Lula entrega na área social, mas tropeça na economia com brigas com mercado
Em dois anos de mandato, o governo Lula (PT) tem conseguido entregar parte das promessas de campanha nas áreas econômica e social, mas as constantes brigas com o mercado, impulsionando o dólar, e a inflação têm prejudicado a economia (e a imagem) da gestão.
O que aconteceu
O governo tem melhorado indicadores sociais. O número de pessoas em extrema pobreza caiu, o desemprego diminuiu significativamente e o salário mínimo tem tido ganho real, como prometido em 2022.
Isso é menos notado do que o governo esperava, o que causa preocupação no Planalto. Duas pesquisas recentes do Datafolha mostram que, pelo olhar da população, as coisas não vão tão bem assim: 61% dos brasileiros dizem ver a economia no caminho errado, ao passo que apenas 27% aprovam a gestão de Fernando Haddad na Fazenda.
As brigas de Lula com o mercado tampouco têm ajudado. Após a decisão de incluir a isenção do Imposto de Renda até R$ 5.000 no pacote fiscal —uma cobrança do setor financeiro a que Lula resistia a aderir—, o dólar bateu sucessivos recordes no final do ano, chegou a operar em R$ 6,30, o maior valor nominal da história, e começou 2025 acima dos R$ 6,15, o que deve impulsionar, entre outras coisas, a inflação. Também houve reflexo com o prometido corte de gastos, que veio mais tímido do que queriam os investidores.
Bons resultados econômico-sociais
O Planalto tem buscado ressaltar os dados positivos da equipe econômica. Em especial na área social, o governo tem conseguido entregar parte das promessas de Lula desde que assumiu, fato que ele atribui ao trabalho de Haddad, seu pupilo, com ajuda da ministra Simone Tebet, no Planejamento e Orçamento.
O desemprego está em taxas históricas baixas. No trimestre terminado em novembro, atingiu 6,1%, a menor taxa da série histórica iniciada em 2021—logo, menor taxa desde quando o PT ainda estava no poder, sob Dilma Rousseff. Mais do que isso, uma pesquisa da FGV revelou que 91% das vagas geradas entre janeiro de 2023 e setembro de 2024 foram ocupadas por integrantes do Bolsa Família inscritos no CadÚnico —ou seja, parte da população com menor poder financeiro.
O governo também reduziu a extrema pobreza. Em um ano, 8,7 milhões de brasileiros saíram da pobreza, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A população pobre caiu de 67,7 milhões para 59 milhões de 2022 para 2023. É o menor nível desde 2012.
A balança comercial brasileira fechou 2024 com superávit de US$ 74,6 bilhões. O número é considerado o segundo maior da série histórica (desde 1989), perdendo apenas para 2023, primeiro ano de Lula, quando o resultado positivo foi de US$ 98,9 bilhões, segundo o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
As projeções do PIB (Produto Interno Bruto) aumentaram. Em dezembro, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) subiu a estimativa de crescimento do PIB em 2024 de 2,4% para 3,4%.
Parte da indústria voltou a crescer. Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), o setor automotivo brasileiro foi o que mais cresceu no mundo em 2024, com alta de 15% nas vendas. Na área de construção civil, o crescimento foi de 4,1%, segundo a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).
Brigas com mercado e inflação
Como contraponto, não faltaram polêmicas ligadas à área econômica. Resistente a interferências externas, o presidente entrou em pé de guerra com o setor financeiro e com Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central, no segundo semestre.
Na visão de Lula, a gestão tem sofrido boicote. Enquanto agentes do mercado alegam que a gestão petista resiste em mostrar um plano duradouro para apertar o cinto, no Planalto há um consenso de que tanto a Faria Lima quanto o BC sob Campos Neto queriam estimular alta dos juros para favorecer investimentos em renda fixa.
Em vez de apaziguar os ânimos, Lula passou os últimos meses dobrando a aposta. Repetiu que despesas ligadas a educação e saúde "não são gastos" e flertou com não cumprir a meta de déficit zero estipulada pelo próprio governo no arcabouço fiscal.
O dólar estourou e, com ele, a inflação, principal medo da atual gestão. Com a prévia da inflação oficial em 0,34% em dezembro, segundo dados apresentados no dia 27 pelo IBGE, o país deverá fechar 2024 na taxa de 4,71%, acima do teto da meta de 3% (com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual).
Já o BC prevê a inflação em 4,84% ao final do ano. O dado oficial será divulgado no próximo dia 10.
A notícia é pior ainda porque é puxada por alimentos. No segundo semestre, a carne —foco da campanha de Lula (quem não lembra das falas sobre a picanha?)— foi um dos produtos que mais cresceram, aumentando 8% só em novembro.
Melhoria na comunicação
Lula tem atribuído esta dissonância, como ele considera, à comunicação. Apesar de parte das falas saírem do próprio presidente, há desde o começo do mandato um entendimento de que os feitos do governo, como os citados acima, não chegam à população, o que atrapalha a imagem da própria gestão.
O presidente não esconde o descontentamento e deverá haver mudanças. O ministro Paulo Pimenta, da Secom (Secretaria de Comunicação Social), deverá ser substituído pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, responsável pela campanha eleitoral vitoriosa de 2022.
O foco será exatamente expor de forma mais eficiente as conquistas do governo. No Planalto, não se esconde que 2026 já começa no início deste ano e bons resultados econômicos, assim como uma boa imagem da gestão, são cruciais para segurar a opinião pública e conseguir mais apoios para uma possível reeleição de Lula.