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De empregada doméstica a artista consagrada: Madalena Santos Reinbolt ganha 1ª exposição solo em Nova York

23/03/2025 11h45

A arte popular brasileira conquista espaço nos Estados Unidos com a primeira exposição solo de Madalena Santos Reinbolt fora do Brasil. A mostra "A Head Full of Planets", em cartaz no American Folk Art Museum (AFAM), em Nova York, reúne 42 obras da artista, que foi empregada doméstica antes de se tornar um nome de destaque na arte têxtil.

Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

A organização da exposição é de Valérie Rousseau, curadora de arte contemporânea e do século 20 e presidente de curadoria do AFAM, que destacou a importância da mostra para o reconhecimento da artista no cenário internacional.

Madalena Santos Reinbolt nasceu em 1919, em Vitória da Conquista, na Bahia, em uma família pobre e numerosa. Desde muito jovem, ela precisou trabalhar, o que a levou, ainda na adolescência, a se mudar para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. Foi na capital fluminense que Madalena começou a trabalhar como empregada doméstica, primeiro em casas de família, até ser contratada como cozinheira por Lota de Macedo Soares, arquiteta responsável pelo projeto do Parque do Flamengo, e sua companheira, a poeta americana Elizabeth Bishop.

Foi nesse ambiente que Reinbolt teve contato com o mundo da arte. Inspirada pelo trabalho de Lota e pelas influências culturais que a cercavam, Madalena começou a criar suas primeiras peças usando materiais simples, como fios de lã e tecidos reaproveitados. A princípio, seus trabalhos eram presentes para amigos e familiares, mas logo começaram a chamar a atenção pela riqueza de detalhes e pela expressividade.

"A questão é que precisamos pensar no acesso aos materiais. É interessante quando voltamos ao básico: você vive em uma casa com poucos recursos, mas também tem esse conhecimento de trabalho têxtil. Então, como maximizar isso? E, para uma artista, é muito importante ter acesso a materiais", explica Valérie Rousseau.

Movimento e identidade nas obras

A exposição apresenta 42 obras, entre bordados e pinturas a óleo, que Madalena produziu ao longo de sua vida. As peças apresentam cenas vibrantes, retratando tanto a vida rural quanto as festas e celebrações populares. Entre os destaques, estão painéis de grandes dimensões que mostram dançarinos de samba, lavadeiras, procissões religiosas e festas juninas. A força e o dinamismo das figuras retratadas impressionam pela riqueza de detalhes e pela forma como a artista capturava movimento e emoção com fios de lã e tintas.

"O mais impressionante é como Madalena conseguia capturar o movimento. Seus bordados não são estáticos. As figuras dançam, os cenários ganham vida ? há uma dinâmica que reflete o que ela via e sentia. Ela usava a arte para contar histórias ? histórias que, de outra forma, seriam esquecidas", comenta Rousseau.

De artesanato a arte consagrada

Madalena começou a ganhar reconhecimento na década de 1960, quando suas obras foram exibidas em pequenas galerias no Rio de Janeiro. Na época, o trabalho da artista foi classificado como "arte popular", o que, segundo Rousseau, limitava o entendimento sobre a profundidade e complexidade de sua produção artística.

"A arte de Madalena era vista como 'artesanato', o que subestimava a sofisticação técnica e a força narrativa de suas obras. Hoje, nós a reconhecemos como uma artista completa, que desenvolveu um estilo próprio e uma linguagem artística única. Esse é o valor dessa exposição ? tirar Madalena do rótulo de 'arte popular' e colocá-la no lugar de artista consagrada", destaca a curadora.

Um ato político e cultural

A exposição também explora a dimensão política e social da obra de Madalena. Como mulher negra e pobre em um Brasil marcado pela desigualdade, sua arte é um testemunho das lutas e das resistências de seu povo. Os painéis bordados retratam cenas de trabalho rural, festas religiosas e protestos, sempre com um olhar crítico sobre as relações de poder e sobre o papel das mulheres na sociedade.

"Essa foi uma oportunidade de trazer uma figura que não recebeu o reconhecimento internacional que merecia para o centro das atenções. Foi muito interessante destacar como Madalena é uma artista que intersecciona diferentes existências: empregada doméstica, mulher negra e artista", explica Rousseau.

Legado e reconhecimento tardio

Durante muito tempo, a obra da artista foi desvalorizada e tratada como artesanato em vez de arte. Foi apenas nos últimos anos que seu trabalho começou a receber o devido reconhecimento, especialmente em mostras internacionais. Segundo Valérie Rousseau, essa exposição é um passo importante para corrigir essa injustiça histórica.

"A Madalena foi limitada em sua exposição a redes artísticas durante a vida porque ela precisava trabalhar em tempo integral e não tinha acesso ou suporte financeiro para se dedicar exclusivamente à arte. Mas, apesar disso, ela perseverou, e hoje sua obra chega até nós como uma grande inspiração. É uma lição sobre como artistas sem formação formal podem criar trabalhos incrivelmente complexos e cheios de significado", conclui Rousseau.

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