiveram acesso à íntegra das provas reunidas. De tudo que foi dito, é o que eu acho mais importante. Sem acesso a isso, não há paridade de armas entre defesa e acusação", diz.
"Observância das regras é fundamental para garantir ampla defesa", analisa Helena Lobo da Costa, advogada e professora de direito penal da USP. "Quanto mais as regras forem observadas, mais legitimidade terá a decisão final. Isso é especialmente necessário por conta do caso envolver Bolsonaro, que é uma liderança importante para muitos cidadãos."
A PGR não pode filtrar o que as defesas vão acessar. E não acho que isso aconteceu, considerando que Moraes disse que tudo que foi usado na denúncia foi fornecido aos advogados.
Fernando Hideo, doutor em direito penal pela PUC-SP e professor de direito penal da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
Opinião não é consenso entre especialistas. Advogada e especialista em direito penal e processual penal, Ana Letícia Bezerra afirma que a Súmula 14 do STF determina que acusação e defesa tenham acesso apenas ao material que embasou a denúncia nesta fase do processo e não à íntegra. Ela concorda com Hideo em relação à existência da garantia de acesso das defesas a tudo que consta documentado no inquérito.
Alexandre de Moraes afirma que deu "amplo e integral acesso" ao inquérito sobre a suposta tentativa de golpe de Estado às defesas. Na sessão de hoje, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) disse que todos os advogados puderam analisar o material de forma apropriada, apesar das queixas.
Para análise dos fatos, nós tivemos acesso exatamente ao mesmo material probatório que a Procuradoria-Geral teve e as defesas tiveram. É isso que levará à rejeição ou ao acatamento da denúncia.
Alexandre de Moraes, ministro do STF
Advogados questionaram acesso
"A defesa tem direito a fazer o seu próprio recorte", afirmou advogado de Bolsonaro. Segundo Celso Vilardi, sua equipe só teve acesso às informações que embasaram o relatório da Polícia Federal. "E se na troca de mensagens nos telefones apreendidos, tiver algo que prova que Bolsonaro não participou do Punhal Verde Amarelo?", questionou ele para defender o acesso à íntegra do material.
"Nós temos os melhores momentos separados pela polícia", disse defesa de Braga Netto. Para o advogado José Luís Mendes de Oliveira, o acesso limitado a materiais apreendidos na casa de seu cliente, combinado ao processo de mais de 100 mil páginas, deixou a defesa "com os olhos cobertos" no caso.
Defesa de Augusto Heleno também reclamou da situação."O indivíduo vai ser condenado por um fato que não existiu. [Nós queremos] o acesso à integra das provas e não aos informes de polícia judicial", afirmou Matheus Milanez.
Já o advogado de Almir Garnier disse que teve acesso total aos autos. "Tudo que nós precisamos, nós recebemos", afirmou o advogado e ex-senador Demóstenes Torres, que lidera a defesa do ex-comandante da Marinha. Apesar disso, Torres defendeu que o caso deveria ser julgado pelo plenário do STF e não apenas pelos ministros da primeira turma.
O que está em jogo
Ex-presidente foi denunciado pela PGR em fevereiro. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou denúncia contra Bolsonaro e outras 33 pessoas pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Ministros analisam se a denúncia da PGR tem os elementos necessários para abertura de um processo. Se a acusação trouxer pontos que descrevam condutas que poderiam ser enquadradas como criminosas, a ação penal será iniciada. Se não houver elementos suficientes tiver, a denúncia é arquivada e termina o processo.
Somente após ser concluída esta etapa, é que os ministros irão se debruçar, de fato, sobre o mérito das acusações. É nessa fase que eles irão decidir pela condenação ou não dos envolvidos. Caso a ação seja aberta, a expectativa é que o STF ouça todos os envolvidos e testemunhas ao longo do segundo semestre.
Julgamento desta semana mira o chamado "núcleo crucial". O núcleo é formado por aqueles acusados pela PGR de liderar a tentativa de golpe. Outros quatro núcleos terão seus casos julgados posteriormente. A PGR optou pela divisão dos denunciados em grupos para agilizar o andamento dos processos.
Oito pessoas formam o "núcleo crucial". São elas: Bolsonaro, os ex-ministros Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.