Julgamento de mineradora por desastre em Mariana chega ao fim em Londres
Chega ao fim em Londres, na Inglaterra, o julgamento sobre o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais em 2015. A decisão da corte, que pode responsabilizar a mineradora BHP pelo maior desastre ambiental do Brasil, vai ser anunciada no meio do ano.
Yula Rocha, de Londres para a RFI
Está nas mãos da Justiça inglesa a decisão sobre uma indenização bilionária a 620 mil vítimas e 31 municípios brasileiros afetados pelo maior desastre ambiental da história do país, ocorrido há uma década. As alegações finais da ação coletiva, a maior do mundo, movida contra a mineradora anglo-australiana BHP na corte de Londres, se encerraram nessa quinta-feira (13).
A multinacional BHP e a brasileira Vale, que fez um acordo e ficou de fora do processo, são donas da Samarco, que operava a barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais. O julgamento, que começou em 21 de outubro do ano passado, interrogou sete testemunhas que estiveram em postos importantes da BHP, sobre nível de controle que a a empresa tinha da barragem de Mariana, a mitigação dos riscos - considerados altos antes de seu colapso - e a resposta da mineradora após o rompimento.
José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e parte do time de advogados que representam as vítimas do caso, está certo de que a BHP será condenada. "Tenho a convicção de que a prova produzida da responsabilidade da BHP é avassaladora. Não há como dizer que eles não têm responsabilidade. A prova é mortal", adicionou Cardozo.
BHP reitera não ser responsável pelo rompimento
Em nota, a BHP repetiu que nada tem a ver com o desastre da barragem operada, segundo a empresa, de forma independente pela Samarco no Brasil. No entanto, no fim do ano passado, a BHP, Samarco e Vale aderiram a um acordo de repactuação indenizatória de R$ 170 bilhões em reparação de danos.
Apesar da pressão, 31 municípios não aderiram a esse acordo e permaneceram no caso na corte inglesa. O prefeito de Mariana, que acompanhou as últimas deliberações do caso em Londres, espera receber ainda este ano um adiantamento de R$ 1,2 bilhão dos R$ 28 bilhões pleiteados como indenização, graças a um mecanismo da justiça inglesa, se a BHP for condenada.
"Esperamos que esse recurso que vamos ganhar possa mudar a história da cidade, promover a diversificação da economia com investimentos robustos para que Mariana não seja tão dependente da mineração como é hoje", disse o prefeito Juliano Duarte.
Durante o julgamento em Londres, foram ouvidos também 10 especialistas, indicados pelos autores da ação e pelos réus, em questões técnicas e jurídicas brasileiras como Direito Civil, Direito Societário e Direito Ambiental, além da legitimidade de municípios para litigar fora do Brasil.
Familiares de vítimas acompanham audiências
Na opinião do ex-ministro José Eduardo Cardozo, essa ação serve de lição ao mundo ao conscientizar violadores de direitos humanos e do meio ambiente de que podem ser processados e punidos em qualquer lugar do planeta.
"Se houvesse um tribunal na lua, eu defenderia pegar uma foguete que lá fossem processados também. A lição que fica de um processo como esse é tão relevante quanto a reparação que se faz para as vítimas. Por isso eu acho que essa ação é paradigmática", concluiu Cardozo.
Estimativas internas da mineradora, mostradas no tribunal, previam até 100 mortes com o colapso da barragem e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima. Dezenove pessoas morreram e uma jovem grávida sobrevivente perdeu o bebê. Os impactos ambientais, emocionais e econômicos são sentidos na região até hoje. Três mães que perderam seus filhos no rompimento da barragem voltaram à Londres para o fechamento do caso.
"Foi uma luta grande e muito dolorosa, mas aquele ar que a justiça vai ser feita traz um pouquinho de paz pra gente", desabafou, emocionada, Pamela Fernandes.
O parecer final da corte inglesa só deve sair em meados do ano. Já o valor indenizatório, se a BHP for considerada culpada, só será definido mais tarde.
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