MP vê fraude em venda de moradia social e vai à Justiça contra gestão Nunes
O Ministério Público de São Paulo entrou na Justiça para que a Prefeitura de São Paulo seja obrigada a fiscalizar e controlar a venda de apartamentos que deveriam ser destinados à população de baixa renda.
A Ação Civil Pública também pede que a gestão de Ricardo Nunes (MDB) suspenda novos pedidos de certificado de conclusão de imóveis sob suspeita de fraude. A PGM (Procuradoria Geral do Município) informou, por meio de nota, que a prefeitura ainda não foi notificada.
O que aconteceu
Há suspeita de fraudes nos preços de unidades que deveriam ser populares. A ação quer que a Justiça obrigue a administração pública a instaurar procedimentos administrativos para apurar fraude quando os preços das unidades para venda ou locação forem superiores aos sugeridos por ocasião do pedido de licenciamento.
Ação do MP foi enviada à Justiça após reportagens do UOL sobre imóveis que deveriam ser destinados a famílias de baixa renda. O UOL noticiou a venda pelo setor privado de unidades HIS (Habitação de Interesse Social), construídas com incentivos públicos, pelo valor de R$ 1.487.400,00 no bairro da Vila Olímpia.
MP cobra um controle da gestão Nunes sobre os incentivos públicos às incorporadoras. Promotores pedem que a Justiça obrigue a administração pública a indeferir pedidos de concessão de incentivos públicos às empresas privadas que produzem unidades de HIS e HMP — Habitação de Interesse Social e Habitação de Mercado Popular. O indeferimento deve ocorrer quando os preços sugeridos previamente não se enquadrarem na capacidade financeira do público-alvo da política pública de habitação.
O MP pede que a prefeitura dê transparência e publicidade aos procedimentos administrativos instaurados. A transparência deve ser dada nos casos de apuração de fraudes e violações às normas urbanísticas decorrentes de vendas ou locações de HIS e HMP produzidas com incentivos públicos.
A Ação Civil Pública pede que a Justiça obrigue a prefeitura a divulgar no site lista de imóveis beneficiados. Além disso, o MP cita que deve ser divulgada a relação das famílias inseridas no Cadastro Municipal de Habitação que deveriam ser atendidas com prioridade nesse tipo de empreendimento.
Ação cita trecho de entrevista de Nunes ao UOL e fala em "confessada falta de controle da política pública". "A política é boa. Já concedemos mais de 400 mil licenças para construção de HIS (Habitação de Interesse Social) na cidade. (...) Tudo bem, deixa as empresas lucrarem. A política é importante para incentivar a habitação popular e reduzir o déficit habitacional. Agora, se tem empresas burlando a lei, é o Ministério Público que tem de investigar. A culpa não é da prefeitura."
Em caso de descumprimento da ordem judicial, o MP pede uma multa diária no valor de R$ 10 mil. A Ação Civil Pública foi enviada à Justiça pelos promotores Marcus Vinícius Monteiro dos Santos, Camila Mansour Magalhães da Silveira, Roberto Luís de Oliveira Pimentel e Moacir Tonani Junior.
A confessada falta de controle da política pública está possibilitando, por um lado, que construtoras que descumprem a legislação aplicável enriqueçam ilicitamente e, por outro, que as famílias vulneráveis (público-alvo) sejam preteridas no acesso à moradia.
Ministério Público de São Paulo
O que dizem a prefeitura e Nunes
Nunes disse que prefeitura seguirá multando e cobrando, "nem que seja judicialmente", empresas que desrespeitem as regras. "Estamos falando de um ato criminoso. E dos piores atos criminosos que tem porque você está tirando de pessoas mais humildes", disse o prefeito em evento nesta quarta. "Quando uma construtora deixa de pagar outorga para se beneficiar dos incentivos da prefeitura para construir habitações populares, e ela desvirtua e não vende para quem está dentro dessa faixa de renda, ela está cometendo um crime."
É um ato criminoso que precisa ser apurado. Já fizemos 14 mil notificações de empresas que cometeram esse tipo de ato. A prefeitura vai multar e vai cobrar, nem que seja judicialmente, aquilo que lhe é de direito. Se a empresa vendeu para alguém fora da faixa, ela vai ter que pagar para a prefeitura essa outorga. A Prefeitura vai notificar os casos identificados à Polícia Civil para que as pessoas possam ser responsabilizadas.Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo
A Procuradoria Geral do Município informou por meio de nota que a Prefeitura ainda não foi notificada. O órgão disse ainda que a administração municipal atuará quando for oficialmente informada pelo Poder Judiciário.
Secretaria diz que reforçou regras. "A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) informa que a Revisão Intermediária do Plano Diretor (Lei nº 17.975/2023) reforçou regras para garantir que habitações de interesse social (HIS) sejam destinadas a famílias de baixa renda, exigindo comprovação da faixa de renda e averbação da tipologia do imóvel por 10 anos."
A prefeitura disse ainda que o decreto nº 63.130 de 2024 atribuiu à Secretaria Municipal de Habitação a fiscalização das transações de HIS. "Um Grupo de Trabalho já notificou 14.207 unidades e, após a análise dos relatórios, serão instaurados processos administrativos com possibilidade de multa", informou a administração municipal.
Entenda as suspeitas de irregularidades
Promotoria aponta "aumento exponencial" de produção de unidades de HIS e HMP. Esse aumento, contudo, segundo o MP, "não vem servindo para atender os destinatários da política pública, ou seja, as famílias vulneráveis que se encontram nas faixas de renda mencionadas."
Segundo a lei número 17.975 de 2023, HIS e HMP tem faixas de rendas definidas. A legislação estabelece que HIS 1 corresponde a pessoas que ganham até três salários-mínimos de renda familiar mensal ou até meio salário-mínimo per capita mensal, HIS 2 corresponde à parcela que recebe até seis salários mínimos de renda familiar mensal ou até um salário-mínimo per capita mensal. Já a renda de HMP é de até dez salários-mínimos de renda familiar mensal ou até 1,5 salário-mínimo per capita mensal.
Plano Diretor vigente criou possibilidade de construtoras produzirem unidades de HIS e HMP por atores privados de forma independente. Nesse caso, teria de ocorrer uma adesão ao regime jurídico previsto ou sem qualquer intermediação, convênio ou parceria com o poder público. Contudo, essas modalidades de produção comportam a utilização de benefícios urbanísticos e fiscais, pressupondo o uso de recursos públicos.
Legislação atual retirou exigência de que empresas interessas estivessem conveniadas com o poder público. Segundo o MP, a lei atual "não apenas retirou a exigência, como ampliou os incentivos vinculados à produção de habitação de interesse social com isenções e descontos".
Desenho da política municipal e lógica de incentivos está atraindo interesse do mercado imobiliário, diz MP. "Parte significativa desses imóveis está sendo alienada ou locada a famílias que não se enquadram nas disposições legais", diz a ação.