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Convento instala caixa para depósito de bebês abandonados e causa polêmica na Croácia

Dentro da chamada "Janela da Vida" há uma cama aquecida e brinquedos - Damir SENCAR / AFP
Dentro da chamada "Janela da Vida" há uma cama aquecida e brinquedos Imagem: Damir SENCAR / AFP

26/03/2025 13h52

Um local para depositar anonimamente bebês para adoção, uma espécie de janela incrustrada na parede de um convento na Croácia, vem gerando protestos de grupos de defesa dos direitos das mulheres.

Um local para depositar anonimamente bebês para adoção - uma espécie de janela incrustrada na parede de um convento na Croácia - vem gerando protestos de grupos de defesa dos direitos das mulheres.

Uma versão moderna da chamada "roda dos expostos" ou "roda dos enjeitados" da Idade Média, onde bebês indesejados eram deixados em igrejas, foi instalada em um convento localizado em um bairro tranquilo da capital Zagreb.

Sensores de movimento ativam um alarme nos celulares das freiras dentro da instituição religiosa e de um grupo católico antiaborto quando a portinhola é aberta. O ângulo de uma câmera de segurança garante que a pessoa que deixa o bebê não seja identificada.

"O objetivo é salvar vidas e prevenir o infanticídio", disse Alberta Vrdoljak, chefe do grupo Betlehem Zagreb, que administra a "Janela da Vida", em entrevista à AFP.

Fachada do convento com a "Janela da Vida" em Zagreb, na Croácia - Damir SENCAR / AFP - Damir SENCAR / AFP
Fachada do convento com a "Janela da Vida" em Zagreb, na Croácia
Imagem: Damir SENCAR / AFP

No entanto, a Rede de Mulheres da Croácia condenou a iniciativa, classificando-a como "ilegal, perigosa e contra o melhor interesse da criança", pedindo sua remoção.

A representante do grupo antiaborto cita o caso de um recém-nascido abandonado em um parque perto de Zagreb, em maio do ano passado, o que mostraria a necessidade do recurso da baby box (caixa de bebê), segundo ela. A criança sobreviveu após ter sido encontrada por dois adolescentes.

Embora a baby box, batizada como "Janela da Vida", ainda não tenha sido usada, seus administradores afirmam que a polícia e os serviços médicos serão informados caso isso aconteça.

"A sociedade precisa de um lugar assim, oferecendo uma solução para casos raros, mas que acontecem", disse Zvonimir Kvesic, outro membro do grupo.

Aborto ilegal

O aborto é legal na Croácia, mas tornou-se menos acessível, já que a maioria dos ginecologistas em hospitais públicos se recusa a realizá-lo.

Alguns alertam que a baby box opera em um vazio jurídico, permitindo possíveis irregularidades.

"Pode parecer uma boa ideia, mas, no fim, é mais uma forma de fazer as mulheres se sentirem mal por abortar, oferecendo uma 'alternativa'", disse Mia Knezevic, funcionária de Zagreb, à AFP.

Vrdoljak rejeitou fortemente essa acusação, dizendo que "se trata de uma alternativa ao infanticídio, não de proibir o aborto".

A organização Betlehem Zagreb, que também administra uma casa segura para mulheres e outra para mães solteiras, afirma estar apenas "dando uma ajuda ao sistema".

Porém, autoridades alertam que abandonar uma criança é um crime na Croácia, e o ministério da Política Social abriu uma investigação.

"Embora salvar vidas seja nobre, é preciso considerar as questões éticas e legais que um lugar assim impõe", disse a defensora dos direitos das crianças Helenca Pirnat Dragicevic à AFP.

Direito à identidade

Dragicevic citou o direito da criança de conhecer sua identidade, garantido por uma convenção da ONU, e destacou a necessidade de abordar as causas do abandono infantil.

O Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança, sediado em Genebra, tem alertado contra o uso das baby boxes, pedindo aos países que busquem alternativas.

Por outro lado, alguns especialistas defendem essa prática. "O direito à vida supera o direito à informação sobre a origem biológica", afirmou a professora de direito da Universidade de Zagreb, Aleksandra Korac Graovac, à mídia local. "Uma criança sem o direito garantido à vida não possui nenhum outro direito", completou.

Pelo menos 10 países europeus - Áustria, Bélgica, República Tcheca, Alemanha, Hungria, Itália, Lituânia, Polônia, Eslováquia e Suíça - possuem baby boxes, segundo o grupo Betlehem Zagreb. Elas também existem na China, Índia, Japão e EUA.

"É uma prática da Idade Média, não do século XXI, mas se salvar uma vida, ainda vale a pena", disse Lea, uma advogada de 33 anos que preferiu não revelar seu sobrenome.

Dados oficiais mostram que seis casos de infanticídio foram registrados na Croácia na última década.

"Em Nome da Família"

Diferente de outros países europeus, o parto anônimo não é permitido na Croácia, embora o ministério da Saúde tenha criado um grupo de trabalho para discutir o tema no ano passado.

No mês passado, outro grupo ligado à Igreja, chamado "Em Nome da Família", propôs uma lei para permitir o parto anônimo e tornar obrigatória a instalação de baby boxes em hospitais.

Nos Estados Unidos, as caixas para bebês existem em vários estados, muitas instaladas pela ONG antiaborto Safe Haven, projetadas para permitir que pais em crise entreguem anonimamente seus recém-nascidos de forma segura e legal. Essas caixas são geralmente instaladas em paredes externas de estações de bombeiros e hospitais. Quando um bebê é colocado dentro, a porta externa trava automaticamente, e uma porta interna permite que o pessoal médico recupere a criança de forma rápida e segura, garantindo cuidados imediatos.

Grupos antiaborto nos Estados Unidos, como a Safe Haven, lutam para expandir a legislação para a criação de mais locais para depósitos anônimos de bebês, principalmente após a lei do aborto (Roe v. Wade) ter sido revogada em 2022.

A legislação brasileira não prevê um mecanismo formal semelhante às baby boxes. O abandono de incapaz é considerado crime, conforme o Artigo 133 do Código Penal Brasileiro. No entanto, existem alternativas legais para mães que não desejam ou não podem ficar com seus filhos, como a entrega voluntária para adoção, conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Origem histórica

As baby boxes têm origem histórica nos foundling wheels (rodas dos enjeitados) da Europa medieval. Esses dispositivos eram comuns em conventos e igrejas, permitindo que mães deixassem anonimamente seus bebês indesejados ou que não podiam criar, evitando o abandono em locais perigosos.

Eram cilindros de madeira giratórios embutidos em paredes, permitindo que o bebê fosse colocado de um lado e recolhido do outro sem contato visual.

(com AFP)

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