Lembrar o 8 de janeiro é fundamental para a democracia brasileira
Dois anos após a invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília, um ato do governo terá abraço pela democracia em cerimônia sem presidentes dos demais poderes. No balanço das investigações, há 371 condenados, enquanto 122 pessoas destruíram as tornozeleiras eletrônicas e estão foragidas
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Embalados pelas investigações da Polícia Federal que apontaram para uma tentativa real de golpe de Estado no Brasil, o governo Lula e a esquerda querem fazer deste 8 de janeiro um marco na luta pela democracia. Vinte obras de arte e objetos históricos destruídos nas invasões dois anos atrás, como um relógio do século XVII restaurado na Europa por meio de uma parceria com o governo suíço, serão devolvidos aos espaços públicos nesta quarta-feira.
Compõem ainda esse cenário uma pesquisa da Genial/Quaest em que 86% dos brasileiros disseram desaprovar a invasão dos prédios públicos, e até mesmo a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro, pela interpretação em 'Ainda Estou Aqui' de Eunice Paiva, mulher do deputado cassado e morto pela ditadura militar, Rubens Paiva.
Mas a dose dessa movimentação tem gerado certo desconforto no meio político e receio de que a imagem passada seja menos institucional e mais eleitoral, inclusive pela ausência dos presidentes da Câmara e do Senado nos atos governamentais, bem como de seus prováveis sucessores no comando do Legislativo, ainda que pese a promessa de presença dos comandantes militares. Na caserna, inclusive, o desejo é de virar a página. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso, também estará ausente e será representando pelo vice, Edson Fachin.
O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, disse à RFI que independentemente do grau de polarização, é preciso relembrar o que aconteceu e o risco que o país viveu. "É fundamental lembrar o 8 de janeiro. Como é fundamental lembrar o esquartejamento de Tiradentes e como é fundamental lembrar a data da Independência no Brasil. São datas marcantes, algumas para serem rememoradas e outras para alertar que isso jamais possa acontecer de novo."
"Ter democracia não é algo fácil, não é simples. É preciso lutar pela democracia. E rememorar o 8 de janeiro, parece que tem esse papel pedagógico, para que as futuras gerações saibam que isso ocorreu e que as pessoas foram punidas, as que participaram e, agora com os inquéritos, espera-se que sejam punidos também os que arquitetaram, os que planejaram, os que tiveram por trás, financiaram", afirmou Melo.
Já os bolsonaristas, que acusam o governo de usar a data para camuflar problemas, mantêm o discurso de anistia aos presos pelo 8 de janeiro e acreditam que o retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos possa fazer soprar por aqui ares menos progressistas, como a decisão, anunciada um dia antes pela Meta de abandonar o sistema de checagem das publicações no Facebook, Instagram e WhatsApp.
Para fazer frente às cerimônias oficiais, eles organizaram uma super live nas redes sociais, de oito horas de duração, para a apresentar narrativa de não golpe.
Balanço das investigações
Das mais de duas mil pessoas investigadas, 371 foram condenadas até agora. Três moradores em situação de rua e um vendedor ambulante foram absolvidos. Outras 527 pessoas reconheceram que cometeram crimes, porém sem gravidade, e fecharam acordo com o Ministério Público, pelo qual terão punições alternativas, mas não deixam de responder a processo.
Entre os 223 condenados em regime fechado, 71 já iniciaram o cumprimento das penas e 30 aguardam recurso. Outras 122 pessoas, no entanto, são consideradas foragidas. Muitas delas quebraram a tornozeleira eletrônica e fugiram para países como Argentina e Peru. Contra 61 delas, já foram adotadas medidas de extradição junto a autoridades estrangeiras.
"Sendo localizadas, o governo brasileiro pede ao governo desses países que as extraditem. Se não o fizerem, se as pessoas fugirem, você vai para uma discussão de direito internacional. Não vejo a Argentina levando isso a ferro e a fogo, abrigando essas pessoas e criando um ambiente pior com o Brasil. E mesmo que isso ocorresse, os governos não são definitivos. A questão da democracia ultrapassa governos", conclui Melo.