SP vai bancar custo bilionário para sinalização de trens de linhas privadas
O governo de São Paulo deve investir mais de R$ 10 bilhões de dinheiro público nas linhas 11, 12 e 13 dos trens metropolitanos de São Paulo, cujo leilão está marcado para a próxima sexta. Quase R$ 2 bilhões desse montante serão destinados à sinalização.
A troca do sistema de sinalização está no radar de um inquérito do Ministério Público de São Paulo, pois nas linhas 8 e 9, já privatizadas e operadas pela ViaMobilidade, o governo também considera a alteração a um custo de mais R$ 1 bilhão.
O que aconteceu
Edital prevê investimento de R$ 14,3 bilhões, sendo R$ 10 bilhões de aporte público. Segundo anexo, o Estado terá que arcar com esses R$ 10 bilhões ao longo dos 25 anos de concessão das linhas 11-Coral, 12-Safira, 13-Jade e do Expresso Aeroporto, da CPTM, que liga a capital paulista ao Aeroporto Internacional de Guarulhos.
R$ 1,8 bilhão será só para sinalização. O investimento inclui instalações e equipamentos de bordo, entre outros, segundo o anexo. A sinalização é um dos pontos-chave para atingir uma das metas citadas na concessão: reduzir o intervalo entre trens (logo, o tempo das viagens), conforme divulgou o governo.
Sistema europeu para controle dos trens é 'mandatório', diz edital. De acordo com o documento publicado pelo governo, para que se consiga atender ao tempo de viagem, "é mandatória a implantação de um sistema de sinalização padronizado, interoperável, de protocolo aberto e sem fornecimento exclusivo, ETCS Nível 2". ETCS quer dizer "European Train Control System" (sistema europeu de controle de trens).
Estado já investiu mais de R$ 1,6 bilhão para outras sinalizações. Segundo dados obtidos pelo UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação), o governo firmou desde 2009 contratos para outros sistemas, como ATP (sigla para proteção automática de trens), ATO (operação automática de trens) e CBTC (controle baseado em comunicações). "Importante destacar que a implementação do ETCS não significa perda dos investimentos anteriores, pois há formas de adaptação e convivência entre sistemas durante o processo de transição", diz o governo em nota ao UOL.
Instalações não foram concluídas. A CPTM (empresa pública responsável pelos trens metropolitanos antes das concessões à iniciativa privada) informou que só nas linhas 8-Diamante, 10-Turquesa e 11-Coral, investiu mais de R$ 1,3 bilhão no sistema CBTC, com uma média de 74% de instalação. Entre os investimentos estão:
- R$ 704 milhões no CBTC na linha 8 (75% implantado)
- R$ 695 milhões no CBTC para linhas 10 e 11 (64% implantado)
- R$ 107 milhões no ATO para linhas 9 e 12
- R$ 47 milhões no ATO para linha 9 (77% implantado)
- R$ 45 milhões para implantação de alterações entre estações Luz e Barra Funda
- R$ 42 milhões para adequações no centro de controle operacional Brás
MP apura qual a necessidade de novo investimento em sistema de sinalização
MP instaurou inquérito sobre medidas da concessionária. Conforme reportou o UOL, foi instaurado inquérito civil para investigar irregularidades supostamente cometidas pela concessionária que assumiu as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, a ViaMobilidade. Entre os pontos de investigação está o ETCS, a um novo custo de R$ 1 bilhão, "dos quais R$ 500 milhões seriam oriundos dos cofres públicos, prejuízos ao erário estadual e à população", diz o ofício.
Sinalização é essencial para segurança. É o sistema eletroeletrônico em que são emitidos sinais e codificação ao equipamento de bordo do trem: assim, um trem não se aproxima muito do outro, evitando colisões, definiu uma testemunha técnica ao MP.
ViaMobilidade e Estado discutem ETCS num acordo. Desde que assumiu as linhas 8 e 9, entre 2021 e 2022, a concessionária acumulou multas de mais de R$ 700 milhões. Para quitar a dívida, a concessionária e o governo estão negociando um "investimento adicional": o ETCS. A ViaMobilidade se responsabilizaria pela implantação dos sistema e ficaria com R$ 303 milhões de crédito com o Estado. O acordo, porém, ainda não foi firmado. Segundo resposta do governo ao MP, há diferenciais no ETCS.
UOL procurou ViaMobilidade e governo de Tarcísio de Freitas. A reportagem perguntou à concessionária e à Secretaria de Parcerias e Investimentos qual é a diferença entre os sistemas para justificar um novo aporte bilionário. A ViaMobilidade não respondeu. A secretaria encaminhou a demanda à Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), que informou que o ETCS é padrão internacional que permite a interoperabilidade entre diferentes linhas de trem, enquanto o CBTC é mais comum para metrôs.
CBTC é usado até hoje. A linha 4-Amarela do Metrô, gerenciada pelo grupo CCR (do qual a ViaMobilidade faz parte), utiliza o sistema CBTC — descrito, segundo "press kit" da concessionária, como "o que há de mais moderno".