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França relembra 10 anos de atentados que dizimaram a redação do jornal Charlie Hebdo e traumatizaram o país

07/01/2025 06h28

A França lembra a partir desta terça-feira (7) os 10 anos da série de atentados terroristas que marcou o país e o mundo. Entre 7 e 9 de janeiro de 2015, os irmãos Kouachi e Amedy Coulibaly assassinaram 17 pessoas em ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, na região de Montrouge e no Hyper Cacher, supermercado frequentado pela comunidade judaica, nos arredores da capital francesa. A RFI Brasil reconstitui os três dias de ataques terroristas que chocaram a França e o planeta.

A França lembra a partir desta terça-feira (7) os 10 anos da série de atentados terroristas que marcou o país e o mundo. Entre 7 e 9 de janeiro de 2015, os irmãos Kouachi e Amedy Coulibaly assassinaram 17 pessoas em ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, na região de Montrouge e no Hyper Cacher, supermercado frequentado pela comunidade judaica, nos arredores da capital francesa. A RFI Brasil reconstitui os três dias de ataques terroristas que chocaram a França e o planeta.

Na manhã do dia 7 de janeiro de 2015, os franceses acordam com a notícia do primeiro de uma série de atentados que paralisam o país. Usando um capuz e carregando fuzis automáticos russos do tipo Kalashnikov, os irmãos Kouachi, Saïd e Chérif, se dirigem ao 11º distrito de Paris, a sede do jornal satírico Charlie Hebdo, e perguntam a uma mulher na rua o endereço exato do local, neste que marcará a história da França como o primeiro ataque terrorista à sede de um veículo de imprensa.

Por volta de 11h20, os terroristas forçam um funcionário a entrar no prédio e sobem ao segundo andar, onde acontece a reunião de pauta. Os irmãos Kouachi invadem a sala e abrem fogo, matando 12 pessoas, incluindo figuras icônicas do jornal, como Charb, Cabu, Wolinski, Tignous e o economista Bernard Maris. Na sequência, eles gritam: "Allahu akbar", slogan apropriado da religião muçulmana pelos radicais islâmicos que significa "Deus é o maior", dizendo logo depois "Vingamos o Profeta Maomé".

Exatamente às 11h30 do 7 de janeiro, os irmãos Kouachi deixam o local de carro e após um confronto com uma patrulha policial, executam à queima-roupa o policial Ahmed Merabet na rua. Às 11h50, os terroristas abandonam o carro no nordeste de Paris e continuam a fuga em outro veículo.

Mas o pesadelo estava longe de acabar. No dia seguinte, 8 de janeiro de 2015, os franceses são surpreendidos por um novo tiroteio na região de Montrouge, ao sul de Paris. Por volta de 8h, Amedy Coulibaly, cúmplice dos irmãos Kouachi, mata uma policial municipal, Clarissa Jean-Philippe, e foge, deixando pistas que conectam seu ato aos irmãos Kouachi. As autoridades francesas seguem a pista, mas não conseguem localizar os agressores, deixando o país em suspenso.

Hipermercado judeu: o pesadelo continua

No dia 9 de janeiro, os irmãos Kouachi são finalmente localizados às 8h e meia da manhã em Dammartin-en-Goële, a 35 km ao nordeste de Paris. Eles se refugiam em uma gráfica, fazendo um funcionário refém. Mais tarde, por volta de uma da tarde, Amedy Coulibaly invade o supermercado judeu Hyper Cacher, na porta de Vincennes, no leste da capital francesa. Ele mata quatro pessoas e faz vários reféns, exigindo a libertação dos irmãos Kouachi.

Às 17h, as forças da tropa de elite do batalhão antiterrorista da França invadem a gráfica onde se encontram os irmãos Kouachi e ambos são mortos pelas forças de segurança. Ao mesmo tempo, uma unidade de intervenção especializada da polícia nacional francesa intervém no Hyper Cacher. Coulibaly é morto, e os reféns sobreviventes são libertados.

Caricaturas de Maomé

No entanto, a redação do Charlie Hebdo já era vigiada pela polícia francesa desde 2011, e, desde 2006, o jornal satírico sofria ameaças por publicar caricaturas de Maomé. Em 25 de setembro de 2020, um jovem paquistanês apareceu na rue Nicolas Appert, no leste de Paris, armado com uma faca de açougueiro. Zaheer Mahmoud pensava que estava em frente à sede do Charlie Hebdo e feriu gravemente duas pessoas.

Na realidade, o jornal havia se mudado cinco anos antes para um local ainda mantido em segredo, após o ataque que dizimou sua equipe editorial, mas o agressor não sabia disso. Sob custódia da polícia, ele declarou que não suportava a nova publicação de caricaturas de Maomé nas páginas do Charlie Hebdo, que havia decidido republicá-las algumas semanas antes, na abertura do julgamento dos ataques de janeiro de 2015. A decisão do jornal provocou explosões de raiva em vários países muçulmanos, inclusive no Paquistão, país de origem de Mahmoud.

Ao todo, a série de ataques terroristas deixou 17 mortos, sendo 12 na redação do jornal satírico Charlie Hebdo, uma policial em Montrouge e quatro pessoas no supermercado judeu Hyper Cacher. Os atentados marcaram profundamente a França, gerando uma imensa mobilização nacional, simbolizada pela gigantesca manifestação espontânea de 11 de janeiro de 2015, realizada na praça da República, na capital francesa.

O corpo sem vida do webmaster Simon Fieschi foi encontrado sem vida no quarto de um hotel em Paris, em 2019. Atingido por tiros de fuzil que fragilizaram definitivamente seu estado de saúde, ele era um dos sobreviventes do tiroteio que dizimou a redação do Charlie Hebdo e é considerado a 18ª vítima do atentado. 

No ano seguinte, foi realizado o julgamento de 14 acusados da série de atentados, cujas penas foram de 4 anos de detenção à prisão perpétua.  

"Je suis Charlie"

Os atentados geraram uma imensa mobilização nacional, simbolizada pela gigantesca manifestação espontânea de 11 de janeiro de 2015, realizada na praça da República, na capital francesa.

A manifestação reuniu cerca de 4 milhões de pessoas na França, tornando-se uma das maiores mobilizações da história do país. Em Paris, entre 1,5 e 2 milhões de pessoas marcharam em homenagem às vítimas dos ataques.

No restante da França, cerca de duas milhões de pessoas participaram de manifestações em várias cidades, criando o famoso slogan que se tornou uma hashtag utilizada nas redes sociais do mundo inteiro: "#JesuisCharlie", ou "#EusouCharlie", em português.

Entrevistado pela RFI, Guilherme Canela, diretor da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, defende o humor como elemento-chave da liberdade de expressão. "O importante é trazer a discussão para a esfera pública. Ou seja, como proteger o humor, vis-à-vis de outras questões que também têm que ser discutidas. E infelizmente, a intolerância há 10 anos não permitiu fazer uma discussão saudável", analisa.

"A discussão foi para a violência, porque o problema não é discutir, o problema não é ser contra ou dizer 'nós achamos que tal coisa é de bom gosto ou de mau gosto. Isso também é parte da liberdade de expressão. O problema é partir para a violência e não o diálogo ou a discussão sobre essas questões", avalia Canela.

Memória e futuro

O atual diretor do Charlie Hebdo, Gérard Biard, falou à RFI sobre o papel do jornal satírico em 2025. "Trata-se da memória de todos aqueles que fizeram Charlie, e ao fazermos o Charlie, perpetuamos também a memória de Cavanna, que o criou junto com Choron. Assim, perpetuamos também a memória de GB, de Fournier, de todas essas pessoas que fizeram de Charlie o que ele era e o que ele ainda é. Então, é isso que precisamos transmitir", declarou.

"O 7 de janeiro de 2015 é uma data fundamental, obviamente, na história do jornal. Mas não devemos parar por aí, mesmo que sempre voltemos a isso. Hoje somos uma redação entre 30 e 40 pessoas que colaboram, com muitos jovens desenhistas e jornalistas, de ambos os sexos. São eles que farão o Charlie Hebdo daqui a 10 anos. É para isso que estamos caminhando, é sobre isso que pensamos e é para isso que estamos indo, espero, em direção ao futuro", concluiu Biard.

Dez anos depois dos ataques terroristas que marcaram a França, o serviço especial antiterrorista da polícia francesa evoluiu algumas de suas práticas, estreitando significativamente a colaboração entre os batalhões de elite especializados. Mas a principal consequência prática dos ataques de janeiro é a Lei de Inteligência de 24 de julho de 2015. Ela define a estrutura dentro da qual os serviços de inteligência estão autorizados a usar técnicas de acesso a informações, seja por telefone ou escuta eletrônica.

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