Caso do bolo com arsênio: por que matar com veneno aumenta pena de prisão?
Deise Moura dos Anjos, 42, foi presa em Torres (RS), suspeita de envenenar um bolo que matou três mulheres da mesma família. O uso de veneno pode agravar a pena para até 30 anos.
O que aconteceu
Uso de veneno é uma qualificadora no Código Penal. A qualificadora é um elemento ou circunstância que aumenta a gravidade de um crime, tornando-o mais reprovável aos olhos da lei. Quando presente, a qualificadora modifica a classificação do delito, aumentando a pena mínima e máxima aplicável.
Método é considerado insidioso (dissimulado) e traiçoeiro. Segundo os advogados criminalistas Carlos Coruja e Arthur Richardisson, o uso de veneno em homicídios é tratado no artigo 121, parágrafo 2º, inciso 3º do Código Penal.
O veneno elimina qualquer possibilidade de defesa, sendo aplicado ocultamente, com planejamento e intenção clara de causar dano irreversível. Além disso, provoca mortes lentas e dolorosas, frequentemente sem que a vítima perceba imediatamente o que está acontecendo. "Isso aumenta significativamente a gravidade da conduta", afirmou Richardisson, que é membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).
Pena varia de 12 a 30 anos e pode aumentar devido às circunstâncias do caso. Carlos Coruja explica que o uso de veneno não apenas qualifica o homicídio como também evidencia premeditação. "A aquisição do veneno, a escolha do momento e a administração demonstram dolo e planejamento. No caso em questão, a suspeita teria buscado evitar rastros e dificultar a investigação, o que reforça a gravidade do ato", destacou. Além disso, Richardisson apontou que, em casos de múltiplas qualificadoras, como o contexto familiar e a vulnerabilidade das vítimas, a pena tende a ser fixada próxima ao máximo permitido.
Premeditação e impacto social são centrais no julgamento. De acordo com Richardisson, o tribunal do júri, como representação da sociedade, avaliará o caráter insidioso do crime e o impacto social causado pela prática. "Os jurados tendem a reconhecer a maior reprovabilidade da conduta, especialmente quando combinada com fatores como atritos familiares e a vulnerabilidade das vítimas", explicou. Coruja destacou que o júri será influenciado por elementos como a idade das vítimas, que reforça a percepção de crueldade e o potencial de choque social.
Provas periciais e contexto familiar são cruciais. A perícia confirmou que o arsênio encontrado no sangue das vítimas e no bolo foi inserido de forma intencional, usando farinha contaminada. Segundo Coruja, a análise material e a conexão com o contexto familiar são elementos-chave para o tribunal. "Depoimentos que indicam conflitos antigos e interesses financeiros serão avaliados para consolidar a tese de premeditação e dolo", ressaltou.
Atenuantes existem, mas não eliminam a gravidade. Ambos os advogados concordam que fatores como confissão espontânea podem reduzir a pena dentro do intervalo de 12 a 30 anos, mas não descaracterizam a qualificadora. Richardisson enfatizou que a crueldade do ato, combinada com o impacto social, justificará uma pena mais severa.
Exemplos de qualificadoras em homicídios:
- Meio insidioso ou cruel: como veneno, tortura ou outros métodos que dificultem a defesa da vítima.
- Motivação torpe: como matar por vingança, interesse financeiro ou discriminação.
- Recurso que impossibilite a defesa da vítima: como ataques de surpresa ou emboscadas.
- Perigo comum: quando o ato põe em risco um grupo de pessoas, como o uso de explosivos.
O uso de veneno é uma qualificadora porque:
- É um meio insidioso, ou seja, traiçoeiro, que frequentemente é administrado sem o conhecimento ou consentimento da vítima.
- Dificulta ou elimina a possibilidade de defesa.
- Pode causar sofrimento físico e psicológico prolongado, dependendo da substância utilizada.
Relembre o caso
O crime aconteceu em 23 de dezembro de 2024, durante um café da tarde em Torres (RS). Maida Berenice Flores da Silva, 58 anos, Neuza Denize Silva dos Anjos, 65 anos, e Tatiana Denize Silva dos Santos, 43 anos, morreram após consumir um bolo envenenado com arsênio. A perícia confirmou altas concentrações da substância no sangue das vítimas e na farinha usada na receita.
Outras duas pessoas foram hospitalizadas, incluindo Zeli dos Anjos, de 61 anos, sogra da suspeita, e uma criança de dez anos, que já teve alta. Deise Moura dos Anjos, nora de Zeli, foi presa após a polícia encontrar provas que indicam premeditação, como buscas na internet sobre arsênio e conflitos familiares de 20 anos.