Após ouvir defesa, STF deve tornar Bolsonaro réu por tentativa de golde de Estado
A sessão começará com o voto do relator, Alexandre de Moraes, seguido, nesta ordem, pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Nesta etapa, não são definidas penas - trata-se apenas do acolhimento da denúncia, ou seja, de avaliar se a investigação produziu elementos suficientes para transformar o inquérito em processo penal. O julgamento definitivo do caso pode ocorrer até o fim do ano.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Não por perseguição, mas porque os indícios são considerados robustos, Jair Bolsonaro vai se tornar réu na ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado no Brasil. A expectativa é que a decisão saia nesta quarta-feira (26), na primeira turma do Supremo Tribunal Federal.
Aliados do ex-presidente, que pregam anistia e tentam afastar a tese de ruptura, já definiram a linha do discurso que vão usar em torno do caso.
"Elize Matsunaga que esquartejou o esposo, foi condenada a 16 anos enquanto mulheres com bandeiras, com bíblias, podem ser condenadas a 17 anos. Qual o critério? Golpe? Que golpe? Quem estava à frente do golpe? Qual é a instituição? Exército, Marinha, Aeronáutica?", indagou diante das câmeras de TV o líder da oposição Luciano Zucco (PL/RS), antes de entrar no prédio do STF para acompanhar a sessão com Bolsonaro, nessa terça-feira.
Para o Ministério Público, as perguntas são de fácil resposta, a partir da investigação da Polícia Federal. "Os delitos descritos na denúncia não são de ocorrência instantânea. Eles compõem uma cadeia de acontecimentos articulados para que, por meio da força ou da sua ameaça, o presidente da República, Jair Bolsonaro, não deixasse o poder, ou a ele retornasse, contrariando o resultado das eleições", descreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao defender o recebimento da denúncia contra Bolsonaro e demais acusados.
"A organização criminosa documentou o seu projeto e, durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens reveladores da marcha, da ruptura da ordem democrática", acrescentou.
Alguns detalhes chamaram a atenção no primeiro dia de julgamento, como a defesa do general Augusto Heleno que, ao defender o militar, lavou as mãos em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
"O que a Procuradoria-Geral da República traz contra o senhor Augusto Heleno? Primeiro, que ele teria participado de uma live no dia 29 de julho de 2021. E aqui participar, senhores, é tal qual os servidores que estão atrás dos senhores. Ele ficou sentado, não falou uma palavra, não fez um gesto, não fez absolutamente nada. Quem participou da live falando e atuando em primeiro plano seria o ex-presidente Jair Bolsonaro", comparou o advogado Matheus Milanez.
Outro momento de destaque foi quando o advogado Paulo Garcia Pinto, defensor do ex-diretor da ABIN Alexandre Ramagem, foi indagado pela ministra Carmén Lúcia sobre a atuação da Agência Brasileira de Inteligência sobre urnas eletrônicas.
"Vossa Excelência disse que é dever da Abin apurar a segurança e a fiscalização das urnas no processo eleitoral. Foram essas suas palavras?", questionou. "Eu disse que essa função se relaciona às funções institucionais da Abin, cuidar, zelar pela segurança do processo eleitoral porque é um tema de soberania nacional", respondeu Ramagem. "Vossa Excelência anotou urnas e urnas são de outro poder", disse Carmén Lúcia.
A linha da defesa se baseou em dois pontos principais. Um deles foi bater o pé de que não teve acesso a tudo o que a Polícia Federal apreendeu nas apurações.
"A Polícia Federal comandou as investigações de forma pulverizada, despejando nesse processo mais de 115 mil páginas. Estamos falando em 2 mil gigabytes de documentos. Isso foi feito de maneira organizada? Evidentemente que não. A defesa não teve a menor condição de analisar o que foi produzido. Eu não tive acesso ao que foi aprendido na casa do general Braga Netto", reclamou José Luís de Oliveira Lima, que já foi advogado do petista José Dirceu e hoje faz a defesa do ex-ministro de Bolsonaro.
Análise do processo
O relator Alexandre de Moraes frisou que não se trata do julgamento das acusações, mas sim de analisar se o processo seguirá em frente, se há indícios suficientes de autoria. Se a denúncia for acolhida, a próxima etapa terá por foco justamente o esforço do Ministério Público em comprovar os fatos. O julgamento definitivo, em que serão definidas eventuais penas, pode acontecer até o fim do ano.
"Não me parece que o Ministério Público tenha se utilizado de qualquer prova ou indício que a defesa não tenha tido acesso também. Até porque todos os advogados acompanharam desde sempre as investigações. Eu pus no voto, cada vez que que houve acesso nas investigações pelos advogados. Inúmeros e inúmeros acessos, sempre a todas as provas e todos os documentos juntados aos autos", rebateu Moraes.
Outro "mantra" da defesa foi tentar descredenciar a delação do ex ajudante de ordens do presidente, tenente-coronel Mauro Cid. "O delator tem que falar e o Estado tem que trazer as provas para condenar alguém", protestou o advogado Celso Vilardi, criminalista também conhecido por defesas em casos como mensalão e lava jato e que desta vez esteve no STF para fazer a defesa de Jair Bolsonaro.
"O que aconteceu aqui é que ele falou, mentiu e o Estado tinha indícios e aí ele se adequa ao Estado. É o colaborador que corroborou a versão da Polícia Federal. E numa audiência que se traduziu numa coleta de provas", declarou.
"Eu entendo a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de Janeiro. Mas não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao presidente da República, o colocando como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de Janeiro. Pelo contrário, ele a repudiou", argumentou Vilardi.
Por unanimidade os ministros afastaram as críticas dirigidas à delação premiada de Mauro Cid. "É um meio de obtenção de prova como tantos outros disponíveis no direito positivado. Eu não quero crer que uma autoridade militar do alto escalão do Exército Brasileiro, que fez juramento inclusive de pôr sua vida a serviço da pátria, que tem treinamento militar iria se intimidar numa audiência conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, que cumpriu neste caso não uma possibilidade, ele cumpriu um dever. Grave teria sido se ele não tivesse feito a audiência", pontuou o ministro Flávio Dino.
Bolsonaro acompanhou presencialmente a sessão. Quem conduziu os trabalhos foi Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula, conhecido pelos embates com o então juiz Sérgio Moro. O voto divergente do dia ficou por conta de Luiz Fux, o único dos cinco a discordar do julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal e, mais especificamente, por uma das turmas da corte.