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Número de jovens 'nem-nem' no Brasil cai 5,4%, mas desigualdades persistem

Amélia Silva Lima, da etnia Wapixana, ficou dois anos sem estudar nem trabalhar - Arquivo pessoal
Amélia Silva Lima, da etnia Wapixana, ficou dois anos sem estudar nem trabalhar Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

Bárbara Muniz Vieira

Colaboração para o UOL, em Ottawa (Canadá)

08/01/2025 05h30

O Brasil apresentou uma redução significativa no número de jovens entre 18 e 24 anos que não estudam nem trabalham —conhecidos como "nem-nem". Conforme o relatório "Education at a Glance", divulgado recentemente pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o percentual caiu de 29,4% em 2016 para 24% em 2023, uma diferença de 5,4 pontos percentuais.

O que aconteceu

Desigualdades persistem. A melhora é atribuída a uma combinação entre fortalecimento do mercado de trabalho e maior participação na educação após um período especialmente desafiador durante a pandemia de covid-19. A situação permanece crítica para jovens de baixa renda e mulheres negras e pardas, que enfrentam barreiras adicionais.

A redução dos jovens 'nem-nem' deve-se a uma estratégia holística focada tanto na demanda quanto na oferta de trabalho. De um lado, investir em qualificação técnica e habilidades socioemocionais; de outro, apoiar empresas a crescerem de forma sustentável a encontrarem esses talentos.
Iana Barenboim, cofundadora da Muva, organização voltada à inclusão produtiva

Desigualdade de gênero e raça

Desigualdade é fruto de problemas históricos. Apesar do avanço, o estudo indica que a vulnerabilidade de jovens mais pobres e de mulheres negras e pardas continua sendo um fator de desigualdade estrutural no país. Para Daniel Grynberg, diretor-executivo do Grupo +Unidos, a realidade é fruto de problemas históricos.

A dificuldade de conciliar estudo e ajudar em casa, a gravidez precoce, o racismo estrutural e a violência urbana contribuem para que esse público tenha dificuldade em concluir os estudos ou se inserir no mercado formal.
Daniel Grynberg, diretor-executivo do Grupo +Unidos

Mais mulheres e negras entre os nem-nem. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) reforçam o cenário: entre os 10,3 milhões de jovens nem-nem no Brasil, 65% são mulheres, muitas delas responsáveis por afazeres domésticos ou cuidados familiares. Entre mulheres negras ou pardas, a situação é ainda mais grave: elas representam 45,2% do grupo.

Pandemia agravou cenário, mas recuperação é visível

A pandemia de covid-19 intensificou os desafios educacionais e econômicos. A evasão escolar aumentou, assim como o desemprego juvenil. O cenário, no entanto, começou a melhorar com a retomada das atividades. Segundo o IBGE, a taxa de jovens nem-nem, que chegou a 29,3% em 2020, caiu progressivamente nos últimos anos.

"A crise escancarou a falta de estrutura de muitas famílias para o ensino remoto. Ainda estamos lidando com os atrasos desses anos, especialmente entre os mais pobres", declara Grynberg.

Volta por cima. Tanto a pandemia quanto uma gravidez foram fatores determinantes para a jovem indígena da etnia Wapixana Amélia Silva Lima, atualmente com 31 anos, ter parado de estudar e trabalhar. Aos 20 anos, ela ingressou na UFRR (Universidade Federal de Roraima), mas desistiu de estudar logo depois porque não tinha acesso a transporte até a universidade e nem possuía internet em casa.

Por ser indígena e morar na aldeia, tudo ficava mais difícil. Logo depois, em 2020, fiquei sem trabalho por causa de situações maiores. No fim, fiquei quase dois anos sem estudar nem trabalhar porque nesse período tive uma gravidez de alto risco. Tive de cuidar da saúde. Aí veio a pandemia. Eu me sentia inferior aos demais, sem apoio familiar e principalmente financeiro. Perguntava: 'será que algum dia serei alguém graduada com diploma?.
Amélia Silva Lima

Volta aos estudos. Com a ajuda do Grupo +Unidos, Amélia voltou a estudar e conseguiu um emprego. Atualmente, ela é aluna do IFRR (Instituto Federal de Roraima), onde estuda Letras com licenciatura em espanhol e também é aluna de inglês do Programa Access Amazon, uma iniciativa da Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil, por meio do Escritório Regional de Ensino de Língua Inglesa (RELO), e conta com a implementação do Grupo +Unidos.

Tive oportunidade de ser professora de língua indígena wapixana no estado onde moro [RR]. Esse emprego me abriu a visão para continuar os estudos. Apesar das dificuldades e diferenças, eu consegui ter uma estabilidade financeira e familiar. No Grupo, foi onde tive mais oportunidades de estudos. Uma delas é participar de um intercâmbio na Universidade de San Diego, na Califórnia, Estados Unidos. Embarco em fevereiro, só depende de sair o visto.
Amélia Silva Lima

Soluções e caminhos

Especialistas apontam a necessidade de políticas públicas integradas e ações direcionadas para reverter as desigualdades. "É preciso investir em educação de qualidade, formação profissional e incentivos à contratação de jovens em situação de vulnerabilidade. Além disso, combater a discriminação racial e de gênero é essencial", afirma Iana Barenboim, cofundadora da Muva, organização voltada à inclusão produtiva.

Iniciativas de organizações da sociedade civil. Ações como suporte às famílias de baixa renda, programas de qualificação e maior inclusão no mercado de trabalho são caminhos citados pelos especialistas. Para Grynberg, as empresas também têm papel crucial. "Não adianta esperar que anos de falta de estudo sejam resolvidos rapidamente. As empresas devem formar profissionais dentro de casa e criar metas objetivas de diversidade."

Perspectivas

Embora os números mostrem avanços, o Brasil ainda apresenta indicadores superiores à média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), especialmente no que diz respeito à conclusão do ensino médio e à inserção de mulheres no mercado de trabalho. Enquanto na OCDE 14% dos jovens adultos não concluíram o ensino médio, no Brasil o percentual é de 27%.

Renda. As desigualdades também se refletem nos salários: no Brasil, mulheres jovens com qualificação superior ganham em média apenas 75% do que recebem os homens, enquanto a média da OCDE é de 83%.

"Avançar é possível, mas exige esforço conjunto de governos, empresas e organizações sociais para garantir um futuro mais justo e igualitário para nossos jovens", diz Iana.

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