Depardieu nega 'apalpar' mulheres em set mas se torna principal 'vilão' do #MeToo do cinema francês
Gérard Depardieu, uma das maiores lendas do cinema francês e recentemente envolvido em polêmicas com a justiça, contestou nesta terça-feira (25), durante seu julgamento em Paris por agressões sexuais, a alegação de que "se divertiria apalpando" mulheres. O ator criticou o movimento #MeToo que, segundo ele, pode se transformar em "um terror". Muito aguardado, o depoimento da também estrela do cinema francês, Fanny Ardant - que se posicionou contra Harvey Weinstein em 2017 - é previsto para hoje.
"Sim, eu contesto os fatos!", exclamou Gérard Depardieu, ao depor no tribunal criminal de Paris. "Há vícios que eu não conheço", continuou o ator francês de 76 anos, que se manifestou pela primeira vez, no segundo dia de seu julgamento.
Após o resumo dos fatos feito pelo presidente do tribunal, Depardieu levantou-se lentamente para se aproximar da tribuna e se sentou em um banco. "Não vejo razão para me divertir apalpando uma mulher, suas nádegas, seus seios. Não sou um esfregador no metrô", afirmou.
O ator relembrou suas memórias durante as filmagens do filme Les Volets verts, de Jean Becker, em 2021, especialmente o dia 10 de setembro, quando, segundo Amélie, decoradora de sets e uma das duas denunciantes, ele teria agido de maneira agressiva, prendendo-a entre suas coxas, tocando seu púbis e subindo até seus seios.
O "vilão" do #MeToo do cinema francês
Ícone incontestável do cinema francês, Gérard Depardieu se tornou um dos principais alvos do movimento #MeToo no país. Em 2018, logo após o furacão de denúncias contra Harvey Weinstein, nos Estados Unidos, que deflagrou o movimento mundial ainda em 2017, a atriz acusou Depardieu de tê-la agredido sexualmente várias vezes. Esse depoimento é considerado um marco no contexto do movimento #MeToo na França.
Na sequência, a atriz Charlotte Arnould apresentou uma queixa contra Depardieu em 2018 por agressões sexuais. Ela afirma que Depardieu a agrediu durante uma filmagem em 2016. O procurador da República relançou assim a instrução, garantindo que novas investigações fossem realizadas, especialmente para verificar se as acusações se aplicavam a um contexto semelhante às acusações anteriores, dando continuidade ao processo.
Em 2021, várias outras mulheres também afirmaram ter sido vítimas de comportamentos inadequados por parte de Gérard Depardieu. Cerca de 20 delas chegaram a testemunhar de forma anônima na imprensa ou no âmbito da investigação, mas vários processos foram arquivados devido à prescrição dos fatos.
Em junho de 2023, após vários meses de investigações, o procurador da República de Paris anunciou que acusações formais de estupro e agressões sexuais foram apresentadas contra Depardieu. O procurador solicitou um julgamento para esses crimes, o que abriu caminho para um processo judicial mais aprofundado. O julgamento começou há dois dias em Paris.
Vale lembrar que Depardieu não é a única personalidade acusada do #MeToo do cinema francês, mas pelo seu status internacional e pela escalada de seu processo, o astro acabou galvanizando todas as atenções na França.
Em 2018, Sand Van Roy também acusou Luc Besson, o diretor de "Léon" e "O Quinto Elemento", de tê-la estuprado em maio de 2018. Embora a investigação sobre essa acusação não tenha levado a uma acusação formal, o caso foi amplamente divulgado no contexto do movimento #MeToo. Luc Besson sempre negou essas acusações.
O #MeToo na França permitiu uma liberação da palavra, especialmente na indústria do cinema, onde figuras poderosas foram responsabilizadas por seus comportamentos inadequados. Os depoimentos de atrizes como Adèle Haenel (contra o diretor Christophe Ruggia), Charlotte Arnould, Sand Van Roy e Géraldine Nakache destacaram abusos de poder e abriram caminho para um debate nacional sobre a cultura do estupro, o assédio sexual e a impunidade no cinema francês.
Depardieu na audiência : "O que seria vulgar?"
"Era sexta-feira, estava calor e abafado (...), eu peso 150 kg, estava de mau humor. Uma mulher me olhou de maneira estranha, até era bonita, mas fechada, com o celular na mão", recordou Depardieu, referindo-se a Amélie.
Após uma discussão acalorada sobre o cenário do filme, o ator contou que a segurou pelas coxas "somente para não escorregar", tamanha a sua "frustração com o trabalho".
Na plateia, sentada na primeira fila ao lado da outra denunciante, Amélie, hoje com 54 anos, ouvia atentamente o acusado.
Questionado sobre os comentários grosseiros que teria feito à decoradora, Depardieu se irritou: "O que é vulgar? Dizer 'xoxota'? 'Xoxota', mas isso acontece o tempo todo, até comigo mesmo, acho engraçado!"
Chamada a depor após ele, Amélie apresentou uma versão completamente diferente dos acontecimentos.
Segundo ela, durante as filmagens, Depardieu "gesticulava" e "murmurava". A decoradora disse que "ele sempre tinha um comentário sobre as mulheres, sobre o que elas estavam vestindo. Não era de forma alguma o senhor que vemos aqui hoje".
"Terror"
A decoradora contou que, durante uma conversa sobre o cenário do filme, Depardieu procurava por guarda-sóis dos anos 70 para as filmagens no sul da França.
Amélie continuou calmamente a acusar o ator: "Ele fechou as pernas, me segurou pelas coxas", ela demonstrou na tribuna. "Ele me puxou, me apertou, com muita força e começou a me amassar", disse Amélie, relembrando "o rosto enorme dele", "seus olhos vermelhos e muito excitados", além das palavras de Depardieu: "Vem tocar no meu grande guarda-sol, vou te enfiar ele na xoxota!"
Questionada pelo presidente do tribunal sobre o intervalo de três anos entre o ocorrido e a denúncia feita em 2024, Amélie explicou que não sabia como definir o que aconteceu como agressão sexual.
"Eu não queria falar sobre isso, me sentia humilhada. Estava indo muito bem profissionalmente e, se eu denunciasse, o filme seria interrompido", acrescentou. Sentado atrás dela, Gérard Depardieu, imponente em seu terno preto, balançava a cabeça, mas não reagiu.
Na tribuna, ele criticou o movimento #MeToo, que considera responsável por seu julgamento: "Esse movimento vai se transformar em um terror", alertou. "Eu digo a essas mulheres que seria bom refletirem sobre o que [a filósofa do século 19] Madame [Germaine] de Staël disse: 'A glória é o luto brilhante da felicidade'".
(RFI com AFP)