Anistia une bolsonaristas, mas mudança no Congresso deixa aprovação incerta
Dois anos após os atos antidemocráticos, a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro é uma das bandeiras que mantém bolsonaristas unidos, mas mudanças previstas no Congresso tornam o avanço do projeto incerto nas casas legislativas.
O que aconteceu
Novos presidentes devem influenciar no desfecho. As prováveis eleições de Hugo Motta (Republicanos-PB) na Câmara e de Davi Alcolumbre (União-AP) no Senado vêm gerando o temor de que o governo aumente sua capacidade de impedir que o texto avance nas duas Casas. Republicanos e União integram a base do governo Lula.
No entanto, bolsonaristas creem que o projeto deve avançar mesmo com as mudanças nos comandos. A deputada federal Julia Zanatta (PL-SC) diz que o acordo para apoiar Motta inclui que a proposta da anistia seja pautada em 2025. "Vamos esperar a eleição do Senado para conduzir as estratégias. esse é um dos temas prioritários, sem dúvida nenhuma, para o PL", disse o líder do partido no Senado, Carlos Portinho (RJ).
PL fora do comando da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) é obstáculo. Na visão de lideranças bolsonaristas, as chances de que o projeto prospere diminuem com a possível chegada do União ao controle da comissão após a eleição para presidência da Câmara, marcada para acontecer no próximo dia 3.
O tema pode voltar a CCJ caso a comissão especial criada para discutir o tema seja desfeita. Sem o PL de Jair Bolsonaro na presidência da Comissão de Constituição e Justiça, o ambiente para aprovar o projeto é mais improvável, avaliam lideranças da oposição. A primeira relatora da proposta foi a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que deu parecer contrário.
Demonstrar que há força na pauta da anistia é estratégico para ala bolsonarista. As lideranças precisam mostrar que não abandonaram a militância. O trabalho desenvolvido nos últimos meses é de minimizar os atos antidemocráticos e diferenciá-los das investigações da Polícia Federal que levaram a prisões de militares, como a do general Braga Netto (PL).
Reprovação de 86% da população aos ataques não assusta parlamentares bolsonaristas. Na visão desses deputados e senadores, o dado aferido pela Quaest diz respeito à invasão de prédios públicos e não à suposta tentativa de golpe de Estado que se tornou alvo de investigação pela PF.
Para congressistas, investigação não atrapalha. "O Congresso não se pauta por causa disso", afirmou deputado da oposição que preferiu não se identificar. "Não há nada [na investigação da PF] que convença de forma cabal que houve tentativa de golpe", disse Rodrigo Valadares (União-SE), relator do projeto de anistia na Câmara.
Há pessoas condenadas por tempo superior a muito traficante e a muito bandido de verdade. Pessoas que participaram da baderna, mas não quebraram nada estão sendo condenadas. É a hora do Brasil virar essa página. A gente precisa pacificar esse país.
Carlos Portinho, líder do PL no Senado
Pesquisa tem para todos os gostos. O que houve foi uma baderna generalizada, sem liderança e reprovável. Mas há um abismo entre isso e uma tentativa de golpe de Estado.
Rodrigo Valadares, deputado federal do União Brasil
Trâmite do projeto na Câmara
Anistia deve ser objeto de comissão especial na Câmara. O grupo foi anunciado em 29 de outubro por Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara, mas ainda não foi instalado. Até então, o projeto tramitava na CCJ e havia uma votação prevista para 29 de outubro.
Comissão especial também é vista como entrave. Para formação do grupo, cada partido deve indicar um membro para integrá-lo. Isso permite, por exemplo, que a base aliada não aponte seus integrantes para atrapalhar o processo de avançar. Depois, se for aprovado pela comissão, o projeto segue para votação em plenário.
Relator acredita que anistia seria aprovada "tranquilamente" se fosse submetida à votação hoje. De acordo com Valadares, o texto tem apoio da oposição e de grande parte dos membros de partidos de centro-direita —como PP, PSD e Republicanos. Em plenário, a proposta precisa de 257 dos 513 votos para aprovação.
Apoiadores veem anistia como forma de baixar temperatura e reduzir tensão entre os poderes. Segundo deputados, condenações contra participantes de atos antidemocráticos são "desarrazoadas" por não individualizarem condutas e outros problemas —como a tramitação de processo no STF.
Para a esquerda, manter condenações é questão de honra. No dia 1º, vereadores de PT, PSOL e outros partidos em várias partes do país exibiram cartazes com os dizeres "sem anistia". A invasão de prédios do Congresso, Palácio do Planalto e sede do STF em 8 de janeiro de 2023 causou mais de R$ 10 milhões em danos.
PT e PSOL pediram o arquivamento do projeto após ataques com bomba e prisão de militares. O protesto ocorreu após a PF prender militares suspeitos de envolvimento em um plano para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, segundo a corporação.