O que está por trás da guerra de facções do tráfico na zona norte do Rio
Quando chega a noite em Vila Isabel e Engenho Novo, bairros da zona norte do Rio, a apreensão toma conta dos moradores.
Semanalmente, tiroteios entre criminosos ligados ao CV (Comando Vermelho) e ao TCP (Terceiro Comando Puro) reforçam a preocupação de quem vive na região. Inocentes são atingidos e mortos.
São os casos de Guilherme de Assis, 13, morto por bala perdida durante sua festa de aniversário, em agosto de 2024, e de um idoso de 73 anos, atingido quando estava próximo de um ponto de ônibus na manhã desta quarta-feira (8).
O Morro dos Macacos, que separa os dois bairros, atualmente está sob o comando do TCP. Há décadas, o CV tenta tomá-lo.
O local é o único trecho que falta para que a maior facção criminosa do Rio estabeleça um controle em um corredor da zona norte que ligaria o Complexo de Lins até a Mangueira.
Caso seja dominado pela facção, o Morro dos Macacos também ajudaria o CV a estabelecer força para dominar a zona oeste do Rio, berço da maior milícia do estado e com estrutura econômica rentável.
Além disso, tomar o Morro dos Macacos seria um baque na estrutura do TCP.
É da Vila Isabel que o TCP planeja ataques em favelas dominadas pelo CV, a exemplo da Rocinha, na zona sul, e complexos do Alemão e da Penha, na zona norte.
Os nomes da guerra
Diferentemente do PCC (Primeiro Comando da Capital), que tem uma estrutura piramidal com um estatuto que, em tese, vale em todo o território nacional, o CV tem uma estrutura que se assemelha mais a uma franquia.
Seguindo essa lógica, há um procedimento a ser seguido no dia a dia pelos chefes independentemente do território, mas quem define as leis, ordens, deveres, punições e ações são os chefes de cada área dominada.
Segundo investigadores, o principal articulador do conflito que se intensificou no Morro dos Macacos é o traficante Pedro Paulo Lucas Adriano do Nascimento, conhecido como Titauro.
Ele era do TCP e morava na favela, mas mudou para o CV no início de 2024.
Insatisfeito com o valor que recebia do TCP, ele e outros seis traficantes roubaram armas da facção e foram recebidos pelo CV, no Engenho Novo, pelo traficante William Sousa Guedes, conhecido como Corolla.
Corolla foi preso pela Polícia Civil em julho de 2024. Antes disso, prometeu a Titauro que, caso ele consiga dominar o Morro dos Macacos, o gerenciamento da favela passaria a ser dele.
Titauro, então, pediu ajuda a outros chefes do CV. Entre eles, Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca ou Urso, do Complexo da Penha, e Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, do Complexo do Alemão.
O setor de inteligência da PM suspeita que o consórcio de chefes do CV tem como principal objetivo criar um novo complexo de favelas, unindo o Complexo do Lins, o Morro São João e o Morro da Mangueira.
TCP resiste
Para além do contexto geopolítico da guerra do Morro dos Macacos, o TCP também não quer perder o lucro que a favela gera, sobretudo com o tráfico de drogas. O local é tido como um território rentável.
O traficante Leandro Nunes Botelho, conhecido como Scooby Doo, se firmou como dono do morro nos últimos anos. No decorrer de 2024, sofreu muitos ataques do CV e passou a pedir ajuda a chefes de outros morros para defender seu domínio no local.
Até que às vésperas do Natal de 2024, o CV conseguiu dominar todo o Morro dos Macacos. Três dias depois, o Bope (Batalhão de Operações Especiais) fez uma operação no local e prendeu sete traficantes. No mesmo dia, o TCP voltou a contra-atacar o CV.
Scooby Doo recebeu ajuda de criminosos do Morro São Carlos e dos complexos da Maré e de Israel. O auxílio aconteceu com envio de homens armados, armas de grosso calibre, munições e granadas.
A polícia identificou que participaram do contra-ataque os traficantes Michel de Souza Malvieira (Mangolê), Thiago da Silva Folly (TH da Maré), Alexandre Ramos do Nascimento (Pescador), Edmilson Marques de Oliveira (Di Ferro) e Álvaro Malaquias Santa Rosa (Peixão).
Chefe do Complexo de Israel, Peixão é tido como um dos principais criminosos do Rio.
A segunda-feira (6) amanheceu com uma bandeira de Israel hasteada em um ponto alto do Morro dos Macacos.
Secretário não fala
A reportagem pediu entrevista com o secretário Victor dos Santos, da Sesp (Secretaria de Segurança Pública), pasta subordinada ao governador Cláudio Castro (PL), mas a solicitação não foi atendida.
Por meio de nota, a secretaria disse que "tem atuado em ações coordenadas, entre as forças de segurança, contra as tentativas de expansão e domínio territorial por parte de criminosos de diferentes facções, como o que ocorre no Morro dos Macacos".