WIDER IMAGE-No coração da Amazônia, parteiras cuidam de mulheres isoladas pela seca
(Ensaio fotográfico: https://bit.ly/4iJBX42)
Por Pilar Olivares e Manuela Andreoni
DEUS É PAI, Amazonas (Reuters) - No coração da floresta amazônica, uma mulher grávida precisa de ajuda.
Seu bebê está prestes a nascer, e uma seca drenou os rios que ligam sua comunidade ao hospital mais próximo.
Mas Tabita dos Santos Moraes está a postos. Ela é uma das centenas de parteiras tradicionais que ajuda mulheres a dar à luz em comunidades remotas da maior floresta tropical do mundo.
O sol quente da tarde escapava pelas frestas das paredes de tábuas da casa quando Mayleane Melo, de 22 anos, ajoelhou-se para aliviar a dor das contrações. Tabita se ajoelha ao lado dela.
"Relaxa", diz Tabita, sorrindo. "Vamos parir junto, nós duas".
Aos 51 anos, Tabita dos Santos Moraes se autodenomina a "mãe de umbigo" dos mais de 180 bebês que trouxe ao mundo. Sua bisavó ensinou as técnicas do parto a suas tias, que ensinaram sua mãe, que a ensinou, começando aos 15 anos de idade.
Tabita está passando o ofício ancestral para sua própria filha. Muitas mulheres jovens, porém, têm escolhido outros caminhos. As parteiras amazônicas estão envelhecendo, e muitas vezes não são substituídas. Hoje, muitas comunidades não têm mais parteiras.
Mas, por mais antigo que seja o ofício das parteiras tradicionais da Amazônia, seu trabalho é cada vez mais necessário.
Anos de secas extremas na floresta amazônica, atribuídas por estudos à mudança climática, tornaram mais perigosos os trajetos entre comunidades remotas e os hospitais da região. O desafio de prestar assistência médica às comunidades ribeirinhas só aumenta.
"Quando as pessoas não têm como sair das comunidades, quem vai fazer esse cuidado?", disse Júlio César Schweickardt, que estuda parteiras tradicionais na Fiocruz. "Nesses momentos, as parteiras são importantes."
Quando há água suficiente nos rios, o trajeto entre a comunidade de Deus É Pai, onde Tabita e Mayleane vivem, e o hospital em Tefé, a cidade mais próxima, leva quatro horas.
Mas dois anos de seca recorde transformaram muitos dos rios da Amazônia em pequenos riachos. Em momentos críticos, a viagem até Tefé pode levar mais de um dia, se o rio não estiver totalmente intransitável.
Como a maioria das mulheres, Mayleane planejava ter seu bebê em um hospital, onde qualquer complicação poderia ser tratada com mais facilidade do que em casa. Ela viajou para Tefé no início de outubro, no auge da seca, semanas antes da data prevista para o parto, para evitar o risco de entrar em trabalho de parto em um barco encalhado no leito do rio. Ela estava seguindo a orientação do governo local, parte de um plano de emergência para lidar com as consequências da seca.
Mas depois de alguns dias em Tefé, ela percebeu que não podia se dar ao luxo de passar tanto tempo longe de casa. Ela estava ficando com estranhos e sentindo falta da família, que não podia visitá-la porque a viagem era muito difícil. Então, ela voltou.
"Tem que ter dinheiro para ficar lá", disse Mayleane, sentada na porta de sua casa em uma tarde recente. "Aqui, a gente não precisa gastar nada".
APOIO DA COMUNIDADE
Mais de uma em cada 15 mulheres no Estado do Amazonas tem seus bebês fora dos hospitais, cerca de quatro vezes a média nacional, de acordo com estatísticas do governo. A mortalidade materna também é maior na região amazônica.
Embora as autoridades de saúde pública não tenham analisado como as secas ou enchentes afetam essas estatísticas, as parteiras se lembram de casos de mulheres que cancelaram viagens à cidade para dar à luz por causa das condições do rio. Uma delas, lembrou Tabita, teve um bebê a caminho do hospital porque a viagem demorou mais do que o esperado.
"É por isso que ter uma parteira na comunidade é tão importante", disse ela.
As autoridades de saúde pública dizem que precisam de parteiras para apoiar as mulheres que o governo não consegue alcançar.
Sandra Cavalcante, que chefia um departamento da Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, disse que, depois de 28 anos na região, ela ainda se surpreende com a imensidão da floresta a cada sobrevoo.
"Fico pensando: meu Deus, como é que se faz saúde num território desse?", disse ela de seu escritório em Manaus. O que ela aprendeu, acrescentou, é que "onde tem parteira tradicional, a mulher não morre."
Ainda assim, o governo não paga as parteiras tradicionais, a menos que elas concluam um treinamento formal reconhecido por instituições médicas.
A maioria das parteiras no Amazonas vive com menos de um salário mínimo, muitas vezes dependendo de transferências de dinheiro do governo para os pobres, de acordo com uma pesquisa de 2023.
Tabita disse que seu trabalho é voluntário, pois ela sabe que as famílias que ela ajuda não têm dinheiro para pagar. Mesmo assim, sua filha mais nova, Mariene, de 14 anos, está ansiosa para continuar o trabalho de sua mãe e das mulheres que vieram antes dela.
"Eu sinto muito orgulho delas", disse, sorrindo. "Eu também to tentando seguir a linhagem delas como parteiras."
TRADIÇÕES
Tabita estava tomando café da manhã em uma manhã de sábado quando Mayleane apareceu. Ela estava com dores há algumas horas. Tabita apalpou sua barriga por alguns minutos e lhe disse: "Está na hora".
Ela mandou Mayleane de volta para casa. Era hora de a parteira fazer o "caldo de caridade", uma sopa que daria força e calma à paciente. A base era a farinha da mandioca que ela e seu marido cultivavam, uma de suas principais fontes de renda. Ela acrescentou uma pitada de pimenta, um pouco de sal, alho e cebola. "Só fica gostoso com manteiga", disse ela, dando o toque final.
O "caldo de caridade" é uma das muitas tradições usadas pelas parteiras amazônicas.
Elas fazem chá com um algodão roxo nativo, para aliviar o inchaço, bem como muitas outras doenças. Fervem leite com sumo de mastruz para tratar cólicas. E aplicam pasta de mandioca aos seios para aliviar a inflamação de mulheres que têm dificuldades para alimentar seus recém-nascidos.
Para ajudar a retirar a placenta após o parto, Maria Delaide Pontes Cevalho, uma parteira de 72 anos em Tefé, disse que sacode a barriga duas vezes, torce o cordão umbilical, sopra e recita um verso: "Santa Margarida, eu não estou prenha, nem parida. Tira essa carne podre da minha barriga". A placenta é depois enterrada do lado de fora.
Algumas horas depois de tomar a sopa, Mayleane estava deitada em um colchão no chão, com os cabelos encharcados de suor, enquanto se contorcia em busca de conforto. Tabita a observou por um tempo, depois pegou sua mão.
"Olha dentro dos meus olhos e diz: eu vou conseguir fazer força", disse ela. "Agora é a hora do seu bebê nascer".
Enquanto Tabita a incentivava, Mayleane fez força até seu bebê escorregar para as mãos da parteira. Assim que Tabita pôs o bebê William na barriga da mãe, ele começou a chorar.
(Reportagem e fotografias de Pilar Olivares; reportagem e texto de Manuela Andreoni)