'Vai cair muita gente', diz ex-prefeita que colocou Júnior Mano na mira da PF por supostos desvios
Era noite quando, depois de chegar de um comício, a então prefeita de Canindé, Rozário Ximenes (Republicanos), ligou para o promotor de Justiça Jairo Pereira, do Ministério Público do Ceará, e avisou que tinha uma denúncia importante. Ela foi recebida no dia seguinte, 26 de setembro de 2024, pontualmente às 8 horas.
A prefeita compareceu preparada. Tinha em mãos a relação de empresários e CNPJs que, segundo ela, vinham sendo usados para desviar recursos de emendas parlamentares em 51 municípios do Ceará. Rozário refletiu e, ao final do depoimento, decidiu assinar a denúncia, que poderia ter sido apresentada anonimamente.
Naquela manhã, teve início a investigação que, meses depois, colocaria o deputado Antônio Luiz Rodrigues Mano Júnior (ex-PL), o Júnior Mano, na mira da Polícia Federal.
"Fui com a cara e a coragem, não conversei com ninguém antes", afirma em entrevista ao Estadão.
A reportagem pediu manifestação do deputado. Em nota enviada à imprensa, ele disse que está à disposição das autoridades e que confia que "sua inocência será plenamente reconhecida".
Suposto conluio com Bebeto do Choró
Pivô da investigação sobre o desvio de emendas, a prefeita ainda vai ser ouvida pela Polícia Federal. No primeiro depoimento, ao Ministério Público, relatou que o deputado Júnior Mano trabalharia em conluio com Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto do Choró (PSB), prefeito eleito de Choró, para desviar e "lavar" o dinheiro das emendas.
Procurada, a defesa do prefeito afirmou que não pode dar detalhes do caso, que tramita em sigilo, mas disse que vai provar a inocência de Bebeto (leia a íntegra da nota ao final da matéria).
Bebeto seria uma espécie de operador do suposto esquema, segundo a ex-prefeita. Ficaria encarregado de abordar gestores públicos e oferecer emendas parlamentares em troca de uma comissão. Ele foi impedido de tomar posse na prefeitura de Choró e está foragido por suspeita de compra de votos.
"O Bebeto sempre entrou nas prefeituras a mando do Júnior Mano, ele é a pessoa do Júnior Mano, a pessoa que fazia tudo para ele", diz Rozário ao Estadão.
A Polícia Federal pediu a transferência da investigação ao Supremo Tribunal Federal (STF), diante das suspeitas de envolvimento do deputado. Segundo a PF, a relação entre Bebeto e Júnior Mano, "marcada por uma combinação de subordinação, cooperação e articulação política-financeira, estruturou um sistema de corrupção baseado no direcionamento de emendas parlamentares, uso de caixa dois e manipulação eleitoral estratégica".
Para o esquema funcionar, ainda de acordo com a ex-prefeita, Bebeto recorreria a empresas registradas no nome de laranjas e a empresários aliados. Um dos laranjas seria um vigia que recebe salário mensal de R$ 2,4 mil e abriu uma empresa com capital social de R$ 8,5 milhões. O grupo combinaria preços para vencer licitações, inclusive em Canindé. "Tem um grupo fechado de empresários licitantes dele. Muita gente poderosa", afirma.
Aos 65 anos, Rozário começou na vida política por influência do marido, o radialista Ximenes Filho, morto em 2015, que também foi prefeito de Canindé.
Depois de ter sido secretária municipal, vereadora e vice-prefeita, ela foi a primeira mulher a assumir a prefeitura da cidade, que comandou por dois mandatos, entre 2017 e 2024. No ano passado, não conseguiu eleger o sucessor. Professor Jardel (PSB) venceu a eleição por uma diferença de menos de 7 mil votos.
Rozário afirma que o suposto esquema de desvio de emendas parlamentares financiou a campanha da oposição. "Ele (Jardel) não tinha dinheiro de maneira nenhuma. Era dinheiro das emendas."
Canindé tem 74 mil habitantes. A cidade fica a 120 quilômetros de Fortaleza e é conhecida como um polo de turismo religioso pelas comemorações da Festa de São Francisco. A vaquejada é outra atividade que movimenta a região. Foi durante uma das competições de vaqueiros que, segundo a ex-prefeita, Bebeto teria feito ameaças à ela. Rozário pretende registrar boletim de ocorrência e pedir uma medida protetiva. "Não tenho medo, eu vou até o fim. Vai cair muita gente."
O que diz a defesa de Bebeto
A defesa do investigado afirma que o seu nome está sendo utilizado de uma forma que não corresponde com a verdade.
O procedimento está em sigilo, razão pela qual ficamos impossibilitados de dar maiores detalhes sobre os elementos em investigação.
Todavia, a defesa provará a inocência do Sr. Bebeto no decorrer da investigação, o que será feito em consonância com a ampla defesa e o devido processo legal.