O que o superpacote de gastos de Merz trará para a Alemanha?
O que o superpacote de gastos de Merz trará para a Alemanha? - Berlim quer investir centenas de bilhões de euros em defesa e infraestrutura ao afrouxar o "freio da dívida". Plano que requer uma mudança constitucional irá a votação. Mas, quais serão os benefícios para o país?Isso é algo inédito na história do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão.
Nesta terça-feira (19/03), os parlamentares votarão um projeto de lei que tornará possível assumir níveis sem precedentes de endividamento para viabilizar investimentos em defesa, infraestruturas civis e proteção climática nos próximos anos. Todos os 16 estados federais poderão assumir uma quantia limitada de dívida no futuro.
O projeto de lei foi elaborado pelo bloco de centro-direita conservador formado pela União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU) juntamente com o Partido Social-Democrata (SPD) de centro-esquerda. Os partidos negociam atualmente a formação de um novo governo federal que deverá ter o líder da CDU, Friedrich Merz, como o novo chanceler.
No entanto, eles precisarão do Partido Verde para obter a maioria no Parlamento na votação desta terça – partido que integra a coalizão de governo alemão que está prestes a encerrar seu mandato e que, provavelmente, estará na oposição nos próximos anos. Após duras negociações entre os quatro partidos, o Comitê de Orçamento do Bundestag decidiu no último domingo recomendar que os parlamentares aprovem o projeto de lei.
Amenizando o "freio da dívida"
A Lei Fundamental da Alemanha – a Constituição do país – estipula que o Estado só pode gastar tanto dinheiro quanto arrecada. Enquanto os 16 estados federais estão sob uma obrigação estrita de cumprir com a regra, o governo federal pode tomar empréstimos dentro de certos limites, até 0,35% do Produto Interno Bruto (PIB).
Para despesas necessárias para a defesa do país, o freio da dívida será virtualmente anulado. O projeto de lei para o Bundestag estabelece que os fundos para a Bundeswehr (Forças Armadas alemãs), bem como as "despesas federais em defesa civil e proteção civil, serviços de inteligência, proteção de sistemas de tecnologia da informação e ajuda a países atacados em violação ao direito internacional", poderão ser financiados futuramente por meio de empréstimos. Isso também inclui ajuda militar à Ucrânia, que está definida em 4 bilhões de euros (R$ 24,8 bilhões) para 2025 e à qual provavelmente serão adicionados mais 3 bilhões de euros no futuro próximo.
O novo regulamento se aplica a todos os custos que excedem 1% do PIB. Com base na produção econômica alcançada em 2024, isso corresponderia a cerca de 43 bilhões de euros. Qualquer soma acima desse valor não estará mais sujeita a limites.
Merz descreveu a importância dessa regulamentação ao dizer que faria whatever it takes ("seja lá o que for preciso") em termos de investimentos militares.
Empréstimos para os estados
A proibição estrita de dívida para os estados deverá ser relaxada e alinhada com o governo federal. Todos os estados federais combinados poderão assumir novas dívidas no valor de até 0,35% do PIB. De que maneira as respectivas somas serão alocadas será determinado por uma futura lei federal.
Um dos problemas é que os estados teriam que adotar o novo regulamento em suas respectivas Constituições estaduais. No entanto, a maior parte dos governos estaduais não conseguiu reunir uma maioria parlamentar de dois terços que seria necessária para essa finalidade.
Uma maneira alternativa de tornar as mudanças possíveis seria alterar a Lei Fundamental de modo a anular a lei estadual. Isso, porém, seria uma grave seria uma séria ingerência no sistema federalista alemão.
Fundos especiais para infraestrutura
A Alemanha tem problemas enormes de infraestrutura. Estradas, pontes e ferrovias estão desgastadas há décadas, com pouca atenção dada à manutenção. Há também uma necessidade urgente de modernizar a infraestrutura de energia e água, telecomunicações, escolas, universidades e hospitais. Ao mesmo tempo, a digitalização no país está atrasada, e a conversão e expansão da infraestrutura de energia neutra para o clima também está longe de ser concluída.
O Artigo 143h será adicionado à Lei Fundamental, estipulando que 500 bilhões de euros em dívida poderão ser levantados nos próximos 12 anos para investimentos em infraestrutura. Desse montante, 100 bilhões irão para os estados e 300 bilhões para o governo federal. Os 100 bilhões de euros restantes são destinados à proteção climática. O projeto de lei também estipula "investimentos adicionais para alcançar a neutralidade climática até 2045".
Regra para gastos adicionais
O dinheiro também deve ser usado para investimentos que já foram planejados. Isso requer que pelo menos 10% do orçamento total seja destinado a investimentos futuros no orçamento federal regular, ou seja, em torno de 47 bilhões de euros com base no orçamento de 2024. Somente o financiamento que exceder esse valor pode vir do fundo especial financiado por empréstimo.
Contrários ao superpacote
O partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e o A Esquerda são contra as propostas do superpacote, ainda que por motivos muito diferentes. Após as últimas eleições, as duas legendas juntas deterão mais de um terço das 630 cadeiras do Bundestag e estarão em posição de bloquear o superpacote.
É por isso que a CDU/CSU e o SPD tentarão aprovar seu projeto de lei ainda na atual legislatura, onde têm mais de dois terços das cadeiras junto com os Verdes.
A Legislatura atual termina em 25 de março, quando será constituído o novo Parlamento.
A AfD e o A Esquerda tentaram impedir a votação desta quinta, mas ambos fracassaram em seus recursos perante o Tribunal Constitucional Federal.
Consequências financeiras de longo alcance
Economistas alertam para consequências sérias nos mercados financeiros se a Alemanha incorrer em quase 1 trilhão de euros em novas dívidas. Lars Feld, professor do Instituto Walter Eucken em Freiburg, espera que a dívida nacional aumente de seu nível atual de cerca de 62% para 90% da produção econômica anual nos próximos dez anos.
Isso resultaria em uma despesa adicional de juros entre 250 e 400 bilhões de euros, dependendo do desenvolvimento da taxa de juros para títulos estatais, disse Feld em uma audiência do Comitê de Orçamento no Bundestag. Os mercados de títulos internacionais já demonstram inquietação.
Veronika Grimm, professora da Universidade Técnica de Nuremberg, vê um "desafio para a estabilidade na Europa", como ela própria afirmou diante do Comitê de Orçamento. Se as taxas de juros para títulos do governo alemão aumentarem, isso fará com que as taxas para países já altamente endividados, como Itália e Espanha, subam a níveis que essas economias dificilmente conseguiriam administrar.
Segundo a economista, isso poderia aumentar mais uma vez a vulnerabilidade na zona do euro.
Autor: Sabine Kinkartz