STF derruba "presunção de boa fé" de compradores de ouro
Por Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira pela inconstitucionalidade da chamada "presunção de boa fé" em negociações de ouro, um dispositivo legal que não penalizava compradores de ouro de origem ilegal por aceitarem a palavra do vendedor de que o metal não tinha origem criminosa.
Pelo menos seis dos 11 ministros da Suprema Corte seguiram o voto do relator da matéria, Gilmar Mendes, no julgamento do mérito da ação em plenário, o que já configurou maioria. Os efeitos da lei já estavam suspensos desde abril de 2023 por uma liminar do relator.
A inclusão da “presunção de boa fé” na legislação fora aprovada em 2013, em um trecho enxertado em medida provisória que não tratava do tema, e sim de agricultura -- uma manobra legislativa conhecida como “jabuti”. A medida foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff.
A mudança na lei é apontada como uma das principais razões para o avanço da exploção do garimpo ilegal, especialmente dentro de terras indígenas, já que previa que os compradores de ouro poderiam aceitar a palavra do vendedor sobre a origem legal do metal. Se fosse depois confirmada a origem ilegal, as empresas compradoras não poderiam ser responsabilizadas.
A decisão do STF foi tomada em resposta a uma Ação Direta de Incostitucionalidade impetrada pelos partidos Rede Sustentabilidade e PSB. Em seu voto, Gilmar Mendes afirmou que a legislação aprovada em 2013 sabotava "a efetividade do controle de uma atividade inerentemente poluidora", e que não apenas facilita, como "serve de incentivo à comercialização de ouro originário de garimpo ilegal".
Em junho de 2023, o governo federal enviou ao Congresso um projeto de lei alterando a legislação. O texto prevê, entre outros pontos, a instituição de um documento eletrônico com diversas informações do comprador e do vendedor e, principalmente dados que dêem precisão ao local de mineração do metal.
O texto, no entanto, está parado desde novembro daquele ano, quando foi designado o deputado Marx Beltrão (PP-AL) como relator.
Em sua decisão, Gilmar Mendes aponta a lentidão da tramitação da lei e determina a adoção, pelo governo federal, de medidas regulatórias e administrativas que "inviabilizem a aquisição de ouro extraído de áreas de proteção ambiental e terras indígenas, estabelecendo, inclusive, diretrizes normativas para a fiscalização do comércio do ouro, especialmente quanto à verificação da origem legal do ouro."
Um estudo feito entre 2019 e 2020 por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Ministério Público Federal (MPF) mostrou que pelo menos 30% do ouro exportado pelo Brasil naqueles anos teria origem ilegal.
Mas apenas os dados de produção anual e exportação de ouro do Brasil já mostram que o país anda vendendo várias toneladas de minério ilegal. Em 2020, por exemplo, de acordo com os dados federais de comércio exterior, o Brasil exportou 111 toneladas de ouro. No entanto, o país registrou oficialmente a produção de apenas 92 toneladas de ouro, segundo números da Agência Nacional de Mineração.