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Extrema direita eleita em SP quer CPIs 'antiesquerda' para inflamar base

do UOL

Do UOL, em São Paulo

04/01/2025 12h00Atualizada em 04/01/2025 17h45

Três CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) foram protocoladas já no dia da posse dos vereadores, na última quarta-feira (1º), por dois estreantes. Com promessas de medidas "contra a esquerda", Amanda Vettorazzo (União) e Lucas Pavanato (PL) investem contra ONGs e "invasores de propriedades privadas".

O que aconteceu

Os vereadores disputam a pauta "invasão da propriedade particular". Enquanto Vettorazzo pede investigação do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto) e da FLM (Frente de Luta por Moradia), Pavanato quer a investigação de "invasão de propriedade privada, emprego irregular de verbas ou rendas públicas", conforme escreveu em seu pedido de CPI.

Quem também já tentou enquadrar o MTST como organização criminosa foi Rubinho Nunes (União). Em junho de 2022, o agora vereador reeleito —que já integrou o MBL (Movimento Brasil Livre) ao lado de Vettorazzo— pediu que o MTST fosse investigado pelo Ministério Público. O movimento tem como um de seus líderes o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que foi candidato à Prefeitura de São Paulo no último pleito.

Pavanato preferiu não citar o movimento em seu protocolo de CPI para não ser comparado a Rubinho Nunes. "A CPI é para investigar ONGs que estão à frente de invasões em propriedades da cidade. Mesmo que o MTST não seja citado no projeto, pode ser que o movimento seja investigado durante a CPI", afirmou a assessoria do vereador. Ele recolheu 20 assinaturas para protocolar o documento no dia da posse.

Outra CPI requerida pelo vereador pede a investigação de ONGs que atuam na cracolândia. Para evitar resistência de outros vereadores, ele também não nomeia ONGs ou personalidades públicas, como a CPI —também requerida por Rubinho— que visava investigar a atuação do padre Júlio Lancellotti junto a moradores de rua, barrada na Câmara.

Vettorazzo usa seu requerimento para relacionar as ocupações do MTST e da FML a desastres ambientais. "As áreas e propriedades invadidas comumente são áreas de risco, como prédios com risco estrutural e áreas de encosta com risco de deslizamento", afirma a vereadora em documento protocolado na quarta. "A remoção dessas pessoas das áreas de risco se torna um desafio e, infelizmente, acontecem tragédias, como desabamentos, deslizamentos, incêndios, dentre outras, causando ferimentos e mortes de pessoas que moram em invasões, além de perdas materiais."

O UOL procurou o MTST e a FML para questionar se desejam se manifestar sobre as acusações. Não houve resposta até a publicação deste texto.

A vereadora, que já coordenou o MBL e se tornou conhecida na internet, vê Boulos como adversário. Não esconde que a CPI contra o MTST também é contra o psolista. "Quero saber quem são os grupos políticos responsáveis, se há cobrança de aluguel pelas moradias irregulares e para onde esse dinheiro vai", disse ela na rede social X (antigo Twitter) assim que protocolou o projeto. "Vou tratar invasores como criminosos terroristas", completou.

Amanda Vettorazzo "deu satisfações" sobre a sua atuação contra a esquerda nas redes sociais - Reprodução/Amanda Vettorazzo no X - Reprodução/Amanda Vettorazzo no X
Amanda Vettorazzo "deu satisfações" nas redes sociais sobre a sua atuação contra a esquerda
Imagem: Reprodução/Amanda Vettorazzo no X

Pavanato afirma que já está "aterrorizando a extrema-esquerda". "Primeiro dia, duas CPIs e voto contra o PT, trabalharei o máximo possível para entregar resultados e honrar quem confia em mim", publicou o vereador no Instagram, após protocolar os documentos.

Marcando território

Estreantes na Câmara, Pavanato e Vettorazzo "estão dando uma resposta a seus eleitores". "São projetos que visam manter o eleitor de extrema-direita com o alerta ativado e deixar o nome desses políticos em evidência", afirma Fabio Andrade, cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da ESPM.

"É uma demarcação de território que inflama, mantém o eleitorado bolsonarista mobilizado", concorda André César, cientista político da Hold Assessoria Parlamentar. "Esses vereadores foram eleitos com uma plataforma anti-esquerda, e eles acharam essas pautas que dão espaço nas redes sociais, nos jornais, na TV. Assim, eles mostram que estão mobilizados, fazendo a parte deles."

Para Andrade, a dupla também quer marcar território diante da Mesa Diretora. Ex-secretário de Trânsito do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e ex-secretário do Meio Ambiente do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o novo presidente da Casa, Ricardo Teixeira (União), tem perfil de centro, com bom trânsito entre partidos de esquerda e direita. O PT também ocupa a estratégica Primeira Secretaria, responsável pelo orçamento da Câmara. "Eles querem se mostrar como vereadores antissistema que enfrentam até a composição da Câmara", diz Andrade.

Após ler os requerimentos, Andrade criticou a redação dos pedidos formulados por Pavanato. Enquanto o pedido de CPI de Amanda Vettorazzo "tem uma redação apresentável", um pedido de investigação "que segue os trâmites", os requerimentos de Pavanato "são dois parágrafos em cada um dos projetos, que não seguem o protocolo de determinar qual é o fato objetivo a ser avaliado."

É tudo de uma generalidade muito grande, que é reflexo da falta de inserção do vereador no mundo político.
Fábio Andrade, cientista político

Para a UNE (União Nacional dos Estudantes), que atuou contra o projeto de Rubinho Nunes, projetos como os de Vettorazzo e Pavanato "enfraquecem o debate público". "Eles retiram espaço na agenda política para as decisões de políticas urgentes para a segurança, moradia, saúde e educação na cidade. Esse tem sido o modus operandi desses nomes alinhados ao bolsonarismo", diz a entidade em nota.

O ataque aos movimentos sociais e a organizações que atuam contra a fome em São Paulo tem o objetivo de circular desinformação para manter o engajamento dos eleitores alinhados a esse pensamento.
UNE, em nota

A cracolândia virou um símbolo. O eleitor médio conservador quer explodir a cracolândia, que é realmente um problema para a cidade, mas tem de se pensar em soluções reais.
André César, cientista político

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