Governo Milei denuncia opositores e juíza após protestos: 'Atentado'
O governo argentino apresentou uma denúncia contra supostos responsáveis pelo protesto violento envolvendo torcedores organizados de clubes de futebol em Buenos Aires, anteontem. São citados prefeitos opositores, uma pessoa ligada a um dirigente sindical e a juíza que ordenou a liberação dos detidos.
O que aconteceu?
Documento acusa envolvidos de sedição (revolta coletiva e violenta contra autoridades estabelecidas), atentado à ordem e associação ilícita agravada. A denúncia tem como base cinco artigos do Código Penal da Argentina, e é assinada por Fernando Oscar Soto, Diretor Nacional de Normativa e Relações com os Poderes Judiciais, sob ordem da ministra da Segurança, Patricia Bullrich.
Segundo a denúncia, a mobilização foi um ato coordenado para gerar distúrbios e confrontos com as forças policiais. A justificativa é que os organizadores utilizaram a questão da defesa dos aposentados como pretexto para convocar grupos violentos e provocar repressão.
Torcedores de mais de 20 clubes de futebol receberam até 50 mil pesos para praticarem atos violentos na manifestação, afirma governo. Prefeitos das cidades de La Matanza e Lomas de Zamora, alinhados ao kirchnerismo, são mencionados como financiadores dos grupos, o que, segundo a denúncia, indicaria um vínculo entre setores políticos e os grupos envolvidos nos atos de violência. Grupos de torcedores das duas cidades teriam participado dos atos em Buenos Aires, segundo o governo.
O governo cita Leandro Capriotti como principal organizador dos atos violentos. Ele seria um "amigo e protegido" do dirigente sindical Luis Barrionuevo, segundo a denúncia.
No documento, há uma listagem com 14 oficiais feridos nos confrontos e de nove carros e motos da Polícia Federal Argentina que foram danificados. Há também justificativas sobre dois civis feridos durante o protesto: um fotógrafo e uma idosa.
O fotógrafo Pablo Grillo, internado no Hospital Ramos Mejía, foi ferido na cabeça, aparentemente por um projétil de gás lacrimogêneo disparado horizontalmente de uma distância considerável do local onde ele se encontrava. O fotógrafo estava atrás de um objeto em chamas, no cruzamento dos projéteis lançados por manifestantes violentos que estavam atrás dele
Há gravações de vídeo que mostram uma mulher idosa segurando um objeto contundente (aparentemente, um bastão), com o qual golpeava repetidamente um policial por trás. O agente se virou para se defender e, em seguida, a mulher caiu no chão. Ela foi levada a um hospital, mas recebeu alta pouco depois. Trechos do documento
Outro questionamento do governo é sobre a atuação da juíza Karina Andrade. Segundo a denúncia, ela teria ordenado, via WhatsApp, a liberação de mais de 100 detidos, sem avaliar provas ou antecedentes criminais de cada um. O documento sugere que a juíza pode ter cometido os crimes de prevaricação e violação de deveres funcionais, o que levaria à necessidade de investigação pelo Conselho da Magistratura local.
O Ministério da Segurança solicita que a Justiça Federal assuma a investigação dos atos ocorridos na manifestação. A pasta argumenta que os eventos não se limitam a crimes comuns, mas representam uma tentativa de desestabilização do governo do presidente Javier Milei. O governo ainda faz um alerta de que novas mobilizações estariam sendo convocadas para as próximas semanas.
O que foi o protesto
A manifestação de aposentados foi apoiada também por torcidas organizadas de futebol. O protesto foi convocado por sindicatos e organizações sociais e tomou as ruas na tarde de ontem em Buenos Aires.
Atos públicos dos aposentados ocorrem todas as quartas-feiras há anos. Eles exigem atualização do valor das aposentadorias, o restabelecimento da cobertura dos custos com medicamentos e a continuação da moratória previdenciária, que termina no final de março e permite que pessoas se aposentem sem ter cumprido os 30 anos de contribuição.
Nos últimos meses, a polícia passou a reprimir esses atos com gás lacrimogêneo e violência física contra os idosos. O protesto desta quarta-feira teve o número de participantes multiplicado exponencialmente, com a adesão de torcidas organizadas de cerca de 30 times de futebol.
Manifestantes e policiais entraram em confronto no meio da tarde. A polícia utilizou balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água contra os manifestantes, que atiraram pedras das calçadas, fogos de artifício e bombas de efeito moral.
Uma viatura policial e uma motocicleta foram incendiadas pelos manifestantes. Outros sete veículos da Secretaria de Segurança de Buenos Aires foram vandalizados.
Uma aposentada de 87 anos, identificada como Beatriz Bianco, ficou gravemente ferida após bater a cabeça no chão. Ela caiu após ser empurrada por um policial.
Pablo Grillo, fotógrafo de 35 anos, trabalhava na cobertura do fato quando foi atingido na cabeça por um cartucho de gás lacrimogêneo. Grillo foi operado com urgência na noite de quarta-feira. Ele está internado na UTI e seu estado de saúde é grave.
O chefe de Gabinete da Argentina, Guillermo Francos, afirmou que o caso do fotógrafo foi "um acidente não previsto". "São as consequências lamentáveis de um episódio violento como o que esse grupo gerou ontem nos arredores do Congresso e depois levou até a Praça de Maio."
Durante a madrugada, a justiça de Buenos Aires liberou 114 dos 124 manifestantes presos. A juíza Karina Andrade afirmou que as prisões "afetam direitos constitucionais fundamentais, como o direito ao protesto, à manifestação em democracia e à liberdade de expressão", de acordo com um documento a que o Clarín teve acesso.
Entre os 53 feridos estão manifestantes, agentes de segurança e trabalhadores. O governo de Buenos Aires estimou um prejuízo de cerca de 275 milhões de pesos (R$ 1,5 milhão).
(Com DW, Reuters e AFP)