Dólar a R$ 6, juros altos e derrotas no Congresso: o 2024 de Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve um ano difícil. Se em 2023 ele conseguiu fechar em alta, em 2024 ele teve de lidar com pressão de fatores externos, memes e coações do Congresso, o que diminuíram suas conquistas econômicas.
O que aconteceu
Apesar de conquistas, como queda do desemprego, o ministro fechou 2024 com gestão reprovada e abriu 2025 com 61% dos brasileiros afirmando que sua pasta está no caminho errado. Alguns fatores, aproveitados pela oposição ajudam a explicar a dificuldade que o ministro tem para se promover, no que é conhecido em Brasília como "o pior emprego do mundo".
O que mais chamou atenção na reta final foi o dólar. Após a decisão de incluir a isenção do imposto de renda no pacote fiscal, a moeda norte-americana bateu sucessivos recordes e chegou a operar em R$ 6,30, o maior valor nominal da história.
A inflação é outro problema. Embora tenha perdido força em novembro, ela segue acima da meta, considerando a margem, e é puxada em especial por alimentos.
Por fim, teve também o Taxad. Em agosto, após decretar a taxação de compras internacionais, o ministro se tornou alvo de uma onda de memes que visavam apontar que o governo Lula (PT) aumentou a carga tributária brasileira —outro pavor da população— embora não seja o caso.
O ministro também teve suas conquistas. A área econômica tem feito entregas e Haddad, conhecido pelo ar professoral, tem adquirido mais traquejo político. Ao longo do ano, passou a ser elogiado por aliados e opositores como um bom articulador do governo.
Danos à imagem
Os memes foram a primeira notícia ruim do ano de Haddad. Homem de postura mais séria, ele viu a oposição usar o humor, forma eficaz de fixar informações na cabeça do eleitor, para atingi-lo, e os memes acabaram se espalhando de forma orgânica.
Os posts associavam o ministro a aumento de impostos. Haddad aparecia como um ministro que não controla as contas públicas e faz os brasileiros pagarem a conta. O governo tentou rebater, mostrando, com dados, que a carga tributária caiu em relação à gestão Jair Bolsonaro (PL), mas não houve jeito: o "Taxad" pegou.
O recorde histórico do dólar é vinculado a um fantasma ainda maior: a inflação. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses atingiu 4,87%, acima do teto da meta, puxado em especial por alimentos, que subiram 1,06% só em novembro. Os avanços foram puxadas pela refeição no domicílio, que ficou 1,81% mais cara.
A carne, principal janela de campanha de Lula, que prometia picanha a preço acessível, foi uma das vilãs. Com aumento de 8% no mês, a variação foi impulsionada, principalmente, pelos cortes da alcatra (9,31%), do coxão mole (8,57%), do contrafilé (7,83%) e da costela (7,83%).
Além de se tratar de más notícias, elas são de fácil assimilação. Os brasileiros sabem que pagam muito imposto e percebem quando o salário acaba antes do mês.
Gestão reprovada
Isso pode se ver na última pesquisa de opinião: Haddad foi considerado um mau ministro. Segundo o DataFolha, menos de um terço da população aprovou seu trabalho.
- 34% de ruim ou péssimo;
- 34% de regular;
- 27% de bom e ótimo;
- 5% não sabem;
As entrevistas foram feitas duas semanas depois de o governo diminuir o percentual de aumento do salário mínimo. A medida consta em um pacote fiscal que também dificulta as regras de acesso ao BPC (Benefício de Progressão Continuada), benefício social pago para deficientes e idosos, aprovado no Congresso na última semana pré-recesso.
Haddad também teve derrotas no Congresso. Ele não conseguiu impedir a prorrogação do Perse e da desoneração da folha. As duas medidas permitem que empresários paguem menos imposto, fazendo o Tesouro Nacional ter menos dinheiro em caixa.
A aprovação do próprio corte foi uma dor de cabeça. Depois de um vaivém interno, o governo penou para aprovar as medidas de enxugamento da máquina no Congresso, e só o fez depois de uma desidratação considerável e muito toma-lá-dá-cá.
Este, no entanto, não é só um problema de Haddad. Com minoria no Congresso, o governo tem sofrido sucessivas derrotas e se empenhado (e entregado) muito para conseguir resultados simples em meio a um parlamento dominado pelo centrão.
Bons resultados na economia
Este combo serviu para ofuscar dados positivos da equipe econômica no ano. Em especial na área social, o governo tem conseguido entregar parte das promessas de Lula desde que assumiu, em especial graças à economia.
O desemprego tem batido recordes para baixo. No trimestre terminado em novembro, atingiu 6,1%, a menor taxa da série histórica iniciada em 2021—logo, menor taxa desde quando o PT ainda estava no poder, sob Dilma Rousseff. Mais do que isso, uma pesquisa da FGV revelou que 91% das vagas geradas entre janeiro de 2023 e setembro de 2024 foram ocupadas por integrantes do Bolsa Família inscritas no CadÚnico —ou seja, a população com menor poder financeiro.
Governo também reduziu a extrema pobreza. Em um ano, 8,7 milhões de brasileiros saíram da pobreza, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A população pobre caiu de 67,7 milhões para 59 milhões de 2022 para 2023. É o menor nível desde 2012.
Parte da indústria voltou a crescer. Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), o setor automotivo brasileiro foi o que mais cresceu no mundo em 2024, com alta de 15% nas vendas. Na área de construção civil, o crescimento foi de 4,1%, segundo a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).
Mais traquejo político
O ministro conseguiu vitórias políticas em 2024. Único articulador da reforma tributária no governo, que lhe criou uma secretaria especial sobre o tema, Haddad consolidou a posição de principal interlocutor de Lula com o Congresso.
O projeto da inteligência artificial é um exemplo. Vários ministérios apresentaram pareceres conflitantes sobre o que consideravam ser adequado. Os senadores que coordenavam a proposta centralizaram a discussão em Haddad, que obteve acordos e conseguiu aprovar a proposta.
A falta de capacidade de articulação sempre foi apontada como ponto fraco do ministro. Ele demonstrou imensa dificuldade de convencer outras lideranças políticas quando foi prefeito de São Paulo. Sua tentativa de reeleição terminou em derrota no primeiro turno para João Doria.
Haddad também segue como pupilo e preferido de Lula. Ele já despontava como principal ministro desde 2023 e ganhou ainda mais protagonismo ao ser escalado pelo presidente para fazer um pronunciamento, algo raro para um ministro.
Caso Haddad seja candidato, ele venceria Jair Bolsonaro. Apesar das desaprovações, pesquisa da Quaest colocou o ministro à frente do ex-presidente na disputa pelo Planalto. Ele também ganharia do ex-coach Pablo Marçal (PRTB) e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), três dos principais nomes da direita hoje. Em conversa com jornalistas na última sexta-feira (20), Haddad disse que "ainda é cedo" para falar sobre a disputa de 2026. O ministro disse ainda que não se entende como candidato à presidência. "Acredito que Lula tem todas as condições de chegar competitivo", disse.
Pelos corredores, brincam que o ano de Haddad é uma variação do ditado popular: "Ninguém viu os corre que fez, mas todos viram as porradas que ele tomou". Já o próprio ministro compara o trabalho a de uma "maratona".