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Após porradas em Campos Neto, Galípolo no BC aumenta pressão sobre Lula

Gabriel Galípolo (à esq.), novo presidente do BC, ao lado de Campos Neto, seu antecessor - Adriano Machado - 19.dez.2024/Reuters
Gabriel Galípolo (à esq.), novo presidente do BC, ao lado de Campos Neto, seu antecessor Imagem: Adriano Machado - 19.dez.2024/Reuters
do UOL

Do UOL, em Brasília

05/01/2025 05h30

Com Gabriel Galípolo à frente do Banco Central desde esta quarta (1º), o presidente Lula (PT) ganha um aliado no comando da instituição, mas perde uma desculpa para os resultados econômicos do governo, com a saída de Roberto Campos Neto.

O que aconteceu

Lula passou os dois últimos anos reclamando da atuação de Campos Neto. Para ele, não fazia sentido ter de governar com um presidente do BC indicado por seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições de 2022. Campos Neto ocupou o cargo de 28 de fevereiro de 2019 a 31 de dezembro de 2024.

O petista acusou Campos Neto de boicotar o país, por sua proximidade com o mercado financeiro e com o ex-presidente. Segundo Lula, as subidas de juros foram propositais para atrapalhar o crescimento econômico, enquanto o governo visava estimular investimento e consumo, com medidas como reajustes anuais e reais no salário mínimo.

Ex-número dois de Fernando Haddad na Fazenda, Galípolo tem uma visão econômica mais alinhada à da gestão atual. Indicado por Lula, ponderam aliados, isso dificultará culpar a política do Banco Central por eventuais resultados insatisfatórios na economia.

Dois anos de rinha

A autonomia do Banco Central foi estabelecida em 2021, quando Campos Neto já estava no cargo. Pela nova lei, o chefe do órgão seria indicado pelo presidente da República, com mandato de quatro anos e uma possibilidade de recondução, sem que o sucessor no comando do país possa trocá-lo. Antes, o chefe de Estado tinha a prerrogativa de indicar para o cargo ou demitir quando bem entendesse.

Lula nunca escondeu a insatisfação de herdar uma indicação de Bolsonaro. Desde que assumiu, ele defende que indicar o presidente não é retirar a autonomia do Banco Central, citando como exemplo o banqueiro Henrique Meirelles, seu chefe do BC por oito anos, de 2003 a 2010, que ele via com mais autonomia do que Campos Neto.

Meirelles, ex-presidente do BankBoston no Brasil, geriu o BC como quis, apontava Lula, enquanto questionava a proximidade de Campos Neto com Bolsonaro. Mesmo à frente do BC, o economista participava de um grupo de WhatsApp com ministros da antiga gestão, foi a um churrasco com alguns deles e chegou a usar uma camiseta da seleção brasileira, adotada por bolsonaristas, ao votar em 2022, o que gerou críticas até no Congresso sobre sua neutralidade.

Campos Neto compareceu a churrasco com ministros de Bolsonaro, em 2021 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Campos Neto (de cinza) compareceu a churrasco com ministros de Bolsonaro, em 2021
Imagem: Reprodução/Instagram

Lula fala em viés político e atuação pró-mercado. Campos Neto rebateu as críticas, citando atuação técnica e que a independência da política monetária "evita a influência de decisões populistas".

O alvo de Lula é a política de juros. Para tentar segurar a inflação, que segue acima da meta de 3% em 12 meses (com tolerância de 1,5 ponto percentual), o Banco Central voltou a promover sucessivas altas da taxa básica, a Selic, depois de baixá-la em 2023.

O aumento da Selic reduz o consumo. Quando a inflação está alta, o Banco Central eleva os juros para conter o consumo e pressionar os preços para baixo. Em cenários de inflação baixa, o BC diminui a taxa básica para incentivar o consumo e a atividade econômica.

Por outro lado, o aumento da Selic é bom para investidores —o que também é alvo de críticas de Lula. Para quem investe, o aumento da Selic beneficia especialmente ativos de renda fixa, como Tesouro Selic, CDBs e títulos indexados ao IPCA.

A alta nos juros se choca com a política econômica do governo. Como nos seus dois primeiros mandatos, Lula tem tentado promover a aceleração econômica por meio de aumento do crédito e do consumo. Com frequência, ele repete que a indústria só cresce se houver quem consuma produtos e que "muito dinheiro na mão de poucos é miséria, enquanto pouco dinheiro na mão de muitos é prosperidade".

Nos dois anos de relação com o BC, não houve trégua. Na última reunião sob o comando de Campos Neto, o Copom (Comitê de Política Monetária) aumentou a Selic em 1 ponto percentual, para 12,25% ao ano, a maior alta desde maio de 2022, o que enfureceu Lula —na ata, o Copom fala ainda das incertezas do mercado internacional, como a mudança de governo nos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump.

A única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%. Essa é a coisa errada. Não há nenhuma explicação.
Lula, em entrevista à Rede Globo, após o último Copom

Sem poder reclamar

A decisão foi unânime entre os membros do comitê, do qual Galípolo faz parte. Na ata da reunião de dezembro, o comitê avisou ainda que deve realizar mais duas elevações de 1 ponto percentual nas reuniões de janeiro e março, o que faria a Selic chegar a 14,25%, para tentar domar a inflação.

É esperado pelo Planalto que Galípolo siga uma linha mais parecida com a do governo, mas não há garantia. Como ele e o próprio presidente já ressaltaram, o economista terá autonomia à frente do banco, sem interferência do ex-chefe.

Galípolo, inclusive, tem acenado para o lado oposto de Lula. Na última entrevista coletiva do ano, ele rejeitou a tese, defendida pelo presidente, de que o Brasil vive um "ataque especulativo". "Não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, uma coisa só, coordenada", disse o economista.

Lula pode viver um impasse. Como Galípolo é uma indicação sua ao BC, sob a alcunha de "menino de ouro", o presidente não poderá recorrer às diversas críticas que fez a Campos Neto, tampouco poderá usar o argumento de que está governando com indicados por opositores.

Para aliados, tal foi a rejeição ao atual BC que a mudança invariavelmente cria uma pressão. O questionamento que apontam é: se, com uma política mais alinhada e sob anuência de Lula, alguns resultados não melhorarem, quem o presidente irá culpar?

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