É enganoso que estudo concluiu que vacinas contra covid não são seguras

Post engana ao afirmar que um estudo com 99 milhões de vacinados concluiu que as vacinas contra a covid-19 não são seguras para os humanos. A pesquisa buscou sinais de segurança para eventos adversos raros e os identificou para doenças que já eram conhecidas. Os resultados confirmam que as vacinas são seguras e ressaltam que o risco de complicações é maior após a infecção pelo vírus do que pela vacinação.
Conteúdo investigado: Post com a afirmação de que o maior estudo de segurança das vacinas contra a covid-19, envolvendo 99 milhões de indivíduos, confirmou que as injeções não são seguras para uso humano.
Onde foi publicado: X.
Conclusão do Comprova: O post engana ao afirmar que o estudo Global Vaccine Data Network (GVDN), com 99 milhões de indivíduos vacinados, estimou a probabilidade de desenvolver problemas de saúde após vacinação contra a covid-19 com os imunizantes Pfizer, Moderna e Astrazeneca. Também não é verdadeiro que a pesquisa concluiu que as vacinas não são seguras.
Conforme uma das autoras, Helen Petousis-Harris, co-diretora da GVDN e professora da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, as declarações não fazem sentido porque o estudo sequer estimou a probabilidade dos riscos. Além disso, o conjunto de evidências mostra que os imunizantes analisados são muito seguros e que eventos adversos graves são muito raros.
O estudo não é capaz de comprovar a associação entre as vacinas e os eventos adversos identificados. A autora explica que foram procurados sinais de segurança em uma série de eventos raros e que a metodologia utilizada é altamente sensível e projetada para detectar sinais para acompanhamento posterior. "(O estudo) ajuda a gerar hipóteses para teste", afirmou ao Comprova. Ou seja, para estabelecer relação causal (na qual um fenômeno é efeito de outro) são necessárias outras pesquisas.
A análise multipaíses confirmou sinais de segurança que já eram pré-estabelecidos para miocardite, pericardite, síndrome de Guillain-Barré e trombose do seio venoso cerebral, doenças citadas no post. O estudo conclui que os sinais identificados devem ser avaliados no contexto de sua raridade, gravidade e relevância clínica.
Os autores acrescentam que as avaliações gerais de risco-benefício da vacinação devem levar em consideração o risco associado à infecção, pois vários estudos demonstraram maior risco de desenvolver os mesmos eventos após a infecção pelo vírus do que pela vacinação.
Essa observação foi destacada pelo infectologista Unaí Tupinambás, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), consultado pelo Comprova. "A pesquisa mostra que as vacinas são seguras e que o risco destes eventos acontecerem com a infecção pelo vírus é muito maior".
A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), afirma que a principal conclusão do estudo é que o risco de síndrome de Guillain-Barré após infecção pelo vírus é maior que pela vacina. "O estudo confirmou todas as evidências de segurança por vacina que já existiam antes".
Não foi possível contatar o autor do post porque o perfil dele no X não oferece a opção de enviar mensagem direta.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post checado alcançou 64,1 mil visualizações até o dia 20 de março, além de 75 respostas, 265 compartilhamentos e 797 curtidas.
Fontes que consultamos: O estudo citado no post, uma das autoras e dois especialistas, uma doutora em imunologia e um doutor em infectologia.
O que diz o estudo
Publicado em 2024 na revista Vaccine, o estudo teve o objetivo de avaliar o risco de 13 eventos adversos de interesse especial após a vacinação contra a covid-19 em 10 locais de oito países. Para isso, incluiu dados de pouco mais de 99 milhões de indivíduos vacinados. No total, foram avaliadas 183,5 milhões de doses administradas pela Pfizer, 36,1 milhões de doses da Moderna e 23 milhões da Astrazeneca.
A metodologia utilizada foi Observacional versus Esperado. Nessa modalidade, é comparada a taxa de doença ou outros resultados de saúde em pessoas vacinadas com o esperado a partir de taxas populacionais ou dados epidemiológicos estabelecidos antes da vacina estar disponível. Foram considerados eventos adversos ocorridos até 42 dias após a imunização com produtos de mRNA (Pfizer e Moderna) e vetor de adenovírus (Astrazeneca).
Os autores apontaram que o risco após a vacinação foi geralmente semelhante ao risco de fundo para a maioria dos resultados. No entanto, alguns sinais de segurança potenciais foram identificados. Em relação à síndrome de Guillain-Barré e trombose do seio venoso cerebral, os autores observaram sinais de segurança potenciais após a primeira dose de Astrazeneca.
Isso não é novidade. A pesquisa lembra que, no geral, estudos de vacinas baseadas em vetores observaram uma maior incidência de síndrome de Guillain-Barré. Embora rara, a associação foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras entidades como um efeito colateral raro após a exposição a este imunizante. O risco aumentado de trombose do seio venoso cerebral também foi corroborado por vários estudos anteriores. Esse sinal de segurança também é raro, embora preocupante, por isso levou à retirada da vacina Astrazeneca de programas de vacinação contra a covid-19 ou à implementação de restrições baseadas na idade em vários países.
Também foram observados riscos significativamente maiores de miocardite após a primeira, segunda e terceira doses de Pfizer e Moderna, bem como pericardite após a primeira e quarta doses de Moderna. Desta forma, o estudo confirma os achados de casos raros previamente identificados dessas duas condições. Dadas as evidências, entidades como a OMS emitiram orientações atualizadas sobre esses sinais de segurança.
Mais um sinal de segurança potencial foi identificado para encefalomielite aguda disseminada após a primeira dose da vacina Moderna. O estudo destaca que o número de casos desse evento raro foi pequeno e o intervalo de confiança amplo, portanto, os resultados devem ser interpretados com cautela e confirmados em estudos futuros.
Embora alguns relatos de casos tenham sugerido uma possível associação entre a vacinação e o problema, não foi confirmado um padrão consistente em termos de vacina ou tempo após a vacinação. Estudos epidemiológicos maiores não confirmaram nenhuma associação potencial. A pesquisa lembra que relatos de casos podem citar eventos coincidentes e não estabelecer associação nem indicar causalidade, portanto, estudos observacionais maiores são necessários para investigar melhor essa descoberta.
A pesquisa foi desenvolvida pela GVDN, uma rede de pesquisa multinacional que utiliza conjuntos de dados para ajudar a garantir a segurança e o risco-benefício das vacinas por meio do monitoramento dos imunizantes. O monitoramento foi conduzido pelo programa Global COVID Vaccine Safety (GCoVS), que é financiado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Participaram especialistas da Dinamarca, Nova Zelândia, Austrália, Argentina, Canadá, Escócia, França, Finlândia, China e Estados Unidos.
Limitações apontadas pelos pesquisadores
Os autores do estudo destacam a necessidade de uma investigação mais aprofundada para confirmar associações e avaliar a significância clínica dos efeitos adversos.
Múltiplas limitações são apontadas no próprio documento pelos autores, principalmente porque as análises envolvem heterogeneidade na coleta de dados, qualidade e padrões de relatórios entre os países. Essas diferenças na infraestrutura de saúde e sistemas de vigilância podem introduzir viés e afetar a comparabilidade dos resultados.
As análises multipaíses também são suscetíveis a fatores de confusão populacional, como diferenças em condições de saúde preexistentes, fatores genéticos, perfis étnicos e padrões comportamentais. "Taxas de histórico específicas de idade e sexo que não são ajustadas para fatores como doença anterior podem não fornecer uma comparação adequada, por exemplo, nos estágios iniciais de uma campanha de vacinação em que pessoas com comorbidades foram vacinadas antes de outros grupos populacionais", explica o documento.
O que dizem os especialistas
A imunologista Cristina Bonorino observa que o principal problema da análise é que, em certo ponto, não há mais controle sobre quem tomou a vacina e também teve a infecção. "Eu separaria esse dado, mas um estudo grande assim não tem como ter esse controle. O problema deste estudo é conceitual - ele inclui pessoas que tiveram covid e se vacinaram - porque pegaram as amostras dos registros de saúde dos países e as informações não foram separadas, principalmente de pessoas internadas que deviam ter as duas coisas (vacinação e infecção pela doença)".
Ao analisar o post checado, ela diz que o autor inventa números que não estão nas conclusões do estudo e destaca que ele confirmou as evidências de segurança por vacina que já existiam antes. Como exemplo, cita que quando os pesquisadores quebraram a análise entre vacinas, identificou-se risco maior da síndrome após a vacina Astrazeneca, o que já se sabia. "Vacinas com adenovírus têm esse risco mesmo".
O infectologista Unaí Tupinambás diz que o estudo mostrou o contrário do que é alegado no post ao destacar que o risco destes eventos acontecerem com a infecção pelo vírus é muito maior que pelas vacinas.
Conforme ele, estudos apontam que o risco de eventos neurológicos - como no caso da síndrome de Guillain-Barré - após uma infecção aguda pelo coronavírus pode ser até 617 vezes maior do que após a vacinação contra a covid-19, reforçando que os benefícios da imunização superam amplamente os riscos.
Além disso, destaca, outros levantamentos estimaram que o número de casos adicionais de miocardite varia entre 1 e 10 por milhão de pessoas no mês seguinte à vacinação, um número significativamente inferior aos 40 casos extras por milhão registrados após a infecção pela doença.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Outros posts distorcendo o mesmo estudo foram desmentidos por Uol Confere, Estadão Verifica (1 e 2), AFP e FactCheck.org. O Comprova também já verificou conteúdos que desinformam sobre outros estudos envolvendo as vacinas, demonstrando ser falso que pessoas vacinadas tenham o dobro de chances de pegar covid e que um artigo que exige retirada dos imunizantes contra covid-19 do mercado tem erros e não é relevante no meio científico.
Notas da comunidade: Até a publicação desta verificação, não havia notas da comunidade publicadas junto ao post no X.
Este conteúdo foi investigado por O Estado de S. Paulo. A investigação foi verificada por Agência Tatu, O Popular, Folha de S. Paulo e Terra. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 20 de março de 2025.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.