Governo Trump pode punir Moraes? Entenda a Lei Magnitsky
O descontentamento com decisões do ministro Alexandre de Moraes motivou apelos por sanções internacionais nos EUA, com base em uma lei americana. Especialistas ouvidos pelo UOL explicam os critérios da legislação, alertam para riscos de uso político e apontam conflito com a soberania nacional.
O que aconteceu
A Lei Magnitsky ganhou destaque no debate público após ser apontada por críticos de Alexandre de Moraes como possível base legal para sanções contra o ministro nos EUA. Críticos do magistrado, incluindo o bilionário Elon Musk, passaram a defender sua inclusão na lista de sanções dos EUA por supostas violações de direitos humanos. A sugestão, no entanto, é vista por especialistas em direito internacional como um desvirtuamento da legislação.
A ofensiva contra Moraes ganhou corpo após a viagem de Eduardo Bolsonaro aos Estados Unidos, onde tentou convencer parlamentares republicanos a adotarem sanções contra o ministro com base na Lei Magnitsky. A atuação foi vista como parte de uma estratégia para internacionalizar o embate político e pressionar o Judiciário brasileiro com apoio externo.
Aprovada em 2012 e ampliada em 2016, a Lei Magnitsky permite que os EUA apliquem sanções unilaterais contra estrangeiros acusados de corrupção grave ou violações sistemáticas de direitos humanos. As punições incluem o bloqueio de bens em solo americano, o congelamento de contas e a proibição de entrada no país. Não há necessidade de processo judicial — basta uma decisão do Executivo com base em relatórios ou documentos de organizações internacionais, imprensa e testemunhos.
Segundo o texto da própria legislação americana, as sanções se aplicam a responsáveis por execuções extrajudiciais, tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e outras violações flagrantes dos direitos à vida, à liberdade e à segurança. A definição de "graves violações" está ancorada em tratados internacionais e exige conduta sistemática. Também podem ser punidos agentes que reprimem denúncias de corrupção ou impedem o trabalho de jornalistas e defensores de direitos.
As sanções podem ser impostas com base em provas não judiciais, mas precisam de fundamentação plausível. Segundo o advogado Daniel Toledo, especialista em direito internacional, a medida é executiva e envolve o Departamento de Estado, o Departamento do Tesouro e a Ofac (Office of Foreign Assets Control), órgão responsável por incluir nomes na chamada SDN list, que bloqueia o acesso ao sistema financeiro americano.
Já houve precedentes contra membros do Judiciário, mas apenas em regimes autoritários. Glória Caixeta, advogada internacionalista e CEO da XCF Global, lembra que a lei foi usada contra magistrados russos e contra autoridades da Turquia e de Hong Kong. "Esses casos envolviam perseguições políticas, julgamentos fraudulentos ou repressão estatal institucionalizada", destaca.
No caso brasileiro, os especialistas veem fragilidade nas alegações e risco de uso político da lei. Para Toledo, decisões judiciais polêmicas não configuram, por si sós, violações de direitos humanos. "Sem um padrão sistemático de repressão, seria uma aplicação extremamente controversa", avalia. Glória é mais direta: "Seria inadequado tentar enquadrar um ministro do STF brasileiro como violador de direitos com base nessa lei".
As sanções, mesmo que aprovadas, não teriam efeitos automáticos fora dos EUA. Embora o bloqueio de contas nos Estados Unidos seja imediato, a propagação dos efeitos dependeria da cooperação de bancos estrangeiros. "O congelamento fora dos EUA só ocorreria se instituições financeiras locais decidissem seguir as diretrizes americanas", explica Toledo.
Além disso, os dois especialistas alertam para os impactos diplomáticos e jurídicos do uso indevido da norma. "Tentar impor bloqueios de ativos em contas brasileiras violaria o princípio da soberania nacional", diz Glória. "O uso da lei como ferramenta de pressão política pode comprometer a credibilidade internacional dos EUA", completa Toledo.
Repercussão negativa
A repercussão internacional da aplicação da lei pode ser negativa até para os EUA. O advogado Marcelo Godke, professor da Faculdade Belavista, destaca que a Lei Magnitsky tem sido usada como instrumento diplomático, mas também político. "Ela serve para pressionar outros países a respeitarem os direitos humanos — mas, sim, pode gerar tensões diplomáticas, especialmente com nações não alinhadas", afirma.
Segundo Godke, os efeitos de uma sanção vão além do campo jurídico. "Há repercussões reputacionais severas. Uma pessoa sancionada pode sofrer restrições de viagem, apreensão de bens em outros países e ter sua imagem arranhada globalmente", explica. Ele evita citar Moraes diretamente, mas ressalta que a aplicação da lei "contra qualquer cidadão estrangeiro" já produz efeitos sensíveis no plano internacional.
O episódio também se conecta à disputa global sobre a regulação das Big Techs. Para Godke, o Judiciário brasileiro tem sinalizado disposição para enfrentar essas plataformas, enquanto os EUA, especialmente na atual administração, não demonstram interesse em regulá-las. "Isso gera uma tensão, porque empresas americanas têm presença global. E o país tem poder econômico e político para impor suas regras", conclui.