'Volte para sua terra': casos de xenofobia contra brasileiros têm alta de 20% em Portugal
Nos últimos anos, Portugal se firmou como um destino popular para imigrantes, especialmente brasileiros em busca de melhores oportunidades. Entretanto, essa crescente comunidade enfrenta um aumento preocupante nos casos de xenofobia.
De acordo com dados da AIMA (Agência para a Migração e Asilo) e da CICDR (Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial), houve um aumento de 30% nas queixas de xenofobia entre 2022 e 2024. Em 2024, 150 dos casos registrados envolveram brasileiros, representando um aumento de 20% em relação ao ano anterior.
Larissa Abreu, empresária de 38 anos e residente em Portugal desde 2018, notou essa mudança recente. "Nos últimos anos, realmente tem havido um aumento enorme de relatos de xenofobia contra brasileiros, tanto no dia a dia quanto nas redes sociais. Além de situações sutis de preconceito, sou constantemente atacada online por compartilhar minhas experiências."
Para Larissa, as dificuldades não se limitam a insultos. "Quem me conhece sabe que eu adoro viver em Portugal, mas também não ignoro quando um serviço ou experiência poderia ter sido melhor. Quando expresso isso, sou alvo de ataques violentos, como 'volte para sua terra' ou insultos extremamente agressivos como 'sua favelada, sua macaca'! Isso mostra uma forte resistência em aceitar críticas vindas de brasileiros, mesmo quando são construtivas."
Larissa destaca que o preconceito está presente em vários aspectos da vida. "No ambiente profissional, essa mentalidade resulta numa desvalorização e na necessidade de provar constantemente nosso valor. E na vida pessoal, percebemos esse preconceito, especialmente na busca por moradia, onde muitas vezes os brasileiros enfrentam exigências desproporcionais."
A AIMA aponta que os brasileiros representam a maior comunidade de imigrantes em Portugal, com mais de 500.000 residentes. Este fluxo migratório reflete condições favoráveis, mas expõe desafios no combate à xenofobia.
Desafios legais e a necessidade de denúncia
Larissa acredita que "existe uma discriminação estrutural contra brasileiros em Portugal, apesar da relação histórica e da língua em comum". Ela optou por empreender devido à dificuldade de encontrar oportunidades justas no mercado de trabalho. "Precisamos sempre demonstrar um esforço extra para ser reconhecidos e respeitados", ressalta.
A falta de apoio é outra preocupação. "Como brasileira, muitas vezes me sinto acuada em denunciar. Deveria haver uma linha direta acessível para denúncias, prática e sem burocracia", afirma a empresária. A insegurança e o medo de represálias dificultam ainda mais essa ação. "Existem discursos institucionais que falam sobre combate à xenofobia, mas muitos brasileiros não sabem como buscar apoio ou sentem que as denúncias não geram mudança."
Ataque a advogada brasileira gera debate sobre xenofobia
A advogada brasileira Anna Luiza Pereira, que vive em Portugal desde 2020, relata a dificuldade que enfrentou ao tentar registrar uma denúncia de xenofobia nas redes sociais. "O policial na delegacia me disse que 'isso não daria em nada'. É muito difícil registrar crimes não visíveis, como agressões verbais. Aqui em Portugal, a legislação é um pouco mais fraca, o que torna o processo ainda mais complicado," conta.
O ataque contra a advogada ocorreu após a divulgação de uma entrevista no podcast "Papo com Fado", que tem como objetivo compartilhar as histórias de imigrantes brasileiros que residem em Portugal. "Na nossa última gravação, entrevistamos Larissa Abreu, que falou sobre sua experiência de maternidade e comparou as maternidades privadas em Portugal com as do Brasil. Ao comentarmos sobre isso, fizemos um corte do episódio e publicamos no Instagram. A partir dessa postagem, uma senhora desconhecida, cujo perfil se identifica como Glória Pires, começou a tecer comentários depreciativos", relata.
A advogada conta que os ataques foram agressivos e racistas. "Ela fez comentários considerados extremamente ofensivos, como 'vá pentear macacos' e 'volte para a sua terra'. Disse também que 'ninguém quer vocês aqui', acompanhada de uma série de posts que geraram uma discussão acalorada entre os usuários envolvidos na conversa", detalha.
Apesar da hostilidade, Anna também destaca que muitos portugueses se manifestaram em defesa dos brasileiros, expressando seu descontentamento com as atitudes xenofóbicas. "Foi uma situação muito complicada, pois fomos extremamente agredidos. Além disso, essa senhora já vinha fazendo comentários xenofóbicos em minhas publicações pessoais sobre imigração há mais de seis meses, evidenciando um padrão de comportamento problemático."
Esse incidente levanta questões sobre a crescente xenofobia em Portugal e o papel que as mídias sociais desempenham na disseminação de discursos de ódio, ao mesmo tempo que destaca a necessidade de um diálogo mais respeitável e inclusivo na sociedade.
Como denunciar?
Anna oferece dicas para as vítimas de xenofobia. "Insista na denúncia. Leve o que puder como prova, como prints e gravações. Vá preparado para não deixar dúvida que você vai seguir em frente. Registre a ocorrência na polícia e também nas plataformas de redes sociais, que têm ferramentas para denunciar discursos de ódio."
Ela enfatiza a importância de recorrer à CICDR. "Pode-se fazer uma denúncia online ou por e-mail, que é uma alternativa mais tranquila." A legislação portuguesa prevê punições para crimes de ódio e discriminação, mas muitos casos de xenofobia acabam sem consequências para os agressores. Mas, segundo Anna, as "denúncias precisam ser registradas".
Ticiane Fidelis, carioca e residente em Portugal há seis anos, conta que teve um contrato de alugue negado simplesmente devido à sua nacionalidade. "O consultor imobiliário disse que o proprietário não alugava para brasileiros," relata.
Cada vez há mais casos de brasileiros em Portugal que compartilham vídeos na internet, com registros de ataques de xenofobia e racismo. No entanto, especialistas aconselham que a melhor abordagem é entregar esses materiais às autoridades competentes para a devida investigação e ação legal. Ticiane, que também fez denúncia na polícia, diz estes ataques são muito frequentes.
"Acredito que, nas redes sociais, esse tipo de ataque ocorre principalmente porque muitas pessoas se sentem protegidas atrás de uma tela, achando que a internet é uma terra sem lei. Essa sensação de impunidade, sem dúvida, incentiva esse comportamento. No início, confesso que isso me afetou profundamente e despertou gatilhos, me fazendo questionar se realmente precisava passar por essa situação. Contudo, hoje me sinto muito mais forte e preparada para me defender contra esses ataques."
Segundo a brasileira, a impunidade e o cenário político em Portugal têm sido favoráveis ao aumento da xenofobia. A utilização da retórica anti-imigração, que culpa imigrantes por problemas sociais ou econômicos, reforça estigmas negativos, incentivando atitudes xenofóbicas na sociedade.
"Portugal está em um momento em que os imigrantes são usados como bodes expiatórios. O problema da habitação e da saúde é frequentemente atribuído aos imigrantes, sem qualquer embasamento," critica Ticiane. Ela acredita que é fundamental denunciar, mesmo que não resulte em nada. "Quanto mais pessoas denunciarem, maior será a pressão para que as autoridades tomem medidas contra aqueles que praticam a xenofobia. Só assim podemos combater esse tipo de discriminação e exigir mudanças efetivas".