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Por que governistas votaram contra norma sobre aborto legal em menores

Ato contra projeto antiaborto que tramitava na Câmara, em 2024 - Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Ato contra projeto antiaborto que tramitava na Câmara, em 2024 Imagem: Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo
do UOL

Victoria Bechara

DO UOL, em São Paulo

08/01/2025 11h46

Representantes do próprio governo no Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) foram contra uma resolução que estabelece diretrizes sobre casos de aborto legal em menores de idade. A norma foi publicada pelo governo federal nesta quarta-feira (8), no Diário Oficial da União.

O que aconteceu

A resolução foi aprovada pelo Conanda em 23 de dezembro de 2024. O órgão é vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, composto por integrantes da sociedade civil e de outras pastas do governo, incluindo os ministérios do Trabalho, da Justiça e Segurança Pública, da Casa Civil, da Saúde, da Educação, da Cultura e outros.

Mas a votação foi apertada. Foram 15 votos a favor da resolução, de representantes da sociedade civil, e 13 contra, todos de representantes do governo Lula.

Ministério dos Direitos Humanos também foi contra. Um parecer apresentado pela consultoria jurídica da pasta "indicou, entre outros aspectos, que a minuta de resolução apresentava definições que só poderiam ser feitas em leis —a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro".

O argumento é semelhante ao apresentado pelos representantes do governo no Conanda. Na ocasião, eles alegaram que as diretrizes deveriam ser analisadas pelo Congresso Nacional e tentaram solicitar um pedido de vista, que foi rejeitado.

Na prática, a resolução reforça o que já está previsto na legislação brasileira, que autoriza o aborto legal em casos de estupro, risco de vida à gestante ou anencefalia fetal. Ela estabelece, por exemplo, a garantia do acesso ao aborto nos casos previstos em lei para crianças e adolescentes "da forma mais célere possível e sem a imposição de barreiras sem previsão legal".

A norma também contém diretrizes para o atendimento de vítimas de violência sexual, garantindo a comunicação do caso ao conselho tutelar e à polícia e escuta especializada. Além disso, prevê que o acesso a informações claras e imparciais sobre interrupção da gestação são direitos da criança e da adolescente, "sendo vedada conduta diversa com base em convicções morais, políticas, religiosas e crenças pessoais".

O impasse foi levado à Justiça por uma parlamentar da oposição. No dia seguinte à aprovação no Conanda, a resolução foi suspensa pela Justiça Federal de Brasília, atendendo a um mandado de segurança impetrado pela senadora bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF). O juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, da 20ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, afirmou que a votação deveria ter sido suspensa após o pedido de vistas feito pelo governo e disse não ter levado em conta o mérito da resolução.

Nesta segunda-feira (6), porém, a decisão foi derrubada pelo TRF1 (Tribunal Regional Federal da Primeira Região). O desembargador Ney Bello entendeu que o Conanda não extrapolou suas competências, diz magistrado. Para Bello, "agiu corretamente o conselho multicitado quando regulou, dentro de suas atribuições previstas em direito positivo, a matéria legal, estabelecendo os pressupostos necessários à correta interrupção da gravidez quando fruto de abominável violência.

Uma sociedade em que suas instituições privilegiam o embate ideológico e suas verdades pré-concebidas, sobre a sanidade, a liberdade e proteção de menores vítimas de violência está fadada ao fracasso enquanto aventura da modernidade racional
Desembargador Ney Bello, do TRF1, em decisão judicial

Damares afirmou que vai recorrer. "Eu tenho uma trajetória que me legitima a continuar essa luta", disse a senadora em entrevista à CNN.

Como denunciar violência sexual

Em casos flagrantes de violência sexual, o 190, da Polícia Militar, é o melhor número para ligar e denunciar a agressão. Policiais militares em patrulhamento também podem ser acionados. O Ligue 180 também recebe denúncias, mas não casos em flagrante, de violência doméstica, além de orientar e encaminhar o melhor serviço de acolhimento na cidade da vítima. O serviço também pode ser acionado pelo WhatsApp (61) 99656-5008.

Legalmente, vítimas de estupro podem buscar qualquer hospital com atendimento de ginecologia e obstetrícia para tomar medicação de prevenção de infecção sexualmente transmissível, ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente. Na prática, nem todos os hospitais fazem o atendimento. Para aborto, confira neste site as unidades que realmente auxiliam as vítimas de estupro.

Vítimas de violência sexual não precisam registrar boletim de ocorrência para receber atendimento médico e psicológico no sistema público de saúde, mas o exame de corpo de delito só pode ser realizado com o boletim de ocorrência em mãos. O exame pode apontar provas que auxiliem na acusação durante um processo judicial, e pode ser feito a qualquer tempo depois do crime. Mas, por se tratar de provas que podem desaparecer, caso seja feito, recomenda-se que seja o mais próximo possível da data do crime.

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