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Câmara de deputados da Argentina abre caminho para acordo com o FMI

20/03/2025 16h47

A validação de um acordo por parte do Congresso era o passo prévio, necessário para uma ajuda financeira crucial para o plano econômico do presidente Javier Milei e para a própria governabilidade do país. O anúncio do acordo deve acontecer ainda neste mês. 

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires 

Com 129 votos a favor (o mínimo necessário), 108 contra e seis abstenções, os governistas conseguiram que a Câmara de Deputados aprovasse o decreto do presidente Javier Milei que, na prática, autoriza o governo argentino a fechar um novo acordo financeiro com o Fundo Monetário Internacional. 

A atual Lei de Administração Financeira estabelece que o governo envie um projeto de lei com detalhes do acordo negociado com o FMI. Porém, em vez disso, o presidente Javier Milei optou por emitir um decreto sem nenhum detalhe da negociação. 

Essa estratégia visava evitar que o debate passasse pelo Senado, onde o governo teria dificuldades de aprovar o projeto do acordo, mesmo com o apoio dos aliados. Ao optar por um decreto, o governo só precisava da aprovação de uma única casa, neste caso a dos deputados, onde os governistas e aliados têm conseguido chegar ao mínimo necessário de votos para validar um decreto. Essa, aliás, tem sido a estratégia de Milei para superar a sua "minoria parlamentar absoluta". 

Reta final 

O governo não informou nem o montante nem o prazo do novo acordo, cujos detalhes estão a ponto de ser fechados. Também não deu pistas sobre a informação que mais preocupa os mercados: qual será o novo regime cambial na Argentina, a livre flutuação da moeda, "flutuação suja" (com intervenção do Banco Central) ou sistema de bandas, com piso e teto para a cotação. 

Nos últimos 10 dias, as incertezas quanto ao novo acordo, a leitura por parte do mercado de um esgotamento do atual esquema de valorização do peso argentino e as reservas negativas do Banco Central têm pressionado a moeda a uma desvalorização. O mercado avalia que um entendimento com o FMI implica uma desvalorização do peso argentino, a moeda que mais se valorizou no mundo ao longo do último ano, e migra para fortalecer posições em dólares. 

O Chefe do Gabinete de ministros, Guillermo Francos, indicou que o próximo passo será uma iminente viagem do ministro da Economia, Luis Caputo, a Washington para fechar os detalhes finais do acordo na sede do organismo de crédito internacional. 

Esse acordo técnico (Staff Level Agreement) poderá ser anunciado na próxima semana, embora a aprovação formal deverá passar pelo crivo da diretoria do FMI que se reunirá entre os dias 21 e 26 de abril. 

Bala na agulha 

O novo programa será de Facilidades Estendidas (EFF, na sigla em inglês) com duração até 2035, uma modalidade de empréstimo com prazos mais longos. O período de graça é de quatro anos e meio, durante os quais não estão previstos pagamentos de capital ao FMI, permitindo à Argentina um alívio financeiro de curto prazo para recuperar a economia. 

Embora o montante do acordo não seja conhecido, os agentes econômicos calculam uma soma entre U$ 20 e 25 bilhões. Nesse montante estariam incluídas as renovações de vencimentos da atual dívida por uns U$ 14 bilhões, permitindo prever que a dívida nova com acréscimo ronde os U$ 11 bilhões. 

O decreto validado pela Câmara de Deputados não traz detalhes do acordo, mas estabelece que a prioridade do governo é garantir que não haja uma saída abrupta de capital no curto prazo que possa colocar em risco a estabilidade cambial e monetária. 

Em teoria, o dinheiro novo do FMI compraria Letras Intransferíveis emitidas pelo Ministério da Economia, atualmente no balanço do Banco Central. Na prática, o aumento de ativos no Banco Central será para aumentar o poder de fogo contra uma fuga de capitais que fizesse fracassar a frágil estabilidade do peso argentino, controlada graças a severas restrições cambiais. 

Abertura do mercado de câmbio 

Essa é justamente a maior incógnita do mercado quanto à consequência do acordo: se associado à nova dívida, o governo abrirá o mercado de câmbio, pondo fim às restrições de acesso à moeda estrangeira e ao movimento de capitais. Com a proibição herdada do governo anterior, os investimentos diretos externos destinados à produção ficaram impedidos de chegar à Argentina porque ninguém entra num país de onde depois não possa sair. 

Para acabar com a proibição, Milei precisa do colchão de dinheiro do FMI, capaz de evitar uma corrida cambial contra o peso argentino que ponha em risco o seu plano econômico e a própria governabilidade. As reservas internacionais do Banco Central argentino estão negativas, impedindo que o governo abra a economia por temor a uma fuga de capitais e à consequente desvalorização da moeda. O governo calcula que as multinacionais possam remeter cerca de U$ 7 bilhões às suas casas matrizes. 

 "A eliminação das restrições cambiais depende do apoio internacional que Milei obtiver. Se ele conseguir aumentar as reservas do Banco Central, esse caminho fica livre porque, se houver uma corrida cambial, o governo poderá enfrentá-la, intervindo no mercado. Milei depende da ajuda externa para normalizar a economia e para que o seu plano econômico dê certo", afirmou à RFI o ex-vice-ministro da Economia e ex-diretor do Banco Central, Gabriel Rubinstein. 

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