Ditadura é pano de fundo para livro ambientado na periferia de São Paulo nos anos 1970
Os anos 1970 pelo olhar de uma jovem que sonha em passar no vestibular, vinda de Mato Grosso para São Paulo. Enquanto a narradora experimenta mudanças radicais em sua vida, procura trabalho e estuda, os anos de chumbo da ditadura se desenrolam nos bastidores. Essa é a trama do novo livro de Mazé Torquato Chotil.
"Mares agitados: na periferia dos anos 1970" é o 14° livro - dos quais cinco são em francês - da jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil. Nascida em Glória de Dourados, hoje Mato Grosso do Sul, ela tem doutorado e pós-doutorado na França, onde vive desde 1985.
Boa parte da obra da jornalista franco-brasileira é calcada em experiências pessoais. Ela já escreveu sobre os pais, que deixaram o Ceará nos anos 1950, para participar da colônia agrícola nacional de Dourados.
"Mas o lugar nunca cresceu. Por exemplo, não tinha universidade. Aí os jovens que queriam estudar tinham que ir embora. Eu fui para São Paulo, amigos foram para o Rio de Janeiro, para o Rio Grande do Sul. Eu tive vontade de falar dessa segunda migração de jovens nos anos 1960-1970, em direção aos grandes centros", conta Chotil.
A autora acompanha a trajetória de uma jovem, que sai do interior do Mato Grosso do Sul para ir estudar e trabalhar em São Paulo. A descrição minuciosa da geografia, das primeiras impressões, das descobertas culturais, traça um retrato sociológico de Osasco, na periferia de São Paulo. Mais do que isso, são experiências vividas à sombra dos anos de chumbo da ditadura militar.
"Eu acompanho a saída da personagem até a chegada em São Paulo. Na época, a rodoviária de São Paulo ali na frente dos trens que chegavam até o centro da cidade. Ela vai também pensando no que estava diferente ou como é que era a vida dela naquele pequeno vilarejo. A ideia é passar no vestibular, mas ela vai ter que trabalhar também, porque os pais não têm muitas condições financeiras", conta Chotil.
As lembranças imagéticas do livro nos remetem a bacias de alumínio, maças argentinas envoltas em papel de seda azul, à antiga rodoviária de São Paulo com seus losangos coloridos, viagens de trem pelo subúrbio, inauguração do metrô paulistano, surto de meningite e Gil Gomes.
Enquanto a jovem relata suas experiências no cotidiano - procurar um primeiro emprego, as descobertas culturais - uma outra "voz" pincela a realidade da ditadura, que segue em paralelo.
Biografias
Além de se basear nas experiências próprias para seus livros, Mazé Torquato também escreve biografias, como "José Ibrahim: o líder da primeira grande greve que afrontou a ditadura", que aconteceu em Osasco em 1968, e de "Maria d'Apparecida: une Marie pas comme les autres", sobre a primeira cantora lírica negra brasileira, que chegou a cantar na Ópera de Paris, mas que morreu em total anonimato em 2017, na capital francesa. Depois da biografia da artista, Chotil criou a Association les Amis de Maria d'Apparecida, que conseguiu que a cantora obtivesse uma placa comemorativa no endereço onde viveu em Paris.
"Sair da invisibilidade"
Chotil também é agitadora cultural, principalmente do setor literário. Ela fundou a União Europeia de Escritores de Língua Portuguesa para promover livros e autores que vivem no exterior. Há mais de dez anos ela organiza encontros literários em Paris, que atualmente acontecem na Biblioteca Gulbenkian, na Casa de Portugal, na Cidade Universitária.
Ela lembra que dos livros traduzidos para o francês, na França, menos de 2% são de obras em português. "Queremos aumentar essa participação e sair da invisibilidade", diz. As entrevistas e encontros podem ser assistidos no canal de Mazé Torquato Chotil.