'Fatura foi de R$ 3.000 para R$ 87': ela estancou gastança impulsiva
A empresária Yara Cristina Fernandes, 25, perdeu o controle de suas finanças e precisou repensar seus gastos. Com uma coleção de cartões de crédito e parcelas intermináveis, o dinheiro que faturava com sua loja não era suficiente para cobrir as compras que fazia. As ofertas e novidades nas redes sociais também não a ajudavam. Ao UOL, ela conta como deu um basta.
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'Estava completamente descontrolada'
"É muito difícil simplesmente começar a economizar de um dia para o outro. Acredito que, primeiro, começamos a passar por situações complicadas, como atrasar o pagamento da fatura, parcelar o valor mensal do cartão ou ficar sem dinheiro para outras contas. Esse é o sinal de que você está gastando mais do que ganha.
Vivi essa situação. Estava completamente descontrolada com o cartão de crédito. Eu tinha uns quatro e ainda misturava com as contas da minha própria empresa. Virou uma grande bagunça.
Yara Cristina Fernandes
As redes sociais estão sempre nos mostrando itens novos e inovadores, principalmente o TikTok, dominado por influenciadores. E acabamos comprando sem pensar.
Sempre que vejo aquele meme 'primeiro eu compro, depois vejo como pagar', fico preocupada porque isso é muito sério.
'Passei a olhar para meu armário'
Minha mudança começou no final de 2022, porque estava vivendo uma realidade inaceitável para mim. Passei a olhar mais para dentro do meu armário e entender o que eu já tinha.
Comecei a me perguntar, antes de qualquer compra, se eu realmente precisava daquele item e se já não tinha algo semelhante em casa —fosse roupa ou cosmético.
Quando era mais jovem e meus pais pagavam minhas compras, eu fazia isso. Por que não poderia fazer agora? Encontrei roupas com etiqueta no meu armário que nunca havia usado.
Quando passei a morar sozinha, também comecei a comparar meus gastos supérfluos com as contas da casa e isso me ajudou a ter mais noção do dinheiro que estava desperdiçando. Eu poderia estar juntando para financiar uma casa ou comprar um carro, mas estava gastando com produtos.
Em determinado momento, comecei a me apertar e não tinha para onde correr e nem para quem pedir ajuda. As contas básicas começaram a pesar.
Eu tinha mais de um cartão de crédito e, em só um deles, a fatura passou dos R$ 3.000 em um mês --isso sem contar os outros.
Yara Cristina Fernandes
Como sou empreendedora, há períodos em que minha loja lucra mais e outros em que lucra menos. Comecei a pensar em arrumar um emprego fixo só para ter uma renda para cobrir as dívidas.
Uma amiga me acalmou e pediu para eu rever minhas contas, pois eu já estava misturando as finanças da empresa com a minha vida pessoal. Eu não estava ganhando pouco, apenas administrando mal.
Ao repensar minhas compras, minha fatura caiu de R$ 3.000 para R$ 87.
'Questione se precisa'
Minha dica para quem está passando pelo mesmo problema é: tenha consciência da sua realidade. Questione se realmente precisa daquela compra e evite parcelamentos —junte dinheiro e compre à vista.
Nunca fiz uma reserva de emergência, por exemplo, mas agora vou poder começar a poupar.
Consigo pensar no futuro e traçar metas. Quero ter minha casa, construir uma família. Vai dar certo.
Yara Cristina Fernandes
Estou endividado, e agora?
O relato de Yara sobre descontrole nos gastos ilustra uma situação comum à de muitos brasileiros. Em janeiro, havia 74,6 milhões de brasileiros endividados, segundo levantamento do Serasa. As principais dívidas dos brasileiros são com bancos e cartões de crédito. Em seguida, estão as dívidas com contas básicas como água, luz e gás.
O primeiro passo para organizar as finanças é sempre o mais difícil, mas também o mais importante, diz Juliana Inhasz, economista e professora do Insper.
É preciso saber quanto você ganha e quanto gasta todos os meses e ter coragem de encarar a sua situação financeira.
Juliana Inhasz
Com as informações sobre ganhos e gastos em mãos, será possível refletir sobre onde você está gastando mais e se esses gastos são realmente necessários. "Se houver dinheiro sobrando, ele deve ser destinado ao pagamento de dívidas em aberto ou à criação de uma reserva de emergência. Isso precisa estar no topo da sua lista de prioridades, antes de compras de roupas e produtos."
É importante não "desprezar" valores menores. Ou seja, nem adianta pensar: 'ah, mas R$ 200 é tão pouco que nem vale a pena guardar', pois, a longo prazo, esse valor faz diferença. "Se apenas guardarmos esse valor mensalmente, ao final de um ano teremos R$ 2.400. Se investirmos em um CDB, que é um investimento seguro, ainda podemos obter um rendimento de 10% sobre esse valor", diz a economista.
Outra dica importante: repense o cartão de crédito. "Ele é o vilão de quem está com as finanças comprometidas, assim como o cheque especial. Os limites são sempre muito maiores do que nossos salários, e, quando percebemos, já estamos endividados", alerta Inhasz.
Saia com o cartão de crédito no bolso apenas quando for usá-lo de forma planejada —nunca para compras impulsivas. "Assim, você evita gastos desnecessários", conclui.
Compra compulsiva pode ser transtorno
Ter dívidas é uma situação relativamente comum no Brasil (embora indesejável), mas em alguns casos pode indicar um problema mais grave: o transtorno de compra compulsiva. Ele é caracterizado pelo desejo incontrolável de adquirir bens, mesmo sem necessidade ou possibilidade financeira. Algumas características, segundo o Jornal da USP, são: preocupação excessiva com compras, perda de controle sobre o ato de comprar, aumento progressivo do volume de compras, tentativas frustradas de reduzir, compras para lidar com angústias, mentiras sobre comprar, além de prejuízos sociais, profissionais e familiares.
A compra por alívio é um sinal de alerta para esse tipo de transtorno, chamado de oniomania. Pessoas com oniomania frequentemente realizam compras impulsivas, motivadas por uma sensação de alívio momentâneo. Após o ato, é comum que sintam culpa, arrependimento ou frustração.
A conscientização sobre a importância do controle emocional e financeiro é um passo crucial. Reduzir a exposição a situações de gatilho em um primeiro momento, como promoções ou propagandas que incentivem o consumo impulsivo, também pode ajudar até a realização do devido tratamento.
*Com informações de reportagem publicada em 13/12/2024