Nome indicado por Alcolumbre à Anatel contraria lei de agências reguladoras
O nome bancado pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP) para integrar o conselho-diretor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) contraria uma lei que entrou em vigor em 2019. A indicação está sob avaliação do governo Lula (PT) desde o ano passado.
Um trecho da legislação proíbe que profissionais de empresas reguladas sejam indicados para agências do mesmo setor. Ou seja, funcionários de companhias sujeitas à regulação da Anatel não podem ser indicados para esse órgão.
As agências reguladoras fiscalizam a execução de serviços públicos que foram transferidos para o setor privado. Esses órgãos foram criados no fim da década de 1990, em um momento de privatizações de serviços de telecomunicações, transporte e energia elétrica no Brasil.
Em maio de 2019, o Senado aprovou um projeto que estabelecia novas regras para agências reguladoras. Na ocasião, o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que as mudanças poderiam fortalecer o "papel precípuo" das agências, que é servir e proteger a população.
Alcolumbre é o principal cotado para assumir a presidência do Senado novamente —a eleição está marcada para sábado (1º). O nome bancado pelo parlamentar para a Anatel é do advogado Edson Holanda —que foi gerente jurídico da Telebras, estatal regulada pela Anatel, entre setembro de 2023 e janeiro deste ano.
O advogado foi indicado por Alcolumbre ao Palácio do Planalto no ano passado. Se for aprovado pelo governo, o nome será enviado ao Senado —responsável por autorizar indicações para agências reguladoras.
Holanda informou ao UOL que "não teria motivo para se manifestar, uma vez que não foi indicado para nenhuma vaga". "A indicação é uma prerrogativa do Presidente da República, conforme estabelecido pela lei", declarou.
Procurados, Alcolumbre e a Secretaria de Relações Institucionais não comentaram.
Em dezembro, Lula encaminhou 17 indicações para nove agências ao Senado. Deixou de fora as indicações para Anatel e Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A Anatel está com duas vagas abertas para mandatos de cinco anos —uma delas desde novembro de 2023. A agência tem operado com três conselheiros titulares e dois substitutos.
A agenda da Anatel, para os próximos dois anos, inclui a elaboração de um edital de licitação para empresas explorarem uma nova faixa (700 MHz) para internet móvel. A agência também pretende revisar regras de concessão e autorização de serviços de telecomunicações, que podem impactar um mercado bilionário.
O que dizem a lei e os especialistas
Um dos artigos da Lei das Agências Reguladoras proíbe a indicação de uma "pessoa que tenha participação, direta ou indireta, em empresa ou entidade que atue no setor sujeito à regulação exercida pela agência" em que atuaria.
No dia da aprovação do projeto, a então senadora Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento, disse que acabariam as "indicações políticas nas agências reguladoras" e que haveria "critérios mais rígidos para o processo".
O então senador Reguffe (sem partido-DF) apontou que "diretores e conselheiros das agências reguladoras muitas vezes são escolhidos pelas próprias empresas, inclusive sendo ex-funcionários".
O UOL pediu para três advogados analisarem a lei. Todos foram unânimes em dizer que funcionário de empresa regulada não pode ser indicado para agência do mesmo setor. O advogado Rafael Cezar dos Santos afirmou que a vedação vale para funcionários de companhias públicas e privadas.
A advogada Maysa Abrahão Tavares Verzola destacou que a proibição inclui profissionais que participam de estruturas decisórias de empresas, como cargos de direção ou gerência. Segundo a especialista em Direito Público, "a prática regulatória e as decisões judiciais costumam interpretar que o vínculo recente pode ser incompatível com a função".
Holanda ocupava o posto mais alto do departamento jurídico da Telebras, comandando todo o setor. Não há função de diretor desta área na estatal. Segundo o site da empresa, ele foi substituído pelo advogado George Arnaud, do Amapá —berço de Alcolumbre.
Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, o advogado Marcos Jorge explicou que é proibido que pessoas que trabalharam ou tenham relações indiretas com empresas fiscalizadas-reguladas pelas agências ocupem cargos nos conselhos desses órgãos após deixarem as funções.
Na avaliação do advogado, a vedação vale para cargos de gerência de qualquer área, comercial, financeira, jurídica ou operacional. "O que pretende a lei é evitar que cargos de conselhos e diretorias de agências reguladoras sejam ocupados por pessoas que possam, em tese, beneficiar ou prejudicar determinada empresa, influenciando na concorrência do mercado a ser regulado", explicou.
A legislação não definiu uma "quarentena" para profissionais que queiram migrar de empresa regulada para agência do mesmo setor. A norma, contudo, impede que conselheiros de agências trabalhem no setor regulado por seis meses, a partir da exoneração.
Uma outra lei, de 2013, considera que é conflito de interesse deixar um cargo no Poder Executivo federal e aceitar uma vaga de conselheiro em empresa que desempenhe atividade na mesma área da função anterior. A quarentena é de seis meses.
Holanda chegou à Telebras após ocupar um cargo de diretor no Ministério de Minas e Energia entre maio e julho de 2023. Antes, o advogado representava municípios em ações movidas contra a ANP (Agência Nacional de Petróleo).
Como revelou o UOL, Holanda trabalhou de seu gabinete na Telebras na defesa do escritório de advocacia do qual era sócio. O advogado atuou em um julgamento virtual envolvendo royalties de petróleo, sem relação com a estatal.
Na ocasião, Holanda disse que representou o escritório para defender a si próprio e "evitar responsabilização" pelo TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), que negou que isso pudesse ocorrer.