Calote do IPVA: por que muitos donos de carrões deixam de pagar o imposto
Entre os dez maiores devedores de IPVA no estado de São Paulo, quase metade é formada por proprietários de Ferraris e Lamborghinis. A lista inclui veículos que custam milhões de reais, mas os valores do imposto continuam em aberto. A dúvida que surge é inevitável: se dinheiro não parece ser um problema para esses proprietários, por que muitos optam por não pagar o tributo?
Para entender as razões por trás dessa prática, ouvimos especialistas e analisamos os números. A inadimplência no segmento de luxo não é mera distração. Ela reflete uma estratégia que mistura cálculo financeiro, brechas na legislação e, em alguns casos, a ideia de que 'vale mais a pena pagar depois'.
Quanto custa deixar o IPVA em aberto?
O IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) é calculado com base em 4% do valor venal do veículo, conforme a Tabela Fipe no estado de São Paulo. No caso de supercarros que podem ultrapassar os R$ 5 milhões, o imposto anual chega a R$ 200 mil ou mais. Entre os maiores devedores do estado de São Paulo, há montantes que ultrapassam R$ 1 milhão, e vem sendo acumulados há alguns anos.
Segundo Marco Fabrício Vieira, advogado e Conselheiro do Cetran-SP, deixar de pagar o IPVA traz várias implicações legais. "O não pagamento impede o licenciamento do veículo, o que torna sua circulação ilegal. Além disso, o proprietário pode sofrer restrições como inscrição na dívida ativa, inclusão no SPC/Serasa e até penhora de bens para quitação da dívida."
As penalidades para que for pego em um blitz com o IPVA em aberto incluem:
- Multa: R$ 293,47 por circular sem licenciamento.
- CNH: 7 pontos no prontuário.
- Remoção do veículo: Apreensão em blitz e encaminhamento ao pátio.
Apesar de doer no bolso de um cidadão classe média, o risco parece valer a pena para muitos milionários.
O que motiva a inadimplência?
O cálculo que muitos fazem é simples. Para proprietários de supercarros, deixar de pagar o IPVA por alguns anos seria mais lucrativo do que quitá-lo no prazo. Com o dinheiro investido em aplicações financeiras de alta rentabilidade, os juros e multas sobre a dívida muitas vezes são superados pelos ganhos.
Além disso, a legislação traz brechas que incentivam essa prática, como a prescrição da dívida (após cinco anos, o IPVA prescreve, ou seja, o Estado perde o direito de cobrar judicialmente) e o uso de empresas para blindagem fiscal. Muitos carros estão registrados em nome de pessoas jurídicas, dificultando a responsabilização direta do proprietário.
De acordo com Marco Fabrício Vieira, o atraso da inscrição na dívida ativa também faz os proprietários perderem o medo de ficar sem pagar. "Em alguns casos, a inscrição demora, dando a impressão de que o pagamento pode ser adiado sem grandes consequências".
Nem tudo são flores na hora da venda desses carrões. Vieira explica que um veículo com IPVA atrasado pode ser vendido, mas há restrições. A transferência só é concluída após a quitação dos débitos, incluindo multas e taxas. "Muitos compradores evitam veículos com pendências por causa da burocracia envolvida, mas é comum que o valor devido seja descontado do preço de venda", diz o especialista.
Impacto na arrecadação e na fiscalização
Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a inadimplência do IPVA representa um prejuízo de milhões aos cofres estaduais, recursos que poderiam ser usados em saúde, educação e infraestrutura.
"A falta de fiscalização efetiva em algumas regiões acaba permitindo que veículos circulem sem licenciamento, o que incentiva a inadimplência," diz Vieira.
Mesmo assim, o Estado tem intensificado a cobrança, com maior integração de dados entre órgãos e uso de barreiras eletrônicas que identificam veículos irregulares.
Uma questão de prioridade?
A inadimplência do IPVA não é uma prática exclusiva de proprietários de carros de luxo, mas é sintomática de uma percepção de impunidade e de um sistema tributário considerado ineficiente por muitos.
Enquanto isso, a conta fica para quem paga em dia. Afinal, os recursos perdidos com a inadimplência impactam diretamente os serviços que deveriam beneficiar toda a população.
A discussão sobre o IPVA vai além do valor devido. Ela reflete questões maiores: como a gestão pública do dinheiro arrecadado, a cultura de responsabilização e as brechas que permitem que um imposto dito essencial ao funcionamento do Estado seja encarado como opcional.